Por Gustavo Simon | Folhapress
Ante
derrotas recentes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na área
ambiental, ao menos um agente externo de peso na diplomacia reforça a
confiança no discurso do presidente --não sem emitir sinais para o risco
de retrocessos.
"A União Europeia apoia fortemente a agenda ambiental e climática do
presidente Lula", diz a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der
Leyen. "Só posso encorajar todos os atores institucionais no Brasil a
trabalharem juntos para proteger a Amazônia, bem como as comunidades
indígenas que vivem lá."
Von der Leyen chega a Brasília nesta segunda-feira (12), na primeira
parada de uma viagem pela América Latina, e concedeu entrevista por
e-mail à Folha de S.Paulo antes de embarcar.
Nas últimas semanas no Brasil, o governo cedeu ao Congresso e aceitou
o esvaziamento das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas e viu a
Câmara dos Deputados, presidida por Arthur Lira (PP-AL), aprovar o
projeto de lei que firma o marco temporal para a demarcação de terras
indígenas --o texto ainda precisa passar pelo Senado, e o Supremo
Tribunal Federal discute o tema em outra frente.
Nesse contexto, Von der Leyen sustenta que os indígenas "desempenham
papel central na preservação e no uso sustentável da floresta e no
desenvolvimento do potencial de superpotência verde do Brasil". O debate
ambiental permeia as discussões do acordo UE-Mercosul, hoje travado.
Lula disse querer selar o pacto neste ano, e a presidente do braço
executivo do bloco europeu reforça estar empenhada para isso.
"É muito mais que um acordo comercial. Trata de valores
compartilhados, é uma plataforma para enfrentar desafios comuns, como a
ação climática e o respeito pelos direitos trabalhistas." A UE
recém-aprovou uma lei que veta importar produtos cuja cadeia envolva
áreas desmatadas, o que foi visto como recado pouco sutil às amarras
ligadas ao acordo. Von der Leyen cita vontade política de ambas as
partes. Resta, porém, a indicação de caminhos que desarmem resistências
de lado a lado.
Para a UE, o texto teria o potencial condão de reduzir a dependência
econômica da China, país sobre o qual a presidente da Comissão Europeia
já mencionou a necessidade de vigilância em termos de suprimento de
tecnologia e matérias-primas. Pequim é o principal parceiro do bloco, e
líderes como Emmanuel Macron (França) e Olaf Scholz (Alemanha) ensaiaram
aproximação com Xi Jinping.
"A UE deseja ter relações construtivas, equilibradas e estáveis com
Pequim. Estamos eliminando os riscos, não nos dissociando", afirma.
"Nosso objetivo é reforçar a resiliência econômica, e isso requer
cadeias de suprimentos sólidas, diversificadas e sustentáveis, além de
construir relações com parceiros de confiança. É por isso que parcerias
mais fortes com países como o Brasil são tão importantes."
Segundo ela, a UE deve usar essas relações também para o aprendizado
ligado à transição energética. O bloco era dependente do gás russo, que
minguou como efeito das sanções impostas em decorrência da Guerra da
Ucrânia a Moscou --aliado de Pequim. O "inverno do descontentamento" no
hemisfério Norte caminha para um fim menos severo do que se propalou,
também por ter sido mais quente do que a média --de resto um reflexo da
crise climática--, mas, na visão de Von der Leyen, com lições
relevantes.
"Fizemos as coisas certas. Diversificamos, com fornecedores
confiáveis como a Noruega, e, mais importante, conseguimos reduzir a
demanda de gás em quase 20%. Pela primeira vez, geramos mais
eletricidade a partir de sol e vento do que de gás e petróleo."
Frente à resistência de países como a Polônia em relação ao tema, ela
reafirma promessas. "Nenhum Estado-membro [da UE] mudou a meta nacional
para eliminar gradualmente o uso de carvão. Estamos no caminho para
cumprir o compromisso, estabelecido em lei, de nos tornarmos o primeiro
continente neutro em termos climáticos até 2050. E queremos isso de
maneira justa, sem deixar ninguém para trás", diz.
No Brasil, além de se reunir com Lula, Von der Leyen deve discursar
em evento da Confederação Nacional da Indústria. Outro item da agenda
inclui tecnologia e combate à desinformação --a UE implementou leis que
regulam as big techs, em parte uma inspiração para a discussão no
Brasil, e debate um texto sobre o uso de ferramentas de inteligência
artificial.
"Estamos trabalhando com parceiros de todos os setores para construir
a resiliência da sociedade: agências de checagem, a academia,
anunciantes e, claro, as plataformas", afirma. "Estabelecemos regras
claras e rígidas para as atividades das plataformas, com altos padrões
para responsabilidade delas em relação a conteúdo ilegal e
desinformação. A lei também capacita os usuários a sinalizarem a
desinformação e fornece ferramentas para entenderem o que estão vendo
online."
Segundo ela, a IA é um desafio diferente, e o texto em debate visa a
"promover o desenvolvimento e a aceitação da tecnologia, mitigando
riscos e construindo confiança", com mecanismos que incluem "obrigações
de transparência para sistemas que disseminam conteúdo gerado e
manipulado por IA".
Von der Leyen cita a construção de um cabo submarino entre Portugal e
Brasil para demonstrar a parceria no mundo digital. "Mas, além da
infraestrutura, podemos cooperar em padrões e ambiente regulatório.
Compartilhamos os valores e a visão de um futuro digital centrado no ser
humano."
Depois de Brasília, a política alemã deve passar por Buenos Aires,
Santiago e Cidade do México, atores relevantes do chamado Sul Global,
disputado pelos polos que se opõem na guerra no Leste Europeu. "O
impacto do conflito vai muito além da fronteira da Ucrânia", afirma.
Após declarações de Lula gerarem dúvidas sobre a neutralidade do país
e a atritos com o Ocidente e Kiev, Von der Leyen resgata o apoio do
Brasil a condenações a Moscou em fóruns globais para realçar que o país é
um parceiro estratégico do multilateralismo. "Lula trouxe o Brasil de
volta como importante ator internacional. A UE quer aproveitar a
oportunidade para dar novo impulso à nossa parceria."
Mas ela reitera o apoio do bloco ao que chama de "fórmula da paz do
presidente [Volodimir] Zelenski", sem mencionar o "clube da paz"
ventilado pelo petista. Nas agenda de relações com o Brasil, a alemã
cita o combate à crise climática e à perda de biodiversidade, a promoção
da segurança alimentar e a redução das desigualdades e o
desenvolvimento de laços comerciais e empresariais.
Uma das poucas mulheres líderes em cúpulas globais hoje, Von der
Leyen vê como legado na Comissão Europeia ações para paridade de gênero
--ela tem mandato até o final de 2024 e está apta à recondução, mas
também é cotada como possível futura secretária-geral da Otan.
"Nos negócios, na política e na sociedade, só podemos atingir todo
nosso potencial se usarmos todo nosso talento e diversidade. Era muito
importante ter um conjunto com equilíbrio, e a Comissão Europeia terá
plena igualdade de gênero no nível de gestão no próximo ano. Espero que
sirva de exemplo", afirma.
"Mulheres não são melhores nem piores que homens. Elas trazem diferentes experiências de vida, abordagens e prioridades, e isso leva a soluções mais abrangentes e a mais inovação social. Trata-se de melhores resultados para a sociedade como um todo."
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