José Antonio Kast tem 26% das preferências no primeiro turno e espalha pânico entre os que o consideram o “Bolsonaro chileno”. Vilma Gryzinski:
Qual
a proporção do eleitorado de qualquer país democrático que vota
sistematicamente na direita assumida, por identificação ideológica?
Geralmente,
entre 20% e 30%. Nos Estados Unidos, os eleitores que se identificam
hoje como republicanos são 29% – a proporção varia em torno dessa faixa.
A França é uma exceção, possivelmente devido à súbita entrada na arena
política de Éric Zemmour.
Ele
desbancou Marine Le Pen na condição de principal candidato da direita
dura – sendo que nem ainda se declarou candidato efetivamente. Somados
seus 17% das preferências com os 16% de Marine, os eleitores que querem
uma linha dura em relação a imigração, esmagadoramente de
norte-africanos, batem nos 33%.
Zemmour
pode estacionar ou disparar. Um fenômeno parecido está acontecendo no
Chile. José Antonio Kast – ou JAK, para sintetizar – disparou como o
mais votado no primeiro turno da eleição presidencial de domingo, com
26% das preferências.
É
apenas um ponto a menos do que o candidato de esquerda, Gabriel Boric.
Mas é claro que roubou todas as atenções. Da mesma forma como Jair
Bolsonaro foi chamado de “Trump brasileiro” por jornalistas que precisam
sempre achar um lugar comum, JAK está sendo chamado de “Bolsonaro
chileno”.
Até
uma certa semelhança física – são homens altos, longilíneos, de olhos
azuis – está sendo explorada. E também uma frase. A de Bolsonaro, sobre a
“gripezinha”, nem foi uma comparação original dele. A de Kast – “Se
Pinochet fosse vivo, votaria em mim” – é da eleição passada, quando a
direita convencional venceu, com o atual presidente Sebastián Piñera.
Transformado
em criptonita política, Piñera, da direita civilizadíssima, sem nunca
uma palavra fora do lugar, acabou cedendo um espaço que era seu para
Kast.
A
desconstrução de Piñera, um dos homens mais ricos do Chile que já havia
sido presidente e achava que concluiria o segundo mandato consagrado
como o político que consolidaria o país como uma economia desenvolvida,
não submetido a um impeachment, sem consequências piores, por transações
nebulosas num paraíso fiscal, aconteceu no contexto de uma
esquerdização galopante.
Na
eleição da Assembleia Constituinte, a saída que Piñera encontrou para
estabilizar um país em transe, com protestos que lembravam mais
pseudodemocracias falidas, 80% dos votos foram para todo o espectro da
esquerda.
O
Chile, comparativamente tão estável, tem dessas guinadas. Basta lembrar
que Augusto Pinochet convocou o plebiscito de 1988 porque as pesquisas
garantiam um apoio maciço da população na continuação de seu governo.
Levou uma lavada: 56% votaram por sua saída (mas 44% acharam que ele
deveria permanecer à frente do país).
Ao
contrário de Salvador Allende, o presidente que se suicidou no Palácio
de La Moneda sob bombardeio golpista§, que havia prometido não levar a
esquerda e o castrismo para seu governo, Pinochet cumpriu a palavra e
entregou o poder.
Embora
as atrocidades cometidas sob seu comando, e expostas em detalhes
pavorosos depois da redemocratização, tenham carcomido o apoio que
tinha, muitos chilenos entenderam que as bases da economia não deviam
ser substancialmente alteradas.
Um
dos responsáveis pelos rumos liberais durante a ditadura foi o irmão de
JAK, Miguel Kast, que foi ministro e presidente do Banco Central na era
Pinochet – morreu precocemente de câncer aos 31 anos.
De
família de imigrantes alemães, católico praticante do tipo quase
extinto – tem nove filhos -, JAK fala bem e martela um slogan do tipo
que gruda: “Atreva-se, Chile”.
O
ex-líder estudantil Gabriel Boric, de 35 anos, também fez sua
contribuição para a ascensão de JAK: a perspectiva de um esquerdista
duro na presidência ajudou a empurrar eleitores indecisos para o campo
do antagonista mais viável.
As pesquisas para o segundo turno dão 36% para Kast e 30% para Boric. Vai ser uma campanha e tanto.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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