Mais do que regular o que já está regulado, temos pela frente o enorme desafio de combater armadilhas algorítmicas e o uso industrial de informações falsas que manipulam democracias, promovem polarizações e discursos de ódio. Flávio Lara Resende para o Estadão:
Invariavelmente,
ao longo dos tempos nos deparamos com opiniões que, sob o manto da
defesa intransigente da liberdade de expressão e de imprensa, buscam
pautar a opinião pública sobre a necessidade de estabelecer o controle
dos meios de comunicação social.
Assim,
chama a atenção o artigo O concessionário de rádio e TV é um servidor
público, veiculado no Estado em 30/10. No texto, o autor cita a
necessidade de controle efetivo dos meios de comunicação social, ante o
suposto uso proselitista de parte dos veículos de mídia, em cenário
constitucional aparentemente infiel aos postulados do contraditório, da
pluralidade de meios e da liberdade do cidadão brasileiro de ser
informado.
Uma
cantilena nada nova, porém agravada pelo descompasso com a realidade e o
fenômeno global de transformação que atravessam a indústria de mídia e a
sociedade moderna.
O
setor de rádio e TV, feito por brasileiros e para brasileiros, faz
chegar informação e entretenimento gratuitos a todos os mais recônditos
rincões deste imenso país, divulgando nossa tão diversa cultura. São
milhares de empresários que, todos os dias, nas suas emissoras –
grandes, médias e pequenas – fazem dessa missão um verdadeiro
sacerdócio, gerando riqueza e emprego, o que, sem qualquer juízo de
valor, já os diferencia da figura jurídica dos servidores públicos.
A
pluralidade dos meios e a liberdade de escolha do cidadão, portanto,
estão materializadas por meio das mais de 5,5 mil emissoras de rádio e
televisão comerciais, que levam diariamente informação, opinião, cultura
e entretenimento à população.
No
campo da informação e da opinião, o jornalismo profissional tem
prestado um relevante e indispensável serviço à sociedade. Pesquisas
recentes apontam que o rádio e a TV, veículos de comunicação
profissionais de massa, bem como suas extensões na internet, são
considerados os meios mais confiáveis no combate às notícias falsas. A
credibilidade, não há dúvidas, é o maior patrimônio de um veículo de
comunicação.
Temos
responsabilidade civil e editorial pelo conteúdo veiculado. Como toda
atividade humana, obviamente, cometemos erros. Porém, no jornalismo
profissional, se erramos, temos compromissos e deveres, e quem quiser
reparação ou exercer eventual direito de resposta sabe onde está a nossa
porta e pode bater.
Os
mecanismos legais de tutela do cidadão existem e o Judiciário é o poder
constituído para modular esses direitos. O ex-ministro Carlos Ayres
Britto, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) 130, que julgou a Lei de Imprensa incompatível com o nosso
sistema constitucional, já dizia que não existe liberdade de imprensa
pela metade. Ela é, no dizer da Constituição federal, plena.
Não
por menos, o Supremo Tribunal Federal ( STF) consolidou o entendimento
de que a liberdade de imprensa goza de uma posição preferencial em
relação a outros direitos, como da intimidade, privacidade, de modo a
não inibir ou embaraçar o seu pleno exercício.
Neste
contexto social e jurídico, além de anacrônico, o debate sobre o
controle dos meios de comunicação social se traduz numa tentativa de, ao
fim e ao cabo, estabelecer uma censura prévia à livre circulação de
informações, opiniões ou ideias, sobretudo daquelas que não nos agradam.
E, por inconstitucional, deve ser veementemente repelido.
Devemos
evitar a máxima de H. L. Mencken de que “para todo problema complexo
existe uma solução simples, elegante e completamente errada”. Mais do
que regular o que já está regulado, temos pela frente o enorme desafio
de combater armadilhas algorítmicas e o uso industrial de informações
falsas que manipulam democracias, promovem polarizações e discursos de
ódio.
No
mundo digital, as empresas provedoras desses serviços passaram a deter o
controle sobre a distribuição de boa parte do conteúdo, principalmente
audiovisual, consumido globalmente, tornando-se poderosas empresas de
mídia. Atuam, portanto, no mesmo mercado de dois lados em que atuam as
empresas de comunicação social: de um lado, a oferta de informações e de
entretenimento ao público e, do outro lado, a venda de espaços
publicitários a anunciantes.
Ou
seja, têm o mesmo produto que temos e se financiam no mesmo mercado,
mas não se submetem à similaridade de regras, como, por exemplo, a
responsabilidade civil e editorial.
Devemos
estabelecer responsabilidades isonômicas a essas empresas, isto é, aos
provedores de aplicações de internet que exercem essa atividade de forma
organizada profissionalmente e com fins econômicos na divulgação de
conteúdos de caráter informativo, noticioso ou de entretenimento.
Avanços
que combatam a desinformação, o discurso de ódio e outras práticas
nocivas à sociedade contarão sempre com o apoio da Associação Brasileira
de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e do setor de radiodifusão.
Somos responsáveis pelo conteúdo que distribuímos e nada mais justo que
nossos concorrentes também o sejam. Dessa responsabilidade não abrimos
mão. O resto, é de livre escolha do cidadão.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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