Os bem intencionados até tentam, mas pouquíssimos se mobilizam diante dos panoramas sinistros pintados por Daniel Ortega e companhia. Vilma Gryzinski:
“Daniel”,
como diziam os cartazes da campanha eleitoral, foi reeleito – nem é
preciso esperar o fim da contagem dos votos. Para ter certeza do
resultado, mandou prender sete candidatos que poderiam disputar urnas
com ele. Todo mundo já sabia que isso ia acontecer – e o fato é que,
fora as declarações protocolares da OEA e similares, poucos ligam a
mínima.
A
Nicarágua de Daniel Ortega é um dos países mais desimportantes da pouco
importante América Latina. A terra, os recursos naturais, o riquíssimo
potencial humano de povos que vão da Argentina ao México, tudo isso
conta cada vez menos.
É
difícil explicar para gerações mais novas que um dia a Nicarágua foi um
assunto relevante, um pequeno país que despertava repúdio internacional
face à ditadura de Anastasio Somoza, esperança com a aliança de
intelectuais de classe média e jovens idealistas (liderados por um
inspirado comandante de boina à la Che chamado Daniel Ortega) e até
abalos no governo de Ronald Reagan, flagrado armado por baixo do pano a
resistência à onda esquerdista.
Não
sobrou nada disso, inclusive, ou principalmente, os princípios
esquerdistas. Daniel Ortega e a ex-revolucionária sandinista Rosario
Murillo, elevada pelo marido e cúmplice a co-presidente, instauraram uma
espécie de seita, com linguagem new age, discurso pacifista, rituais
bizarros – e a velha e boa corrupção, com filhos da dupla implantados em
atividades lucrativas, inclusive canais de televisão que só divulgam
boas notícias e, nada surpreendentemente, recebem propaganda paga do
governo.
Se
a Venezuela que é a Venezuela, com a força que o petróleo lhe dava,
saiu do noticiário e hoje existe uma resignação generalizada com Nicolás
Maduro, tão hábil em se perpetuar no poder quanto em dinamitar os mais
fundamentais pilares da economia, a ponto de produzir um índice de
pobreza de quase 95%, que dirá a Nicarágua, com menos de sete milhões de
habitantes e PIB de 12 bilhões de dólares.
A
palhaçada eleitoral na Nicarágua – obviamente, um assunto muito sério
para os perseguidos políticos – será rapidamente absorvida. Ortega virou
um personagem esquisito, mas conhece muito bem o manual de
sobrevivência do caudilho latino-americano. Com a certeza da permanência
no poder, pode até aliviar ligeiramente os movimentos repressivos.
Exportação de gente e tráfico de drogas, os problemas que geralmente
causam mais incômodo aos Estados Unidos, nem estão entre os piores da
América Central.
As
commodities estão em alta num mundo que precisa de tudo para a
recuperação pós-pandemia e devem segurar um crescimento do PIB de 6,3%
para a América Latina, segundo o FMI – acima dos murchos 5,2%
prognosticados para o Brasil.
Alguém
se lembra de quando o FMI era assunto, atacado pela esquerda como
representante dos capitalistas maus? Pois na Argentina continua a ser,
um atestado do angustiante atraso em que patina um país que, como nós,
tinha tudo para ser um caso de sucesso.
“Brigar”
com o FMI, sem chegar à ruptura final, é um dos batidos recursos que o
governo de Alberto Fernández tenta usar enquanto cava cada vez mais o
buraco previsto para as eleições legislativas e regionais do próximo
domingo.
Segundo
pesquisas recentes, o Juntos pela Mudança, tão desmoralizado pela
massacrante derrota de Mauricio Macri na tentativa de reeleição, tem 40%
das preferências, contra 28% para a Frente de Todos, a coalizão
peronista, com alguns pequenos adendos, que elegeu Fernández.
Se a eleição fosse para presidente, 57% prefeririam um candidato da oposição; 31% continuariam fieis ao peronismo.
Isso
mostra como os argentinos – e não só eles – tentam de tudo. Elegem
governos que acabam fracassando, vão para o lado oposto e também se dão
mal, voltam para a opção anterior e assim sucessivamente.
Os
problemas estruturais continuam os mesmos: administrações
disfuncionais, máquinas públicas paralisantes, investimentos internos
deficientes, investimentos externos que entram e saem assim que o sinal
amarelo acende, iniciativa privada tolhida, informalidade e insegurança
no mercado de trabalho e, tragicamente, índices de pobreza que,
insuflados por tudo isso e mais a pandemia, aumentam em vez de diminuir.
Os
argentinos repudiaram Macri quando a moeda entrou em parafuso e a
economia desandou. Hoje, lidam com a maior desvalorização da história – o
dólar estava a apenas um suspiro dos 200 pesos.
Parece
uma maldição que a pequena Nicarágua ou a grande Argentina estejam às
voltas com problemas que deveriam ter sido superados há muito tempo,
como caudilhismo, inoperância econômica, disfunção terminal e corrupção
camuflada ou descarada.
É
possível enumerar um compêndio de causas perfeitamente racionais para
nossos muitos e repetitivos males – e nenhum tem nada a ver com o estilo
esotérico da nicaraguense Rosario Murillo.
Pero que las hay, las hay…
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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