Sugestão de publicação
Clair Maria Hickmann – Presidente do Instituto Justiça Fiscal (IJF)
Paulo Gil Introíni – Vice-presidente do IJF
Neste
artigo, os autores detalham a importância de tributar os super-ricos
para promover justiça fiscal, social e climática. Taxar riquezas,
instituir o imposto sobre grandes fortunas e a incidência progressiva e
isonômica sobre lucros e dividendos distribuídos e sobre os rendimentos
de aplicações financeiras vultosas estão entre as prioridades para gerar
igualdade e desonerar os mais pobres.
O
sistema atual é regressivo, concentrador de renda e riqueza e agrava a
desigualdade, além de colocar em risco a democracia do país. Tributar os
que estão no topo da pirâmide é ético e legal. Os mais ricos e seus
representantes fazem tentativas permanentes para interditar este debate.
Indivíduos com rendas muito elevadas e grandes patrimônios pagam
alíquotas efetivas mais baixas de imposto que o contribuinte médio, numa
flagrante injustiça.
A
tributação das grandes fortunas e altas rendas é um tema que sempre
gera debates acalorados e as mais diversas reações. Nessas discussões,
surgem frequentemente comentários, mitos, equívocos que revelam
desconhecimento da real compreensão dos efeitos positivos que a cobrança
de impostos sobre essas bases econômicas geraria. Na verdade, é fácil
identificar de onde vêm as tentativas de interdição do debate: dos mais
ricos e seus representantes.
Limitamo-nos
a mencionar os cinco principais motivos pelos quais devemos taxar essas
riquezas, incluindo a instituição do imposto sobre grandes fortunas e a
incidência progressiva e isonômica sobre lucros e dividendos
distribuídos e sobre os rendimentos de aplicações financeiras vultosas.
1. Cuidar do povo
Cuidar
do povo para termos uma sociedade mais justa é uma tarefa gigantesca e
fundamental. O primeiro passo é superar a insuficiência de recursos
públicos. Atender as necessidades básicas da população como saúde,
educação, saneamento, moradia, segurança, infraestrutura e reduzir as
desigualdades sociais é uma obrigação constitucional dos governos, além
de ser uma questão ética e de princípios de justiça.
Para
cuidar bem do povo são necessários recursos em volume substancial, como
se verifica nas experiências dos países que conseguiram estabelecer um
Estado de bem-estar social.Os países mais bem sucedidos combinaram
adequadamente uma tributação fortemente progressiva com gastos públicos
bem orientados.
Nesse
sentido, se queremos realizar esses objetivos no Brasil, é urgente a
instituição de um imposto progressivo sobre as grandes fortunas e uma
tributação efetivamente progressiva sobre os lucros e dividendos
distribuídos, como também, sobre os rendimentos de aplicações
financeiras.
2. Gerar emprego e renda
O
período de maior florescimento econômico na Europa e nos Estados
Unidos, nos chamados anos de ouro do capitalismo, foi exatamente a época
de maior tributação sobre a renda e riqueza, quando as alíquotas
superiores do IR superaram o patamar de 90%, como se constata pelos
exemplos do Reino Unido e EUA. Vários outros países praticaram alíquotas
máximas do IR elevadas. Sua motivação central era a preocupação com a
desigualdade.
A
tributação progressiva da renda e riqueza é um instrumento eficaz para
enfrentar a desigual distribuição de renda e do patrimônio.
A
experiência histórica nos mostra que o Estado pode exercer uma
influência orientadora sobre a propensão marginal a consumir,
estimulando a geração de emprego e renda. E, pode fazê-lo,
principalmente, por meio da fixação da taxa de juros e do seu sistema de
tributação.
De
outro modo, a não taxação das altas rendas e fortunas aumenta a
poupança dos super-ricos que opera na contramão do crescimento da
riqueza coletiva, ao contrário do que dizem os liberais. Ao retirar
recursos para o financiamento das políticas públicas dos extratos de
maior renda da sociedade e desonerar os mais pobres, a tributação
progressiva não apenas eleva a propensão marginal de consumo, como
melhora o nível de bem-estar social. O Estado também passa a ter mais
recursos para o investimento público, o principal indutor do
desenvolvimento.
Portanto,
ao lado de reduzir a carga tributária sobre a grande massa de
trabalhadores, tributar os lucros e dividendos distribuídos são
incentivos eficazes para o crescimento da economia real. A tributação
desses rendimentos recebidos pelas pessoas físicas pode reduzir
significativamente a distribuição dos resultados, com a consequente
destinação do recurso para reinvestimento.
