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Ao invés de rever sua posição original sobre o artigo 142, Gandra Martins a reafirmou, mesmo sob um contexto em que o presidente da República questionava o processo eleitoral. Guilherme Macalossi para a Gazeta do Povo:
Em
seu mais recente artigo publicado na sessão Tendências/Debates, do
jornal Folha de São Paulo, Ives Gandra Martins propõe uma “reflexão
desapaixonada e não ideológica” dos atos do dia 8 de janeiro em Brasília.
Para ele, tudo não passou de uma ação “transloucada” e de um “gesto
lamentável que nada beneficia a democracia”. Gandra Martins chama de
lamentável o que na verdade é criminoso. Ele faz a escolha das palavras
mais lhanas para tratar o ato antidemocrático de maneira a lhe tirar
qualquer gravidade superior, inclusive rejeitando que tenha se tratado
de uma tentativa de golpe.
Segundo
o jurista, um “golpe de Estado se dá com armas”, e como os responsáveis
pelos ataques estavam “desarmados”, então não há como descrever o que
se passou de tal maneira. É uma simplificação grosseira que ignora o
objetivo do grupo. A súcia que vandalizou a sede dos Três Poderes queria
o caos de maneira a legitimar uma ação direta das Forças Armadas para
repor a lei e a ordem. Eles seriam, portanto, o pretexto para o que
chamam de “intervenção constitucional”, ato esse que se daria ao arrepio
de qualquer parâmetro legal existente. E isso, com ou sem armas, numa
analise desapaixonada, é golpismo.
O
artigo de Gandra Martins é eivado daquela falsa modéstia típica de quem
observa a discussão com menoscabo, como se o autor do texto fosse a
fonte única de ponderação e equilíbrio. Mas ele não é. Até porque,
trata-se do grande entusiasta da tese jurídica de que os militares
seriam o ente moderador dos Três Poderes, e que a eles caberia a palavra
final na República.
Quem
poderá negar que a totalidade dos acampados na frente dos quartéis e o
grupo que atacou o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional e o
Palácio do Planalto desejavam a aplicação do Artigo 142 da Constituição
como teorizado por Gandra Martins?
Ainda
que ele possa negar que o dispositivo pudesse ser aplicado da forma
como gostariam os agentes do caos do dia 8 de janeiro, o fato é que
ideias têm consequências. E as suas – e aqui não disfarço a melancolia e
decepção ao constatar –, deram fundamentação intelectual, ainda que
eventualmente distorcidas, para uma ação que tinha como alvo a
democracia em si. Mesmo a tal minuta encontrada na casa de Anderson
Torres propondo um Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior
Eleitoral reservava às Forças Armadas o papel de usurpar as competências
da corte e estabelecer ações arbitrárias violando o Estado de Direito
de uma forma que apenas os Atos Institucionais da ditadura conseguiram.
Ao
invés de rever sua posição original sobre o artigo 142, Gandra Martins a
reafirmou, mesmo sob um contexto em que o presidente da República
questionava o processo eleitoral, o governo aumentava a presença de
militares na estrutura de poder e ameaças eram feitas a ministros do
STF.
Alertei aqui na Gazeta do Povo, ainda em 2020,
que “na atual condição do Brasil, que vê seu tecido social, político e
institucional se decompondo em velocidade acelerada, a tese de Gandra
Martins vale como parecer para a tomada de uma medida que poderia
facilmente descambar para a exceção”. Intelectuais precisam de
responsabilidade. E, diante do que se viu no 8 de janeiro, o mínimo que o
bom doutor deveria fazer era um exame de consciência sobre como sua
interpretação da lei ajudou a insuflar os bárbaros.
Postado há 3 days ago por Orlando Tambosi
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