Joe Manchin é um democrata moderado que, por causa da divisão meio a meio no Senado, está na posição de definir projetos fundamentais. Vilma Gryzinski:
Tudo
na democracia é feito para evitar a concentração de poder em uma única
pessoa ou instituição. Por isso, entre outros motivos, é curioso ver
como o destino, e as urnas, transformaram o senador Joe Manchin em um
poderoso fiel da balança: se ele disser não, vão por água abaixo alguns
dos mais ambiciosos projetos de seu xará, o presidente Joe Biden.
E
Manchin, um político meio folclórico de jeito bonachão, que fez
campanha atirando com uma arma de caça em projetos de lei que
considerava perniciosos, já deu um não bem dado: colocou-se contra a
transformação do distrito federal, Washington DC, em estado.
Ou
pelo menos que isso seja decidido pelo Congresso. Se quiserem mudar um
artigo constitucional, disse, tem que ser feito por emenda aprovada pelo
voto popular.
Os
colegas de partido de Manchin querem que o distrito onde fica a capital
vire estado porque isso ajudaria a romper o tipo de impasse que existe
agora; o Senado tem exatamente 50 senadores de cada partido.
O
voto de Minerva cabe, assim, à vice-presidente Kamala Harris. Entra aí o
inesperado poder de Manchin. Se ele recua, os projetos desabam.
O
eleitorado do distrito federal é tão democrata que seria uma garantia
praticamente eterna de que o partido do presidente Biden teria dois
senadores a mais – Biden levou 94% dos votos na eleição do ano passado;
Donald Trump, 5,4%.
Os
gigantescos projetos de investimentos públicos propostos por Biden
também terão que passar pelo crivo do único homem capaz de complicar sua
aprovação.
E o senador por Virginia Ocidental, um estado geralmente republicano, não está muito entusiasmado.
“É
muito dinheiro. MUITO dinheiro. Provoca muito desconforto na gente”,
foi seu comentário sobre o novo plano de 1,8 trilhão de dólares
apresentado por Biden em discurso ao Congresso.
Que
político não gosta de dinheiro chovendo do céu? Só mesmo o tipo de
sujeito como Manchin, um centrista preocupado com o aumento da
estratosférica dívida pública americana, que já está em 28 trilhões de
dólares, sete a mais do que o PIB.
Manchin
não era uma ave tão rara no Congresso americano, mas a esquerdização do
Partido Democrata o transformou numa espécie de relíquia de um passado
não muito distante, quando o próprio Joe Biden foi a encarnação do
centrismo – tanto que Barack Obama o colocou como vice para tranquilizar
o eleitorado desconfiado de excessos de liberalismo.
Agora,
Biden está deixando Obama no chinelo. Vetou o grande oleoduto que
traria petróleo do Canadá, abraçou entusiasticamente a economia verde,
vai aumentar os impostos de empresas e pessoas físicas com maiores
rendimentos e está propondo programas sociais nunca sequer sonhados
durante o governo Obama.
“O
destino dos maciços projetos de gastos de Joe Biden, e o futuro da
América, podem ser decididos numa inócua casa-barco”, exagerou um pouco o
Telegraph.
Manchin,
que aos 73 anos ainda mantém o físico corpulento de quarterback –
carreira interrompida ainda na universidade por uma lesão -, mora num
barco transformado em casa ancorado no Potomac para o qual costuma
convidar colegas dos dois partidos, outra raridade do passado recente.
Serve pizza e cerveja enquanto o barco singra o rio.
Donald
Trump “vivia ligando” para Manchin e o nome do senador chegou a ser
cogitado como secretário da Energia – ele cortou logo a possibilidade.
Manchin também se decepcionou com o pendor de Trump para cultivar
conflitos e agitação – lembra um outro presidente?
“Pode ser bom no mundo dos negócios, mas não funciona o serviço público”, concluiu Manchin.
Estaria o senador democrata vivendo num mundo que não existe mais, onde os dois partidos poderiam encontrar um campo em comum?
Os
republicanos estão propondo um programa de investimentos em
infraestrutura de “apenas” 568 bilhões de dólares, como alternativa ao
projeto mais gastador de Joe Biden. Manchin – forma anglicizada do
italiano Mancini – certamente leva em consideração a alternativa.
E
também já disse que aceita no máximo uma alíquota de 25% para os
impostos pagos por empresas. Biden quer que a taxação suba de 21% para
28%.
“Ele de repente se transformou na pessoa mais poderosa daqui”, resumiu o senador democrata Chris Coons.
E,
obviamente, num dos mais visados. Sindicatos e lobbies de empresas que
vibram com a perspectiva de contratos públicos trilionários fazem
campanhas visando Manchin diretamente, por rádio, televisão e internet.
Grupos conservadores também apelam a ele.
Manchin
no momento está no centro do mundo. E as hostes progressistas estão
sendo seguradas. Quando ele disse que não votaria por Neera Tanden, que
Biden pretendia por no controle do mais importante órgão orçamentário do
governo, o presidente discretamente retirou a indicação da ativista,
diretora de um dos institutos de George Soros e desbocada tuiteira.
O
escoladíssimo Biden, com quatro décadas de Senado, entende que brigar
com o xará agora seria autodestrutivo. Mas não tem muito tempo para a
contemporização. No ano que vem haverá eleições legislativas e a
experiência indica que o partido que tem a Casa Branca sempre perde o
Congresso no meio do mandato presidencial.
Manchin certamente vai sentir nos próximos meses a pressão de ser “o homem mais poderoso de quem você nunca ouviu falar”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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