Frases como “o capitalismo não é verde” e “socialismo por um planeta limpo” não correspondem à realidade. Transpor o tema das alterações climáticas para o campo ideológico é das atitudes mais nocivas. Ricardo de Oliveira Ai-Ai pra o Observador:
Na
esteira da COP26, decorrida em Glasgow, pudemos testemunhar mais uma
previsível onda de protestos em defesa da consciencialização para o
perigo das alterações climáticas, o que é sempre auspicioso. O tema,
pela sua importância, não é favorável a nenhum tipo de embandeiramento
em nenhuma espécie de negacionismo bacoco face a uma problemática que
está mais que provada e legitimada pela comunidade científica
internacional.
As
alterações climáticas são, neste momento da nossa história, a maior
ameaça global que todos temos pela frente. Não só por ser uma ameaça ao
desaparecimento de países inteiros, não só por ser responsável por, em
poucas décadas, determinadas regiões do planeta se tornarem inabitáveis
por via do calor extremo, o que dará origem a migrações em massa, que
ofuscarão fácilmente as recentes migrações que observamos vindas do
norte de África e do Médio Oriente. A fenómenos naturais como secas
extremas e prolongadas, aluviões súbitos, incêndios devastadores,
tornados destrutivos, furacões como não há memória, entre outros eventos
climáticos que resultarão em números ainda mais elevados de morte e
destruição, até em regiões onde não há registos deste género de
desastres naturais, não mencionando o elevado risco do aparecimento de
novos cenários de guerra onde esta se julgava improváveis, motivadas por
novas disputas geopolíticas surgidas em resultado do clima, seja por
água, seja por terras férteis, seja por outros recursos naturais. Este é
o panorama, este é o inimigo maior que a humanidade enfrenta neste
exacto momento histórico da sua existência.
Perante
isto começa a surgir uma ameaça tão sinistra como as próprias
alterações climáticas, nada mais do que a politização ideológica do
ecologismo.
Começa
a ser cada vez mais comum observar, nestas manifestações, a infiltração
de uma nociva retórica anti-capitalista, injectada pelos priorados da
esquerda identitária radical que, nefasta e matreiramente, se aproveita
de uma causa comum séria para a transformar numa questão de ideologia,
como que um problema gerado por parte de uma elite que veste fraque, usa
cartola e fuma charutos, como o boneco do monopólio, enquanto estão
numa mesa redonda no alto de um arranha céus a conspirar contra o bem
estar de todos nós. Não bastava que tal ideia fosse uma completa falta
de noção da realidade, é também um dos gestos mais perniciosos contra a
própria causa das alterações climáticas.
Gritar
frases como “o capitalismo não é verde” ou “socialismo por um planeta
limpo”, atribuindo ao capitalismo e à economia de mercado as
responsabilidades de estarem na origem do colapso climático, não
corresponde à realidade quer do ponto de vista factual, quer do ponto de
vista objectivo.
Do
ponto de vista factual não há anjos nem demónios. Enquanto existiram
países socialistas alinhados com o modelo de sociedade do antigo bloco
de leste, todos esses países eram possuidores de um imponente aparato
industrial altamente poluidor com a sua indústria pesada. Nações
capitalistas e nações socialistas andaram de mãos dadas e dedos
entrelaçados com as acções que motivaram as consequências climáticas que
vivemos hoje.
Do
ponto de vista objectivo, as responsabilidades devem sim ser imputadas
aos sistemas produtivistas desenfreados postos em marcha desde o apogeu
da revolução industrial em meados do século XIX, que nunca consideraram o
impacto ambiental do progresso tecnológico, nem tal seria possível,
visto que os efeitos nefastos do industrialismo produtivista só se
começaram a manifestar preocupantemente na segunda metade do século XX.
Não é justo exigir a ninguém no século dezanove que atinja esse nível de
consciência, num prisma onde o perigo não é sequer observável. Todos os
países do mundo, independentemente do seu modelo de sociedade,
capitalista ou socialista, foram e são responsáveis pela situação.
Devo
acrescentar ainda que são precisamente os ditos países capitalistas que
mais levantam a consciencialização para o ecologismo climático.
Poderiam fazer muito mais, sim, estaremos de acordo neste ponto, porém,
são os membros da União Europeia, Estados Unidos (exceptuando durante a
administração Trump), Canadá, Austrália, Nova Zelândia, entre outros,
que mais empenhados se encontram nesta matéria.
Transportar
o tema das alterações climáticas para o campo ideológico é das coisas
mais perniciosas e nocivas que se podem fazer pela causa climática. Esse
entrincheiramento de atribuição falsa de culpas ao modelo capitalista
transformará a causa climática numa causa decepada e esventrada, que
acabará por fracassar, pecando por escassa. Esse entrincheiramento
ideológico incoerente e irresponsável atirará o debate da causa
climática para segundo plano, enquanto que em primeiro plano o debate
ideológico se encarregará de ocupar o lugar de destaque. E quando o
palco mediático estiver repleto de discussões que envolvam a narrativa
nociva do “quem tem a culpa do quê”, o debate sobre as verdadeiras
soluções deixar-se-á absorver totalmente, caindo na irrelevância,
transformando toda a situação num total desperdício da derradeira
oportunidade de ser tomada alguma acção relevante pelo bem estar de
todos.
A bem da causa climática, urge recentrar o debate onde ele deve ser colocado, nas soluções imediatas. O planeta agradecerá.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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