Por Laura Mattos | Folhapress
Há
dois extremos, igualmente ruins, quando se pensa na relação entre
crianças e adolescentes com a internet. Em um deles, o romântico,
imagina-se que os mais novos, que já nasceram em um mundo dominado pela
tecnologia, sabem tudo sobre esse universo, mais do que qualquer adulto.
No outro, o alarmista, eles são subestimados, considerados vulneráveis
por completo, facilmente manipuláveis.
Quem quiser educar essa geração para um uso saudável das mídias não
pode se deixar levar por um ou outro, mas seguir o caminho do meio,
defende o pesquisador inglês David Buckingham, 68, referência mundial na
educação midiática.
Com toda a sua carreira dedicada a pesquisar esse tema, Buckingham
acaba de lançar, no Brasil, o livro "Manifesto pela Educação Midiática".
Trata-se de uma versão traduzida da obra original em inglês, de 2019, e
acrescida de dois textos de jornalistas e pesquisadores brasileiros,
Eugênio Bucci e Januária Cristina Alves.
A escolha do termo "manifesto" para dar título ao livro dá conta de
um aspecto central: a defesa de que a educação para as mídias é urgente,
um "pré-requisito básico da cidadania contemporânea", como o autor
coloca. Deve ser matéria obrigatória nas escolas, objeto de programas
consistentes de governos, prioridade da sociedade.
Mas o livro vai além de levantar uma bandeira —funciona como um guia
para pais e educadores, com dicas simples de como tornar crianças e
jovens capazes de se relacionar de forma crítica com as mídias.
E o caminho para isso, vamos lembrar, é o do meio. "Como educador e
como pai, percebi que, quando começamos a falar com crianças sobre esse
tema, muitas vezes elas demonstram uma capacidade sofisticada de
entender algumas questões do uso que fazem das mídias", diz o autor
durante o lançamento da edição brasileira. "Dito isso, temos que evitar o
outro extremo, o risco de considerar que os mais novos, por serem
nativos digitais, sabem naturalmente tudo sobre as mídias".
E o que pais e pesquisadores precisam entender além dessa
simplificação" é o que as crianças e os jovens sabem e o que eles não
sabem". "Há elementos de um contexto maior em torno da tecnologia que os
menores não necessariamente entendem muito bem", afirma.
"Eles podem dominar as etiquetas da comunicação online, das mídias
sociais ou como fazer vídeos do TikTok. Mas o que sabem sobre as
empresas que são proprietárias dessas mídias? Que noção eles têm, por
exemplo, a respeito de como os dados das pessoas estão sendo coletados e
como estão sendo usados?"
Essa perspectiva ajuda a construir um diálogo entre os adultos e os
mais novos, ele acredita. "Sim, há coisas que as crianças e os
adolescentes sabem, e precisamos dar a eles crédito por isso", afirma.
"Mas há coisas que não sabem, e nós, adultos, precisamos identificar
quais são para estabelecer diálogos e engajá-los em discussões."
Na avaliação do pesquisador, não é efetivo que pais e educadores
"atuem como polícia" em relação ao uso que crianças e jovens fazem das
mídias, apontando o que é o certo e o errado, assim como é simplista
considerar que a educação midiática só serve para proteger dos perigos
da internet.
Educar para as mídias é desenvolver habilidades críticas para se
compreender o universo digital, e, para isso, Buckingham defende que o
tema deve estar no currículo das escolas e os professores precisam ser
treinados.
É algo maior, como ressalta em entrevista, do que "apenas ensinar a
reconhecer fake news". "E esse termo, fake news, aliás, nem considero
muito útil", afirma, "porque pressupõe que podemos fazer diferenciações
simples entre verdadeiro e falso, quando a questão é bem mais
complicada".
Para ele, "a educação midiática abrange toda a gama de mídias que
crianças e jovens experimentam, e não só as notícias, que, muitas vezes,
são o principal interesse dos adultos".
Outro equívoco, ele aponta, é relacionar educação e tecnologia de uma
forma instrumental, ou seja, considerar os dispositivos digitais apenas
como ferramentas para o aprendizado. Em palavras simples, educação
midiática não é colocar impressora 3D no laboratório da escola ou usar
aplicativos para corrigir redações. "Não tem a ver com educar por meio
da mídia, utilizando tecnologia, mas educar sobre a mídia".
Claro que os estudantes podem utilizar as mídias de forma criativa,
mas de modo a compreender criticamente o seu funcionamento. "Meu ponto
é: se vamos usar as mídias como ferramentas de educação, precisamos
educar sobre como representam o mundo, como são centrais na política, na
cidadania, na economia, na cultura."
O pesquisador defende uma regulação das plataformas digitais, como
propõe o PL das Fake News, de forma a controlar o poder de grandes
empresas de tecnologia. Mas ressaltou que "essa tarefa tem sido
complicada em diversos países, porque a tecnologia avança rapidamente, e
é difícil saber quando e onde interferir". A educação midiática se
coloca, portanto, como tão essencial quanto a regulação.
Ele avalia que as redes sociais não são a resposta para a violência
nas escolas. "A mídia não é a causa principal. Há muitas causas
complicadas, não é uma questão simples, e a educação midiática não
resolverá esse problema." Entre achar que as redes sociais são o inferno
ou que são totalmente benéficas para os mais novos, Buckingham, de
novo, opta pela via do meio.
"Precisamos ter uma visão mais equilibrada e sutil, e, acima de tudo, ouvir as crianças e os jovens e respeitar as suas opiniões sobre tudo isso."
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