O retrato atualizado do Brasil, em contraste com as realidades paralelas do lulismo e do bolsonarismo, já está feito. Só o "profundo indiferentismo" pode levar o povo a compactuar com a volta ou a permanência das vergonhas da nação. Felipe Moura Brasil para o UOL:
Paulo
Prado, em seu Retrato do Brasil, de 1928, escreveu que "os homens, de
incapazes, tornaram-se desonestos e, pela cumplicidade dos
apaniguamentos eleitorais, aceitaram com pequena relutância o consórcio
[no sentido de associação] das funções administrativas com os interesses
mercantis". "A fragilidade humana fez o resto, que é a vergonha da
nação. Na desordem da incompetência, do peculato, da tirania, da cobiça,
perderam-se as normas mais comezinhas na direção dos negócios
públicos."
Para
o ensaísta, "o Brasil, de fato, não progride: vive e cresce, como
cresce e vive uma criança doente, no lento desenvolvimento de um corpo
mal organizado". Ele se referia à permanência dos vícios, das mazelas e
da precariedade da formação social do país, assolado pelo fardo
histórico do "sono colonial", mesmo após sua independência. "Sobre este
corpo anêmico, atrofiado, balofo, tripudiam os políticos", observou.
Sobrinho
de Eduardo Prado, Paulo apontou o "profundo indiferentismo" do nosso
povo, "feito de preguiça física, de faquirismo, de submissão resignada
diante da fatalidade das cousas". "Explorações esporádicas de reação e
entusiasmo apenas servem para acentuar a apatia cotidiana", sentenciou.
"É o grande rebanho que passa, pastando, de que falava Nietzsche. De vez
em quando surge uma individualidade, ou nascente ou já sacrificada pela
incomensurável maioria: os nomes dessas exceções, de raros, acodem logo
ao bico da pena, mas, de fato e desde muito, estão desaparecendo
rapidamente os que possuíam, na expressão dos historiadores românticos,
'o magnetismo da personalidade'."
Sergio Moro,
na cerimônia de sua filiação ao Podemos, retratou esse mesmo Brasil 93
anos depois, onde "criminosos poderosos estão escapando impunes de seus
crimes", "como se a Petrobras não tivesse sido saqueada" em meio ao
consórcio das funções administrativas com os interesses mercantis.
"Quando vai chegar o futuro do país do futuro?", questionou o ex-juiz,
aludindo à célebre frase do autor austríaco Stefan Zweig, que fugiu do
nazismo e se refugiou em Petrópolis, na região serrana do Rio de
Janeiro.
"Mesmo
quando se quer uma coisa boa, como esse aumento do Auxílio-Brasil ou do
Bolsa-Família, que são importantes para combater a pobreza, vem alguma
coisa ruim junto, como o calote de dívidas, o furo no teto de gastos e o
aumento de recursos para outras coisas que não são prioridades",
lamentou Moro, referindo-se à PEC (do Calote) dos Precatórios, aprovada
em segundo turno pela Câmara na véspera, para liberar recursos, também,
para o fundão eleitoral e as emendas de relator. Essas emendas foram
suspensas por uma liminar da ministra Rosa Weber, mantida em plenário
virtual do STF
por 8 votos a 2 (de Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques, claro) até
análise do mérito; mas Arthur Lira já articula seu remanejamento dentro
do Orçamento, com uma ou outra concessão em transparência para garantir a
complacência do Supremo.
"E
aí o governo gasta mais do que pode e lá vem mais inflação e mais
juros. E assim o país não cresce e não se vê emprego", relacionou Moro,
sempre sugerindo que a velha política tripudia sobre o Estado balofo e o
povo anêmico. "E, com tudo isso, as pessoas passam a acreditar que não
há governo, que não há futuro, que estamos sozinhos e que tudo é
inútil", observou o ex-juiz, mostrando como o Brasil não progride e os
brasileiros acabam recaindo na submissão resignada diante da fatalidade
das cousas.
"Todo
mundo também sabe que quem desvia dinheiro público tem que ser punido e
não premiado. Todo mundo sabe que o dinheiro desviado é o hospital e a
escola sucateadas. O problema é que não conseguimos fazer o que sabemos
que precisamos fazer, porque as estruturas do poder foram capturadas.
Elas passaram a servir a si mesmas e já não servem ao povo", apontou
Moro, descrevendo a direção contemporânea dos negócios públicos, com a
desordem da incompetência, do peculato, da tirania, da cobiça.
"Parte
disso é corrupção, como a que vimos e nos assustou na Lava Jato. Mas
outra parte é a degeneração maior da vida política: a busca do interesse
público foi substituída pela busca egoísta dos interesses próprios e
dos interesses pessoais e partidários. É a máquina pública voltada para
si mesma. Isso explica por que o Brasil continua sem futuro, com o povo
brasileiro sem justiça, sem emprego e sem comida."
A
despeito das celeumas acadêmicas sobre a precisão das causas
históricas, os males nacionais descritos por Paulo Prado (como o atraso
econômico, o desperdício, a corrupção, o egoísmo de elites empresariais e
políticas, consolidado em apaniguamentos eleitorais) continuam intactos
no Brasil atual, retratado por Moro sem a "infecção romântica" que o
ensaísta criticava também nos discursos políticos; ou seja, de modo
simples e direto, sem "o divórcio entre a realidade e o artifício".
(Tanto que o ex-juiz arrematou: "Chega de mensalão, chega de petrolão,
chega de rachadinha. Chega de orçamento secreto. Chega de querer levar
vantagem em tudo e enganar a população.")
Como
soluções, porém, Prado pregava a necessidade de guerra ou revolução,
alegando que "para tão grandes males parecem esgotadas as medicações da
terapêutica corrente: é necessário recorrer à cirurgia." Já Moro,
colocando-se à disposição do partido para a candidatura à presidência da
República, apresentou "um projeto de reconstrução de todos os sonhos
perdidos". "Não é só um projeto para reconstruir o combate à corrupção.
Isso faz parte dele, mas ele vai muito além." E falou de suas ideias
para economia, educação, saúde, segurança pública, meio ambiente e
outras áreas, pregando a paz entre os brasileiros. "Nossas únicas armas
serão a verdade, a ciência e a justiça."
Até
meados de 2022, o eleitorado deverá apontar, por meio das pesquisas
eleitorais, quem é o candidato mais forte da via alternativa ao
populismo de Lula e Jair Bolsonaro
para se manter no páreo e usar o magnetismo de sua personalidade para
tirar do segundo turno ao menos um deles, sendo o atual presidente, no
momento, o mais suscetível à ultrapassagem. Mas o retrato atualizado do
Brasil, em contraste com as realidades paralelas do lulismo e do
bolsonarismo, já está feito. Só o "profundo indiferentismo" pode levar o
povo a compactuar com a volta ou a permanência das vergonhas da nação.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário