A UE não deve ceder a chantagem de políticos que querem transformar os refugiados numa arma da sua destruição. Não é segredo que o Kremlin aposta no reforço das forças da extrema-direita europeia. José Milhazes para o Observador:
A
crise de migrantes na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia está
estreitamente ligada à agudização de relações entre a Rússia e a União
Europeia, não obstante o Presidente Putin frisar que o seu país nada tem
a ver com isso.
Numa
entrevista ao canal de televisão “Rossia 24”, o dirigente russo fez
afirmações falsas a fim de justificar a política do seu protegido, o
ditador bielorrusso Alexandre Lukachenko.
Ao
responder à pergunta do entrevistador a propósito das declarações que
Lukachenko fizera na quinta-feira sobre a possibilidade de cortar o
fornecimento de gás russo à União Europeia através do gasoduto que
atravessa o território bielorrusso, Putin declarou que estava a ouvir
falar disso pela primeira vez.
“Conversei
duas vezes com Alexandre Grigorievitch [Lukachenko] nos últimos tempos,
ele não me falou nada disso, nem sequer insinuou. Talvez possa fazer
isso. Embora nisso não haja nada de bom e claro que irei conversar com
ele sobre isso” – acrescentou o dirigente russo, sublinhando que
“semelhantes actos prejudicariam o sistema energético europeu e não
ajudaria o desenvolvimento das relações entre a Rússia e a Bielorrússia.
Além disso, seria uma violação do contrato de trânsito”.
Seria
ridículo acreditar que aos ouvidos do dirigente russo não tivessem
chegado as ameaças de chantagem feitas por Lukachenko que provocou uma
reacção imediata da União Europeia. Mas Putin gosta de se apresentar
como um político cumpridor de compromissos, uma espécie de “salvador
misericordioso” num momento em que a Europa precisa de gás.
Outra
das mentiras que o dirigente russo nos tenta impingir consiste no facto
de a Rússia não ter nada a ver com a crise de imigrantes na fronteira
bielorrusso-polaca.
Quando
Angela Merkel, chanceler interina alemã, telefonou a Putin para
conversar sobre a crise dos refugiados, este mandou-a ir falar
directamente com o ditador bielorrusso. Um conselho envenenado com um
objectivo claro: ao começar conversações com os dirigentes europeus,
Lukachenko irá ver nisso o reconhecimento da sua legitimidade enquanto
presidente da Bielorrússia.
Os factos mostram que o ditador bielorrusso não ousaria organizar provocação após provocação “sem ter as costas quentes”.
“Eu
digo a Putin: o principal é que tu não hesites. Se surgirem
dificuldades, quero saber que por detrás de mim está o irmão mais velho,
que não permitirá que façam mal ao mais novo. Nada mais é preciso”,
afirmou Lukachenko numa entrevista à revista russa “Natzionalnaya
oborona”.
É
verdade que, até agora, Putin não tem hesitado. Desde o primeiro
momento que Moscovo apoia a política de Lukachenko com vista a
transformar a Bielorrússia num corredor de passagem de migrantes
ilegais.
Na
citada entrevista, o autocrata russo diz que uma das razões da entrada
de migrantes na Bielorrússia se deve ao facto de não ser necessário
visto para entrar nesse país, o que é completamente falso. O negócio dos
vistos tem trazido bons dividendos aos cofres de Minsk.
Putin
volta a afirmar que a Rússia não é parte do conflito no Donbass entre
separatistas pró-russos e o governo da Ucrânia, mas o facto é que eles
não sentem falta de armamento ligeiro e pesado, de armas capazes de
abater aviões civis. E essas armas são de fabrico russo e só podem
entrar no Donbass a partir do território russo.
O
Kremlin ainda não chegou ao ponto de anexar a Bielorrússia, nem partes
do território deste país, como fez com o Donbass, mas o que leva as suas
tropas a realizarem manobras em território bielorrusso, perto da
fronteira com a Polónia? A morte de dois paraquedistas russos e os voos
de aviões militares russos perto das fronteiras com a Polónia, Letónia,
Lituânia e Estónia não serão provas do envolvimento directo do Kremlin
nas provocações montadas por Lukachenko?
Não
é demais repetir que a União Europeia tem culpas nas crises de
migração, pois, juntamente com os Estados Unidos, tiveram na origem de
conflitos que continuam a provocar ondas de refugiados do Afeganistão,
Médio Oriente e Norte de África. Por isso tem de arranjar soluções para o
problema com base nos princípios humanitários internacionais.
Porém,
a União Europeia não deve ceder a chantagem de políticos que querem
transformar os refugiados numa arma da sua destruição. Não é segredo
para ninguém que o Kremlin aposta no reforço das forças da
extrema-direita europeia a fim de semear a discórdia e o caos no seio da
UE. Ora as crises de refugiados é uma das partes mais importantes dessa
aposta. Se os membros da União Europeia não souberem actuar em uníssono
nesta “guerra híbrida” declarada por Putin, o seu futuro estará em
perigo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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