BLOG ORLANDO TAMBOSI
Se Lula se inclina cada vez mais a apelar à emoção, ao passado e à polarização, não é só por ressentimento, mas para disfarçar sua falta de rumo, de ideias novas e de base parlamentar. Editorial do Estadão:
O
governo tem imensos desafios, porque o País tem imensos desafios: o
desafio conjuntural, de cicatrizar feridas abertas pela pandemia na
educação, na saúde ou no mercado de trabalho; o estrutural, de criar
condições para um desenvolvimento sustentável; e o político, cuja
superação é precondição para enfrentar os outros, de apaziguar as
tensões que dilaceram o debate público pelo menos desde 2013.
Há
sinais de sensibilidade para esses desafios nos recessos da consciência
do presidente Lula da Silva. Sua principal promessa de campanha,
recorde-se, foi governar com uma “frente ampla democrática”. “Nosso
governo não será um governo do PT”, disse ainda no segundo turno. “Não
existem dois Brasis”, declarou logo depois de eleito. “Não há tempo para
vingança, para raiva, para ódio. O tempo é de governar.”
Mas
há um abismo entre esta sensibilidade e a ação. Primeiro, porque falta
um plano inovador de governo. Mas, sobretudo, porque dos recessos mais
obscuros da consciência do presidente brota forte um sentimento que
obnubila o planejamento e a articulação política e sufoca os ânimos
conciliatórios que ele diz ter: o ressentimento.
Ante
a decisão da Justiça Eleitoral de cassar o mandato do deputado Deltan
Dallagnol, por supostamente não atender aos requisitos da legislação
eleitoral, um lacônico “nada a declarar” seria a única resposta
desejável de um governo responsável e cônscio de que não há tempo a
perder para congregar forças aptas a enfrentar os desafios do País. Mas,
ao invés disso, o governo petista, como se fosse liderado por crianças
pirracentas, encontrou tempo para empregar a máquina do Estado para
fabricar memes tripudiando seu desafeto.
Ao
invés de jogar água na fervura, o governo sopra a brasa. Mas, muito
mais que um desabafo, a euforia juvenil ante os revezes de adversários
como Dallagnol sugere nervosismo e até mais: uma estratégia calculada. O
governo se inclina cada vez mais a apelar à emoção, ao passado e à
polarização para justificar sua presença no Planalto como um muro de
contenção à barbárie bolsonarista. Mas essa cortina de fumaça não
disfarça a realidade da falta de rumo, de ideias novas e de base. Neste
vácuo, o revanchismo se consolida cada vez mais como política de
governo.
A
educação, por exemplo, precisa de planos para compensar o déficit
gerado pela pandemia, de soluções para fortalecer a aprendizagem e a
formação dos professores e de um sistema de cursos técnicos e
profissionalizantes para enfrentar as transformações do mercado de
trabalho. Mas a principal medida do governo foi suspender a reforma do
ensino médio. A maior chaga social do Brasil, o saneamento básico,
precisa de investimentos e planos consistentes de parcerias
público-privadas. Mas o governo empenha-se em desconstruir o Marco do
Saneamento.
O
revanchismo é flagrante nos ataques à Lei das Estatais ou das Agências
Reguladoras, à independência do Banco Central ou ao teto de gastos –
marcos criados pelo Congresso justamente para pôr fim à malversação de
recursos públicos e à sangria fiscal que grassaram nas gestões petistas,
arrebentando a economia e desmoralizando a política.
Ao
invés de oxigenar o País com novas políticas, o governo se empenha em
reciclar políticas passadas. Ao invés de colocar o País na rota do
futuro, enfrentando desafios inéditos do presente, empenha-se em
reescrever a história e apagar da memória nacional desmandos como o
mensalão, o petrolão ou a recessão, como se fossem mera narrativa e
injustiça da oposição. Ao invés de aprender com seus erros e caminhar
para frente com o Congresso, empenha-se em desconstruir marcos criados
pelo Congresso para sanar esses erros. Mesmo sua proposta mais
consistente para promover o crescimento sustentável, o marco fiscal é
mais ameaçado pelo próprio PT do que pela oposição.
Qual
a chance de se discutir a sério políticas públicas que demandam um
mínimo de coesão social e articulação política quando a vingança domina
os corações e mentes no governo? Se Lula quer que esse mandato seja seu
melhor, precisa refrear em si e na militância o rancor e começar a fazer
política de fato. Se, como ele mesmo disse, “é tempo de governar”,
então que o faça.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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