3. Redistribuir a renda e a riqueza
A
redistribuição da carga tributária,observando a capacidade
contributiva, constitui um poderoso instrumento para a desconcentração
de renda e riqueza com efeitos sobre a redução das desigualdades
sociais.
O
atual sistema tributário brasileiro, no entanto, é muito regressivo. É
importante assinalar que a concentração de renda e riqueza leva à
concentração de poder, que agrava a desigualdade social, além de colocar
em risco a democracia do país.
Tributar
mais a renda e a riqueza e reduzir os impostos sobre o consumo é o
caminho para a construção de um sistema tributário progressivo e para o
desenvolvimento nacional.
Os
super-ricos não podem se abster de dar a sua contribuição. Hoje, os
mais ricos não pagam imposto equivalente à sua renda e riqueza. É
exatamente isso que precisamos mudar. Temos que redistribuir o peso dos
impostos, diminuindo o fardo daqueles que carregam o piano.
Tributar
os que estão no topo da pirâmide da distribuição de riqueza é
justificável sob uma perspectiva social, ética e legal. Um estudo
recente da Tax Justice Network[1] conclui
que, embora, em média, metade (50%) da população dos países estudados
possuam apenas 3% da riqueza total, os 0,5% mais ricos detiveram 25,7%
da riqueza total e aumentaram as suas fortunas (ajustadas à inflação)
2,7 vezes nos últimos 25 anos. Esta evolução pode ser parcialmente
explicada pelo fato de o retorno realizado sobre a riqueza ser
consideravelmente mais elevado para aqueles que se encontram no extremo
superior da distribuição, os super-ricos.
Outro
dado citado no estudo mostra que, passando do 10º ao percentil 90 da
distribuição da riqueza líquida, o retorno da riqueza aumenta em 18
pontos percentuais. Em outras palavras: riqueza gera mais riqueza, mas
principalmente para os indivíduos mais ricos. Como a riqueza está mais
concentrada do que o rendimento e o consumo, um imposto sobre a riqueza
apenas sobre os 0,5% mais ricos pode gerar uma grande quantia, ao mesmo
tempo que mantém a riqueza dos 99,5% intocada.
4. Acabar com os privilégios dos super-ricos
Atualmente,
os indivíduos com rendas muito elevadas e grandes patrimônios pagam
alíquotas efetivas mais baixas de imposto sobre seus rendimentos que o
contribuinte médio, uma vez que parte significativa destes provém de
lucros e dividendos distribuídos, isentos, e ganhos de capital cuja
tributação conseguem evitar por meio de complexos planejamentos a partir
dos sistemas fiscais globais.
Não
há justificativa para que os rendimentos do capital sejam menos
tributados que os rendimentos do trabalho. Também, nada justifica que os
rendimentos do capital não sejam submetidos à progressividade. Esse
tratamento desigual fere os princípios da isonomia e da capacidade
contributiva, previstos na Constituição brasileira. Quando a sociedade
percebe a injustiça e os privilégios dos super-ricos, o sistema
tributário perde legitimidade.
Portanto,
a tributação da renda e riqueza deve ser progressiva e incidir sobre
todas as pessoas e todos os rendimentos, alcançando, especialmente, a
extremidade superior do espectro de riqueza.
5. Financiar o desenvolvimento nacional e a transformação socioecológica
Do
ponto de vista econômico socioambiental, também são necessários enormes
investimentos para financiar a transformação rumo a uma economia que
conviva harmonicamente com a natureza.
O mencionado estudo da Tax Justice Network afirma que “as
despesas necessárias devido às alterações climáticas induzidas pelo
homem constituem outro argumento moral para um imposto progressivo sobre
a riqueza: os cidadãos mais ricos têm mais responsabilidade pelas
emissões de carbono, tanto devido ao seu consumo mais excessivo como
também quanto aos seus hábitos de investimento.
Um
estudo recente da Oxfam (2022), por exemplo, mostra que os
investimentos de 125 dos bilionários mais ricos do mundo levam a
emissões de carbono de três milhões de toneladas por ano”.
Os
recentes acontecimentos climáticos extremos no Brasil mostram que não
podemos mais esperar e adiar ações efetivas nessa área. A natureza não
espera. Esse problema atinge a todos, pobres e ricos. As pessoas com
grandes fortunas precisam dar sua contribuição.
Fotos: Agência Brasil
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