A razão pela qual a Europa e a América estão se separando cultural e filosoficamente é a própria União Europeia, que de livre não tem nada. Ana Paula Henkel para a Oeste:
No
último 9 de novembro, celebramos os 32 anos da queda do Muro de Berlim.
Foram 28 anos de histórias inspiradoras e devastadoras de pessoas
tentando atravessar a fronteira entre o capitalismo e o socialismo,
entre liberdade e encarceramento. Já passamos mais tempo sem o muro do
que sua própria existência. Mesmo assim, o fantasma do mal que o ergueu
sempre ronda a história contemporânea com uma nova roupagem, e as lições
de sua presença permanecem.
Nesta
semana, em virtude da importante data para amantes da história, postei
algumas fotos sem legenda da queda do muro, em 1989, em meu Instagram.
Apenas imagens. Para minha enorme surpresa, confesso, não esperava a
quantidade de mensagens de jovens que não faziam a menor ideia do que
eram aquelas imagens. O que está acontecendo? Não estamos ensinando mais
nossos alunos sobre o nefasto período da Guerra Fria? Quem, em sã
consciência, não mostraria os terríveis detalhes de uma ideologia que
mente, segrega, maltrata e mata pessoas? Diante do que vi em uma pequena
amostra nas minhas redes sociais, não custa revisitarmos a história, na
esperança de que possamos dar uma pequena contribuição a alguns jovens
para que, de alguma maneira, comecem a traçar o quebra-cabeça de que
quem compreende o passado protege o futuro.
Depois
da derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, o país foi dividido
em quatro zonas de ocupação, e Berlim também foi dividida em território
leste e oeste. Os Estados Unidos, a França e Grã-Bretanha ficaram com a
Alemanha Ocidental e com os setores ocidentais de Berlim. A zona
soviética ficou entre a Alemanha Oriental e Berlim Oriental. O lado
ocidental tornou-se uma democracia, enquanto o oriental era um país
comunista alinhado com a União Soviética.
Foi
em 13 de agosto de 1961 que o governo comunista da República
Democrática Alemã (GDR ou Alemanha Oriental) começou a construir um muro
de arame farpado e concreto chamado de “Antifascistischer Schutzwall”,
ou “muro antifascista”, entre Berlim Oriental e Ocidental. O propósito
oficial da divisão era impedir que os chamados “fascistas” ocidentais
entrassem na Alemanha Oriental e minassem o Estado socialista, mas
serviu principalmente ao objetivo de conter as deserções em massa do
leste para o oeste.
A
existência de Berlim Ocidental, uma cidade visivelmente capitalista no
interior da Alemanha Oriental comunista, “ficou presa como um osso na
garganta soviética”, como disse Nikita Khrushchev. Os russos começaram a
manobrar para expulsar os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França da
cidade para sempre. Em 1948, um bloqueio soviético a Berlim Ocidental
teve como objetivo expulsar os aliados ocidentais da cidade pela fome.
Em vez de recuar, entretanto, os Estados Unidos e seus aliados
abasteceram seus setores da cidade pelo ar. Esse esforço, conhecido como
Berlin Airlift, durou mais de um ano e entregou mais de 2,3 milhões de
toneladas de alimentos, combustível e outros bens para Berlim Ocidental.
Os soviéticos cancelaram o bloqueio em 1949.
Depois
de uma década de relativa calma, as tensões explodiram novamente em
1958. Pelos próximos três anos, os soviéticos, encorajados pelo
lançamento bem-sucedido do satélite Sputnik no ano anterior durante a
Corrida Espacial e constrangidos pelo fluxo aparentemente interminável
de refugiados de leste a oeste — quase 3 milhões desde o fim do bloqueio
—, ameaçavam jovens trabalhadores qualificados, como médicos,
professores e engenheiros, que fugiam em massa, enquanto os aliados
resistiam. Cúpulas, conferências e outras negociações iam e vinham sem
resolução. Enquanto isso, a inundação de refugiados continuou. Em junho
de 1961, cerca de 19.000 pessoas deixaram a Alemanha Oriental através de
Berlim. No mês seguinte, 30.000 fugiram. Nos primeiros 11 dias de
agosto, 16.000 alemães orientais cruzaram a fronteira com Berlim
Ocidental. Em 12 de agosto, cerca de 2.400 pessoas fugiram das garras
soviéticas, o maior número de desertores a deixar a Alemanha Oriental em
um único dia. Naquela noite, o primeiro-ministro Khrushchev deu
permissão ao governo da Alemanha Oriental para interromper o fluxo de
imigrantes fechando sua fronteira para sempre. Em apenas duas semanas, o
Exército da Alemanha Oriental, a força policial e os trabalhadores
“voluntários” da construção haviam concluído um muro improvisado de
arame farpado e blocos de concreto — o Muro de Berlim — que dividia um
lado da cidade do outro.
Quase
200 alemães foram mortos no muro tentando escapar da Alemanha Oriental.
