BLOG ORLANDO TAMBOSI
Lula está colocando pressão sobre Campos Neto agora porque precisa criar um bode expiatório caso tudo dê errado. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
A
cruzada de Lula contra a política de juros do Banco Central (BC), para
surpresa de nenhum analista financeiro, provocou uma rebordosa entre
investidores, políticos liberais e economistas ortodoxos, com o efeito
óbvio de fazer subir as taxas de juros efetivamente praticadas pelo
mercado. O efeito imediato, portanto, foi o oposto daquele pretendido
pelo presidente, que era o de reduzir os juros. Acontece que Lula está
mirando mais à frente.
Os
ataques de Lula à taxa Selic de 13,75% ao ano, à independência do Banco
Central e até ao presidente da instituição, Roberto Campos Neto, que
tem mandato até 2024 e que portanto terá de ser aturado, ao menos em
tese, pelo governo PT por mais dois anos, têm dois objetivos
primordiais: um de natureza econômica, e outro, política.
O
objetivo de natureza econômica é o que é dito claramente. Lula tem
pressa para reaquecer a economia e trazer efeitos sociais rápidos, com a
criação de empregos e o aumento da renda da população. Não adianta
repetir como um mantra para os petistas que reduzir os juros agora,
quando ainda existe um cenário interno e externo incerto de pressão
inflacionária, pode levar à perda de controle na variação dos preços de
bens e serviços para a população, penalizando justamente os brasileiros
mais pobres. "Olhem para a Argentina, com quase 100% de inflação ao ano,
e lembrem-se como esse caminho é desastroso!", dizemos nós, os
cautelosos.
Não
adianta dizer isso porque Lula e aqueles que o aconselham a reduzir os
juros sabem que inflação alta e descontrolada desmancha qualquer ganho
que se possa ter com o crescimento econômico. Mas eles realmente
acreditam que uma inflação um pouco mais alta não vai fazer tão mal
assim, que o patamar atual da meta do Banco Central não é realista para
países emergentes e que há, sim, margem para reduzir os juros.
Existem
economistas sérios, forjado no aço da ortodoxia liberal, que concordam
com a afirmação de que o atual centro da meta de inflação, de 3,25%, é
muito otimista para a nossa realidade. É o caso de Sergio Werlang, que
foi diretor do BC na gestão de Armínio Fraga, no governo Fernando
Henrique Cardoso, e justamente o responsável por implementar o regime de
metas de inflação. Em entrevista ao Brazil Journal, na semana passada,
porém, Werlang deixou claro que só faz sentido elevar a meta de inflação
depois que o governo apresentar e colocar para funcionar as novas
regras de ajuste fiscal.
Ou
seja, primeiro o governo precisa provar seu compromisso com a
responsabilidade fiscal, de que não vai gastar mais do que arrecada. Só
depois pode-se pensar em mudar as metas de inflação, com reflexo direto
na taxa básica de juros.
Ao
escolher a ordem inversa, primeiro pressionando para reduzir os juros,
Lula está colocando a carroça na frente dos bois? Sim, mas há um motivo
para isso: a política.
Lula
está colocando pressão sobre Campos Neto agora, antes mesmo de definir e
apresentar, finalmente, a política macroeconômica de seu governo,
porque precisa criar um bode expiatório caso tudo dê errado. Campos Neto
pode ser a pessoa perfeita para expiar as culpas econômicas de Lula 3
por dois motivos: primeiro, porque foi indicado para o comando do BC
pelo seu Nêmesis, Jair Bolsonaro, e segundo porque ele tem estabilidade
no cargo e é muito difícil demiti-lo.
“Quero
saber do que serviu a independência [do BC]. Eu vou esperar esse
cidadão [Campos Neto] terminar o mandato dele pra gente fazer uma
avaliação do que significou o Banco Central independente”, disse Lula.
"Esse
cidadão". Observe o desprezo com que Lula se refere a Campos Neto. O
objetivo é apresentar Campos Neto como alguém leal a Bolsonaro, um corpo
estranho em um governo petista que está no BC, a cargo da política
monetária, para sabotar o "sucesso" da nova gestão.
Claro
que isso não é verdade. Campos Neto não define a Selic sozinho e existe
uma meta concreta para alcançar. O que, sim, pode estar existindo é uma
dificuldade de Campos Neto e de Fernando Haddad, ministro da Fazenda,
de construir uma relação de confiança. O primeiro convencendo o segundo
de que não há propósitos políticos na atuação do BC, e o segundo
convencendo o primeiro de que o compromisso do novo governo com um
ajuste fiscal é pra valer.
O
segundo aspecto da jogada política de Lula em pressionar o BC a reduzir
os juros é que, eventualmente, isso pode de fato acontecer por razões
puramente técnicas. O economista Persio Arida, que participou da equipe
transição mas não integra o governo, acredita que se aproxima o momento
em que o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC vai iniciar um
movimento de redução gradual dos juros pelo simples fato de que a
economia brasileira está dando sinais de desaceleração.
Se
isso acontecer, e o BC de fato reduzir os juros no curto ou médio
prazo, Lula vai cantar vitória e dizer que venceu a queda de braço com o
indicado de Bolsonaro — e se a economia continuar se deteriorando, vai
afirmar que as reduções não foram suficientes e que a culpa é do BC
independente.
De um jeito ou de outro, politicamente, ele sai ganhando na guerra de narrativas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário