Segundo pesquisas recentes, número expressivo de brasileiros não deseja mais quatro anos de bolsonarismo, nem tampouco o retorno do lulopetismo. O Brasil precisa de um candidato reformista de centro, com capacidade de coordenação e comunicação, honesto, experiente. Artigo do ex-ministro Pedro Malan para o Estadão:
A
emenda constitucional aprovada pela Câmara dos Deputados tem como
objetivo “abrir espaço” no teto para maiores gastos. O calote parcial
dos precatórios e as mudanças casuísticas nos indexadores de gastos
(para se beneficiar da maior inflação) abriram espaço superior a R$ 90
bilhões no antigo teto. É útil colocar em perspectiva essa iniciativa
momentosa, que teve evidente apoio do Poder Executivo.
Em
entrevista dada em novembro de 2014, logo após sua reeleição, Dilma
Rousseff afirmou: “Ao longo do governo, você descobre que várias coisas
estão desajustadas. Várias contas que podem ser reduzidas, (...) o que
vamos tentar é um processo de ajuste em todas as contas do governo,
vamos revisitar cada uma e olhar com lupa o que dá para reduzir, o que
dá para tirar”. Surpreendente declaração para alguém que naquele momento
já vinha de cinco anos à frente da Casa Civil e quase quatro anos como
presidente da República, apresentada que fora como a melhor gerente de
que o País dispunha. Haviam se passado nove longos anos desde que,
ministra-chefe da Casa Civil, havia tachado de rudimentar o embrião de
proposta então em discussão na área econômica, de reduzir a velocidade
de crescimento dos gastos primários do governo; e acrescentado seu
famoso “gasto é vida”.
Em
junho de 2013, em resposta às históricas manifestações de rua, a
presidente havia proposto cinco pactos. O primeiro dizia respeito à
Responsabilidade Fiscal: “Controle de gastos para garantir a
estabilidade da economia e conter a inflação. Este é um pacto perene
para todos nós”, declarou Dilma. Os demais referiam-se à reforma
política, saúde, educação e transporte público. Todos foram esquecidos à
medida que a campanha eleitoral pela reeleição avançava e tudo
dominava.
Exatamente
como agora. Não é convincente o argumento de que o espaço criado pela
PEC dos Precatórios será destinado fundamentalmente a um Bolsa Família
rebatizado e a um rendimento mínimo (auxílio emergencial) de R$ 400 para
outros vulneráveis além dos beneficiários do antigo Bolsa Família. O
presidente já anunciou um auxílio específico de pelo menos R$ 400 para
cerca de 750 mil caminhoneiros. E é forte a demanda por aumentos
significativos nos fundos eleitoral e partidário e nas emendas do
relator.
Lançou-se,
não resta dúvida, elemento adicional de incerteza sobre a
sustentabilidade da situação fiscal no País, acentuada pela pressão
estrutural, que comento há tempos neste espaço, por aumento de gastos
públicos – demandas que excedem em muito a capacidade do governo de
atendê-las. Grandes democracias de massas urbanas não são naturalmente
propensas a tomar decisões cujos benefícios são difusos e de longo
prazo; e que imponham custos, no curto prazo, a grupos de interesses
articulados e vocais. Que isso por vezes aconteça deve-se a lideranças
esclarecidas, dotadas de base de apoio e forte capacidade de
convencimento, e/ou à existência de parcela expressiva da opinião
pública que compreenda os custos envolvidos na procrastinação de
decisões inafastáveis. Ambas, condições difíceis de alcançar, devem ser
construídas.
Parte
do País terá que se dedicar a essa construção ao longo dos próximos 12
meses. Dado o descalabro dos últimos anos, as eleições de outubro de
2022 serão das mais importantes de nossa história. Não me refiro apenas à
economia. A busca pela estabilidade e previsibilidade no âmbito da
economia é condição necessária para que o País possa enfrentar graves
problemas nas áreas de educação, saúde pública, segurança, meio
ambiente, ciência, cultura, corrupção, miséria e extrema desigualdade de
oportunidades, que está na raiz da nossa flagrante desigualdade
econômica e social.
Toda
sociedade tende a produzir hierarquias e desigualdades. As
social-democracias liberais progressistas consolidaram-se exatamente
para responder a demandas sociais e deter a concentração excessiva de
poder político e econômico – que pode levar à emergência de autocracias,
oligarquias e tiranias variadas. Como escreveu José Guilherme Melchior
no seu prefácio aos Estudos políticos de Raimond Aron, “apenas o Estado
constitucional do tipo ocidental reconhece o pluralismo dos grupos
sociais, o consagra em sua legislação e o garante através de seus
tribunais”. Não é coisa pouca, num mundo em que o número de jovens
democracias que se transformam em tiranias é muito superior ao de
tiranias que se transformam em democracias.
O
Brasil não pode abandonar sua busca por um republicano Estado
Democrático de Direito. Segundo pesquisas recentes, número expressivo de
brasileiros não deseja mais quatro anos de bolsonarismo, nem tampouco o
retorno do lulopetismo. O Brasil precisa de um candidato reformista de
centro, com capacidade de coordenação e comunicação, honesto,
experiente. Que conheça a real situação das contas públicas, a tragédia
da educação, os dramas da corrupção e da violência urbana. Que se cerque
de pessoas experientes, tecnicamente competentes, dotadas de capacidade
de execução. É tarefa exequível, o Brasil tem gente competente em todas
essas áreas. Falta mobilizá-las.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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