Personalidades importantes se manifestaram, como o presidente americano
John F. Kennedy no discurso de 1963, “I am a Berliner” (Sou um
Berlinense), e Ronald Reagan, no histórico evento no Portão de
Brandemburgo em 1987, quando bradou a Mikhail Gorbachev que derrubasse o
muro. Pessoas vieram de todo o mundo para protestar contra essa
divisão, e o muro tornou-se um símbolo da democracia versus o comunismo.
O
Muro de Berlim durou até 9 de novembro de 1989, quando o chefe do
Partido Comunista da Alemanha Oriental anunciou que os cidadãos do leste
poderiam cruzar a fronteira quando quisessem. Naquela noite, multidões
em êxtase invadiram as ruas de Berlim e muitos cruzaram livremente para
Berlim Ocidental. Outros trouxeram martelos e picaretas e começaram a
cavar no próprio muro. Até hoje, o Muro de Berlim continua sendo um dos
símbolos mais poderosos e duradouros da Guerra Fria.
A
crença da civilização ocidental, agora antiquada para muitos, no certo e
no errado, junto com nossa disposição em agir de acordo com ela, agora
enfurece grupos que jamais sonharam em ter tanta liberdade. E essa
liberdade existe exatamente pelas mãos dos “demônios” que muitos desses
grupos hoje tentam proibir de questionar, debater, servir, alertar e
viver sob suas regras milenares. Morando nos EUA há mais de 12 anos,
percebo que os americanos têm uma desconfiança arraigada na frouxidão
moral disfarçada de “sofisticação”, como descrevi em meu artigo da
semana passada sobre as eleições no Estado da Virgínia. Essa herança
religiosa dissidente deixou os americanos confortáveis em fazer escolhas
morais claras na política, as tais escolhas “simplistas”, como diz hoje
a turba do bem que adora linchamentos.
Mesmo
em todo o contexto da Guerra Fria, muitos países dentro da Cortina de
Ferro sobreviveram porque conseguiram manter vivas suas tradições, sua
soberania conservadora de que ninguém sabe mais do seu futuro e de sua
família do que aqueles que estão próximos de nós. As decisões sobre o
destino de muitos, na Hungria ou no interior da Polônia, caíram nas mãos
de oficiais soviéticos em Moscou. Hoje, as vertentes desse Leviatã
podem ser percebidas na sanha de burocratas, na própria União Europeia
ou nas Nações Unidas, que querem decidir o que nós, no interior de Minas
Gerais, na Bahia ou na Virgínia, podemos fazer.
A
razão mais importante pela qual a Europa continental e a América estão
se separando cultural e filosoficamente é a própria União Europeia, que
de livre não tem nada. Os visionários europeus têm uma longa história de
sonhar e buscar implementar utopias nacionalistas ou socialistas —
esquemas condenados ao fracasso que pisotearam indivíduos sob as botas
pesadas do Estado, sob o preço de criar um “novo homem” e um mundo
perfeito. A fraternidade assassina da Revolução Francesa, o bonapartismo
do século 19, o marxismo e o comunismo modernos, o fascismo italiano, o
nazismo — todos esses programas coercitivos para refazer o mundo
surgiram do que parece ser um impulso continental inerradicável. Ah… a
história, seus ciclos, sua eterna camuflagem e sua capacidade de sempre
apresentar uma roupagem novinha em folha para abrigar a genética do mal.
Há
um pedaço do Muro de Berlim na Fundação Reagan aqui na Califórnia, um
lugar espetacular para quem passar por Los Angeles. De um lado do pedaço
enorme de concreto trazido de Berlim há figuras coloridas, frases sobre
liberdade e muitos desenhos feitos com tinta em spray de muitas cores.
Do outro, apenas a frieza do concreto cinza e marcas de tiros. O pedaço
do muro exposto na Reagan Library vai além de mostrar um trecho da
história. Ele mostra o bem e o mal concretizados e eternizados em peso,
forma e cores.
Sobre
as partes que montaram o quebra-cabeça da queda do Muro de Berlim, não é
difícil nos fixarmos na frase mais famosa do discurso de Ronald Reagan
em Berlim: “Senhor Gorbachev, derrube este muro!”. No entanto, discursos
épicos não se tornam imortais e atuais por uma frase apenas. Em tempos
sombrios, medidos por reações tirânicas de governantes que, por controle
social e poder, erguem divisões de todos os tipos, alimentando nas
sociedades uma busca incontrolável por cancelamentos e segregações,
palavras quase concretas em tenacidade precisam ser ascendidas ao único
norte possível. Neste mesmo discurso de 1987, Reagan nos mostra que a
soberania da verdade é incontestável, que ela atravessa o tempo e
prevalecerá. “Este muro cairá, pois não pode resistir à fé, não pode
resistir à verdade. Este muro não pode resistir à liberdade”, disse o
40º presidente norte-americano.
Que
lembremos, principalmente diante dos dias quando o desânimo é quase
palpável, que, assim como foi com um muro de concreto feito por homens
malignos, será também para qualquer muro erguido entre homens de bem.
Muros cairão, pois também não podem resistir à fé, e não podem resistir à
verdade. Eles não podem resistir à liberdade.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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