Coluna de Sergio Moro para a revista Crusoé:
Meu plano era explicar ao leitor da Crusoé os motivos pelos quais decidi ingressar na política.
Resolvi
escrever, porém, sobre a Proposta de Emenda Constitucional 23/2021,
recentemente aprovada na Câmara dos Deputados e atualmente em trâmite no
Senado. O assunto é mais urgente. Ela é conhecida como a PEC dos
Precatórios, embora vulgarmente seja chamada de PEC do Calote ou
Fura-Teto. Embora as consequências de sua aprovação ainda estejam sendo
calculadas, não estaremos errados se a chamarmos de PEC da Recessão ou,
no mínimo, da estagnação econômica.
Aumentar,
como pretende a proposta, o Bolsa Família, cuja denominação foi
alterada para Auxílio Brasil, como havia feito também o governo do PT em
relação ao anterior Bolsa-Escola, é medida justificável, diante das
dificuldades geradas pela situação econômica ruim do país e pelo
agravamento da pobreza. Mas os programas de transferência de renda estão
sendo utilizados como uma espécie de cavalo de Troia para furar o teto
de gastos e com claros propósitos eleitoreiros.
Não
podemos fechar os olhos para as consequências. Serão elas a perda da
credibilidade fiscal, a depreciação maior do real, a elevação da
inflação, o aumento da taxa de juros, a queda do investimento, do
crescimento econômico e do emprego, nessa ordem.
Desde
o segundo mandato do presidente Fernando Henrique, a estabilidade
econômica, condição necessária para a prosperidade, fundava-se em um
tripé: regime de metas de inflação, câmbio flutuante e superávit
primário. O governo do PT manteve inicialmente essa política, mas
paulatinamente a substituiu pela “nova matriz econômica”, aumentando os
gastos públicos e ampliando subsídios fiscais, o que gerou a elevação da
dívida pública, a perda do grau de investimento e a recessão iniciada
no final de 2014 que perdurou até o final de 2016.
Já
no governo Temer, a criação do teto de gastos foi uma das medidas
adotadas para recuperar a credibilidade fiscal. Isso gerou a redução do
Risco Brasil e a valorização do real. A restauração da confiança
permitiu que o Banco Central iniciasse a redução da taxa de juros,
passando do ápice de 14,15% ao ano, em agosto de 2016, para 6,40%, em
dezembro de 2018, ainda antes do governo Bolsonaro.
Apesar
da aprovação da reforma da Previdência, em 2019, o governo Bolsonaro
abandonou a disciplina fiscal durante a pandemia para, justificadamente,
atender uma emergência sanitária, mas – mesmo com o aumento da
vacinação e a queda dos óbitos e internações – não retomou o cuidado com
as contas públicas e não dá sinais de que pretenda fazê-lo em algum
momento. O último ato da tragédia consistiu na apresentação da PEC da
Recessão, que representa, na prática, o fim do teto de gastos.
Se
o objetivo da PEC fosse apenas viabilizar o pagamento de programas de
transferência de renda, seria possível fazê-lo com melhor alocação de
recursos orçamentários ou corte de despesas e, de nenhuma forma, se
justificaria agregar novos gastos com a ampliação do fundo eleitoral
para 5 bilhões e garantir mais 16 bilhões de reais para as obscuras
emendas parlamentares do relator. Como consequência, o Banco Central foi
obrigado a elevar a taxa de juros para 7,75% ao ano, com o prognóstico
de novas elevações. O incremento da taxa de juros significa, na melhor
hipótese, a diminuição do crescimento em 2021 e 2022 e, na pior, a
recessão, com impacto nos empregos e no bem-estar geral. Também
significa o aumento dos encargos da dívida pública e maiores
dificuldades para a estabilização da relação dívida/PIB.
Para
evitar tão graves consequências, é necessário alterar a PEC da Recessão
ou substituí-la por medidas que permitam a elevação dos valores pagos
nos programas de transferência de renda sem arrebentar com o teto de
gastos. Do contrário, o governo dará com uma mão, usualmente
ineficiente, pois fazer os benefícios chegarem a todos os necessitados é
sempre um desafio, e retirará com outra, muito mais implacável, com o
aumento da inflação e dos juros, o que afetará a todos, mas
especialmente a população mais pobre.
Uma alternativa consiste na aprovação da PEC 41/2021, apresentada na semana passada pelo senador Oriovisto Guimarães,
do Podemos, que estabelece recursos orçamentários para o financiamento
do programa Auxílio Brasil com respeito ao teto de gastos. A proposta
mantém o resultado primário necessário para a manutenção da
credibilidade fiscal.
Surpreendentemente,
o mercado não reagiu tão drasticamente à aprovação da PEC da Recessão
pela Câmara, aparentemente com a crença de que é melhor um fim horroroso
do que um horror sem fim, o que seria o caso de uma tramitação
prolongada da emenda no Parlamento.
Sinceramente,
entendo que o mercado age como o personagem Pangloss, de Cândido, ao
crer que a aprovação da PEC é o melhor dos mundos possíveis. Não é. A
PEC revela que a responsabilidade fiscal não é mais um objetivo do
governo. Já estamos pagando e ainda pagaremos um preço caro por isso. O
dragão da inflação é o maior inimigo do crescimento econômico e dos mais
pobres. O horror sem fim talvez tenha apenas começado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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