BLOG ORLANDO TAMBOSI
Corruptos que amam Jesus já é um clássico conhecido, o que parece novo é a ideia de um corrupto com consciência social. A coluna de Luiz Felipe Pondé para a FSP:
Se você perguntar para alguém que faz rachadinha
se ele é mau, ele dirá que não. E não só por ser um mentiroso, mas sim
porque ele julga a rachadinha que ele prática algo menor, sem
importância no esquema maior das coisas.
Ele
dirá que trabalha na iniciativa privada, portanto, não está roubando
dinheiro do povo, mas sim o dinheiro dos acionistas da empresa.
Corrupção no mercado faria parte da dinâmica dos negócios.
Imagine
que ele contrate uma empresa de produção de audiovisual —o fornecedor—,
e proponha a esta empresa de audiovisual faturar três vezes o orçamento
original —que ninguém nunca viu. Um terço para ele —esse um terço é a
rachadinha que o fornecedor devolverá para ele uma vez tendo recebido o
valor cheio, e os dois terços restantes ficam para o fornecedor.
No Brasil a corrupção é parte de tudo. Mesmo no caso de muitos que pregam a não corrupção.
Esta não necessariamente lida só com dinheiro em si, mas com cargos,
exercício de poder, sexo em troca de oportunidades de carreira.
É
mentira quando se diz que isso acabou. Normalmente, a troca de sexo por
espaço de trabalho não aparece como algo imoral, mas sim como uma
relação afetiva leve.
Existem
aqueles que praticam corrupção, mas tem agendas sociais impecáveis. No
Brasil existem corruptos com consciência social. Como assim?
Você
pode ser contra o racismo, contra o sexismo, contra preconceitos totais
—existirá isso?—, defender a democracia, não usar expressões como
"índios", mas só "povos originários", e ao mesmo tempo, ser corrupto.
Superfaturar, montar empresas laranjas para vencer licitações "amigas",
montar esquemas com ONGs "amigas", e ter consciência social.
Corruptos que amam Jesus já é um clássico conhecido, o que parece novo é a ideia de um corrupto com consciência social.
Nesse
cenário, em que a corrupção é parte normal das relações comerciais,
públicas ou privadas, se você não joga o jogo, age como alguém que
atrapalha o bom andamento das coisas —o que em inglês costuma se dizer
"he doesn’t play ball", ele não joga o jogo. Alguém que não merece
confiança, alguém que pode furar o bom esquema das coisas.
A
pergunta é: isso deve ser dito aos mais jovens —que se acham futuras
pessoas incorruptíveis porque adoravam o professor de filosofia— ou não,
e sim devemos deixar que eles aprendam quando crescerem e tiverem que
pagar boletos, envelhecerem e acumularem fracassos como todo mundo?
O
que faz uma pessoa recusar uma rachadinha? A pergunta ética por
excelência é esta e não se eu roubaria caso fosse invisível —o que nunca
serei. Temperamento seria a causa? Temperamento A recusa a rachadinha,
temperamento B topa a rachadinha. Mas, temperamento é contingência,
ninguém escolhe ou tem acesso a criar outro temperamento, apesar das
mentiras dos coaches.
Valores
familiares? Hum... Não sei. Normalmente, quem fala frases como "meu pai
me ensinou valores éticos" não é de confiança. Neste caso, você tem uma
chance enorme de estar diante de um picareta. E sem repertório:
qualquer pessoa que conhece ética, sabe que virtudes são silenciosas, só
se deixam conhecer pela ação e nunca pela autoenunciação prévia.
Talvez
a pessoa já tenha muito dinheiro e por isso não precise disso. Nesse
caso, não vale. A questão só vale se for difícil recusar o dinheiro
oferecido, certo? A virtude se testa em ambientes que lhe são hostis.
Sinto muito quem fica por aí cantando virtudes e ganha dividendos de
bancos por cem encarnações.
O
medo de ser pego pode ser a causa da recusa, mas, neste caso, não me
parece haver virtude porque num outro ambiente mais seguro esta pessoa
poderia incorrer no ato em questão.
Assim sendo, não creio que seja fácil dizer por que uma pessoa recusa uma rachadinha. Tendo a hipótese do temperamento.
A
guisa de conclusão, valeria a pena refletir se o Brasil continua sendo
uma terra sem lei — está na moda negar essa hipótese por conta do
frenesi com a PL das Fake News.
Suspeito que o Brasil continua sim sendo uma terra sem lei. Aqui
continua valendo a máxima "para os amigos tudo, para os inimigos a lei",
não?
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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