Edward Spang, professor associado do departamento de Risner e coautor do estudo, acredita que “é possível que possamos reduzir o impacto ambiental” da carne cultivada no futuro, “mas isso vai exigir avanços técnicos importantes para aumentar o desempenho e, ao mesmo tempo, diminuir o custo dos meios de cultura de células”. Eli Vieira para a Gazeta do Povo:
Resumo da reportagem
*Carne
cultivada em laboratório pode emitir até 25 vezes mais gases de efeito
estufa por quilograma do que a carne de gado, segundo estudo da
Universidade da Califórnia.
*A
produção laboratorial exige purificação de nutrientes a níveis
farmacêuticos, elevando o uso de recursos e o potencial impacto no
aquecimento global.
*Para reduzir esse impacto e tornar a tecnologia economica e ambientalmente viável, inovações são necessárias.
A
possibilidade de consumir carne sem ter que matar ou ferir animais está
no horizonte, graças ao desenvolvimento da tecnologia da cultivar carne
“em laboratório”, ou seja, a partir de células de origem animal que se
reproduzem sozinhas. É um plano atrativo por razões morais, de saúde e
ambientais. Mas um novo estudo
excluiu as razões ambientais da equação: a carne produzida por cultivo
de células pode emitir de quatro até 25 vezes mais gases de carbono por
quilograma que aquela obtida do gado de corte.
O
resultado, obtido por pesquisadores da Universidade da Califórnia, é
surpreendente, pois a criação de animais é notória por exigir muitos
recursos naturais, como terra e água, e produzir altas emissões. A carne
cultivada em biorreatores utiliza menos espaço, menos antibióticos e
menos água. Mas o desempate e virada de custos na comparação com a
pecuária acontece por causa da necessidade de nutrientes específicos
para o crescimento das células em tecidos muscular, adiposo e conjuntivo
“artificiais”.
Fatores
de crescimento — moléculas que direcionam a proliferação dessas células
em cultura —, por exemplo, são extraídos de animais. Além disso,
enquanto uma vaca extrai açúcar da celulose do capim com ajuda de sua
flora intestinal e estômago com quatro câmaras, a cultura celular
precisa de açúcar extraído de lavouras, além de vitaminas e aminoácidos.
Todos esses insumos também precisam de gasto extra de energia para
serem purificados antes de administrados à cultura de células. Se alguma
parte do processo de purificação e nutrição das culturas for malfeita,
bactérias podem se aproveitar e consumir os insumos, contaminando e
competindo com a produção.
“Se
as empresas têm que purificar o meio de cultura a níveis farmacêuticos,
isso usa mais recursos, o que aumenta o potencial [de piorar] o
aquecimento global”, comentou Derrick Risner, líder do estudo que
trabalha no Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da
Universidade da Califórnia em Davis, em nota do site da universidade.
“Se esse produto continuar sendo feito usando uma abordagem
‘farmacêutica’, será pior para o meio-ambiente e mais caro que a
produção convencional de carne”.
A
pecuária abastece o mercado global de carnes principalmente com aves
(39%), suínos (32%) e bovinos (22%), em um mercado que atingiu 337,2
milhões de toneladas em 2020. A expectativa é que a demanda dobre até
2050, quando a humanidade atingirá seu nível populacional máximo de cerca de nove bilhões de indivíduos, antes de começar a encolher.
Uma questão de inovação
Edward
Spang, professor associado do departamento de Risner e coautor do
estudo, acredita que “é possível que possamos reduzir o impacto
ambiental” da carne cultivada no futuro, “mas isso vai exigir avanços
técnicos importantes para aumentar o desempenho e, ao mesmo tempo,
diminuir o custo dos meios de cultura de células”.
A
pecuária se apresenta como uma competidora formidável no campo da
tecnologia. Atualmente, cerca de 78% da massa de uma vaca criada para
corte é aproveitada: 38% na forma de carne, 33% em outros produtos, como
por exemplo o couro. Em todo o ciclo de produção, para cada quilo de
carne do anima, cerca de 60kg de CO2 (dióxido de carbono, mesmo gás que
soltamos ao expirar) são emitidos no ar. Em comparação, cada quilo de
carne cultivada gera a emissão a partir de 246 até 1.508kg de CO2.
Se
forem desenvolvidos métodos que dispensam a alta purificação dos
nutrientes, os autores estimam que a diferença no custo em emissão de
CO2 pode ser reduzida para 25%. Contudo, os autores explicam que estão
sendo otimistas na estimativa de quatro a 25 vezes mais emissões para a
carne cultivada, pois não levaram em conta os custos de perda de parte
do produto, armazenamento a frio, transporte e outros impactos
ambientais associados à chegada do produto até o consumidor final. Além
disso, eles presumiram 100% de aproveitamento dos aminoácidos (moléculas
que são blocos construtores das proteínas) em proteína, o que não é
realista. Outro problema é o das “endotoxinas”, substâncias produzidas
pelas próprias células, a depender dos insumos que consomem, que podem
levá-las ao suicídio celular.
Evidentemente
para quem acredita que é antiético criar e matar animais para comer, o
método da produção de carne via cultura de células continua imbatível
comparado com a pecuária tradicional, especialmente a intensiva.
Contudo, é importante lembrar que o meio de cultura utilizado vem do
soro sanguíneo de animais, que ainda não é possível produzir
completamente em laboratório.
Os
autores concluem que, antes que os biorreatores de produção de carne
cultivada sejam elevados à escala industrial, os problemas apresentados
devem ser resolvidos com a inovação, por exemplo substituindo a base de
soro animal por uma derivada de plantas, superando o problema das
endotoxinas e desenvolvendo linhagens celulares mais resilientes. No
momento, a “carne de laboratório” que existe é produzida com perda
econômica.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário