No encontro com FHC, Lula levou tudo e não entregou nada, escreve Carlos Alberto Sardenberg no Globo:
Quando se cita o mote, os mais jovens — e nem tão jovens assim — lembram Paulo Maluf.
Mas
até isso Maluf pegou, digamos, de maneira indevida. O verdadeiro dono
do “rouba mas faz” é Ademar de Barros, político dos anos 40 a 60,
prefeito e governador de São Paulo, senador, candidato a presidente.
Ele
mesmo espalhava as piadas a seu respeito. Nos comícios, dizia: “Neste
bolso nunca entrou dinheiro roubado”. E a plateia, divertida: “Calça
nova, governador”. Ele ria.
Também lançou o que poderia ser o lema da atual velha política: amigo meu não fica na estrada.
Era verdade. Ademar no governo, não tinha um ademarista que ficasse sem cargo público.
O
folclore ficou para Ademar de Barros, mas a coisa se espalhava por todo
o espectro político. O consenso tácito era o seguinte: todo mundo
levava o seu, o importante é que abrisse estradas (ou construísse
Brasília), oferecesse bons negócios públicos aos correligionários e
nomeasse a turma.
O
capitalismo de amigos sempre esteve na raiz da política brasileira. Até
que foram apanhados o mensalão e o petrolão — mas que, vistos de hoje,
parecem mesmo dois pontos fora da curva. Todo mundo está sendo perdoado
nas instâncias judiciárias e políticas.
O
STF vem cancelando condenações e devolvendo ao cenário político
personagens que curtiram cana em anos recentes. Na política, não há
melhor exemplo de anistia plena, geral e irrestrita do que o encontro
entre Fernando Henrique Cardoso e Lula.
Lula
saiu de lá com o voto de FH e o passado limpo. Não precisou pedir
desculpas pelos eternos ataques ao tucano (herança maldita, entreguista,
neoliberal), pelos seguidos pedidos de impeachment que o PT entrava
contra o governo FH, muito menos pelo mensalão e pelo petrolão.
Em resumo, Lula levou tudo e não entregou nada.
Digamos
que FH tenha feito algumas ressalvas em privado. Mas isso não conta em
política. Na sua única manifestação pública, Lula disse que, se fosse FH
contra Bolsonaro, ele votaria no tucano.
Estão de gozação.
FH
disse que ainda continua preferindo uma terceira via, mas tornou-a
ainda mais difícil — se não a enterrou — ao anistiar Lula sem levar nada
em troca.
Reparem
no cenário político — ex-presidiários voltando ao comando, o Centrão
nomeando e gastando, Bolsonaro ameaçando golpes e vendendo pedaços do
Orçamento, os correligionários ocupando os cargos, a Lava-Jato
destruída, os negócios de amigos só não voltam com tudo porque a
economia ainda patina. Mas já se nota a ocupação de estatais e fundos de
pensão pela turma do governo.
Eis
o quadro: amigo meu não fica na estrada; ganhar 200 mil por mês do
governo não tem nada demais; para os amigos, tudo, para os adversários, o
rigor da lei. (Dizem que esta última era do Getúlio!) E Bolsonaro quer
colocar os militares na roda.
Boa
parte do mundo desenvolvido está saindo da pandemia e voltando a
crescer. Há riscos pela frente, como a temida volta da inflação elevada,
provocada pelo excesso de dinheiro que os governos gastaram e continuam
gastando. Sim, era preciso apoiar pessoas e empresas na pandemia, mas,
como já dizem alguns economistas, talvez tenham colocado água demais na
bacia.
De
todo modo, por aqui estamos longe de superar a pandemia. O nível de
investimenbto público e privado está em torno de 15% do PIB,
insuficiente para sustentar o crescimento. A reforma tributária foi
cortada em fatias tão finas que nem se veem. É possível que o sistema
piore com vários impostos e contribuições sobre as mesmas mercadorias e
serviços.
Neste
momento, a recuperação dos desenvolvidos está nos ajudando, via
commodities e juros zerados pelo mundo afora. Mas, se lá subirem
inflação e juros, teremos outra conta a pagar — num mau momento.
Capaz de piorar. Ficar no rouba e nem faz.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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