Steven Pinker, Kathleen Stock, Peter Boghossian e Bari Weiss. |
Trata-se, de fato, do primeiro empreendimento promissor na área desde a criação da Heterodox Academy de Jonathan Haidt, organização sem fins lucrativos que premia universidades realmente capazes de celebrar divergências. Maria Clara Vieira para a Gazeta do Povo:
“A
visão de uma universidade nestes discursos é a seguinte: trata-se de um
lugar de ensino do conhecimento universal”. Assim o cardeal John Henry
Newman, em 1852, abria sua série de conferências que resultaram no livro
intitulado “A ideia de uma universidade”. Embora Newman, canonizado
pelo Papa Francisco em 2019, defenda em seus escritos uma educação
atrelada aos valores religiosos de verdade e integridade, é categórico
ao afirmar que se o objetivo da universidade “for a prática religiosa,
não vejo como ela pode ser a sede da literatura e da ciência”.
Quase
170 anos depois da publicação da obra, as universidades americanas
ironicamente caminham a passos largos na direção oposta ao ideal
proposto pelo santo católico: tornaram-se centros de replicação acrítica
de “verdades” tomadas por religiosas, segundo as quais os “pecados
originais” que dividem a humanidade são ligados à raça, gênero,
orientação sexual e qualquer outro elemento que componha a identidade;
pressupostos cuja inquestionabilidade afasta a prática científica e a
defesa da verdade. Em meio à Idade das Trevas do ensino superior,
abundam cancelamentos absurdos que atingem conservadores e progressistas
que ousam questionar o dogmatismo pós-moderno.
Ainda
que de forma germinal e, por enquanto, restrita aos Estados Unidos, a
última segunda-feira, 8, trouxe uma boa notícia para os defensores da
liberdade de expressão no ensino superior. “Estamos cansados de esperar
que as universidades americanas consertem a si mesmas. Por isso vamos
criar uma nova”. Com esta declaração via Twitter, foi anunciada a
criação da Universidade de Austin (UATX), no estado americano do Texas. O
primeiro texto sobre a instituição, escrito pelo ex-presidente da St.
John’s College e futuro presidente da UATX, Pano Kanelos, foi publicado
na newsletter da jornalista Bari Weiss, ex-editora de Opinião do The New
York Times.
O
quadro de conselheiros da universidade, do qual Weiss é membro, é de
fazer inveja às outrora prestigiosas instituições da Ivy League. A UATX
conta com figuras do calibre do psicólogo e linguista Steven Pinker, a
bióloga evolucionista Heather Heying, o cientista social Arthur Brooks, a
professora de filosofia Kathleen Stock, o geofísico Dorian Abbott e o
professor de filosofia Peter Boghossian.
Também
integram o grupo o ex-presidente da Universidade de Harvard Larry
Summers, o psicólogo e fundador da Heterodox Academy, Jonathan Haidt, o
economista Glenn Loury - o primeiro professor negro a ter uma cadeira
titular de economia em Harvard -, o historiador Niall Ferguson, o
jornalista Sohrab Ahmari e a ativista Ayaan Hirsi Ali. O que estes nomes
têm em comum, além do vasto conhecimento em suas respectivas áreas?
Todos são devidamente “cancelados”.
“Nossos
alunos serão expostos à sabedoria mais profunda da civilização e
aprenderão a enxergar nestas obras não meras tradições mortas, mas
conteúdos de significado atemporal que ajudam os seres humanos a
distinguir entre o que é verdadeiro e falso, bom e mau, belo e feio. Os
alunos verão o livre questionamento como uma atividade vital que exige
deles uma busca corajosa, às vezes desconcertante, por verdades
permanentes”, diz o artigo de Panelos.
Doze
horas após o anúncio, a UATX já havia recebido pelo menos 900
currículos de todo o país. Em entrevista à Fox News, o professor de
filosofia Peter Boghossian explicou que a instituição não será uma
universidade conservadora, mas dará liberdade para que os alunos abordem
tópicos controversos e construam suas próprias conclusões, além de
garantir plena autonomia aos professores. “Eles [os professores] não
suportam fingir que acreditam em algo em que não apenas não acreditam,
mas simplesmente sabem que é falso, mas não podem fazer nada a respeito
para não receberem acusações de intolerância ou discriminação”,
declarou.
O
site da Universidade de Austin promete também custos mais baixos, com
menos comodidades do que um campus universitário tradicional. Segundo
Kanelos, a estimativa é que o custo seja de até 30 mil dólares por ano -
metade do preço médio de uma universidade particular comum.
Em
entrevista ao The New York Times, o presidente da UATX afirmou que os
fundadores esperavam levar entre seis meses e um ano para levantar os 10
milhões de dólares necessários para dar o pontapé no projeto, mas a
quantia foi arrecadada em pouco mais de um mês. O próximo passo será
angariar 250 milhões de dólares para lançar os primeiros programas de
graduação e pós-graduação, que devem abordar história, política e
ciências da natureza. Um programa de mestrado em empreendedorismo e
liderança será lançado em 2022.
Por
enquanto, o ano que vem promete um curso livre intitulado “Assuntos
Proibidos”. Conforme antecipado pelo City Journal, os possíveis tópicos
incluem “Nosso Estado de Segurança Nacional é autoritário?”, “Quais são
os limites da liberdade de expressão?” e “Gênero é apenas uma construção
social?”.
Para
Ayaan Hirsi Ali, a Universidade de Austin é o símbolo da renovação:
“Por muito tempo, observamos as universidades sendo desfiguradas,
felizmente sem saber que tudo o que precisávamos fazer era criar a
nossa. Esperemos que este seja o início de um novo Renascimento”,
escreveu a ativista.
Trata-se,
de fato, do primeiro empreendimento promissor na área desde a criação
da Heterodox Academy de Jonathan Haidt, organização sem fins lucrativos
que premia universidades realmente capazes de celebrar divergências. Na
terra natal da cultura “woke” - termo que designa os “canceladores”
associados às pautas identitárias -, seus opositores começam,
finalmente, a se organizar contra a “religião” da forma mais proveitosa
possível: reunindo vozes ponderadas, qualificadas e diversas sob a
bandeira da liberdade. Resta esperar que seus resultados sejam
abundantes e, a exemplo das teorias progressistas, exportados para o
Brasil.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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