Em nome de quem, e do que, estão cultivando um indivíduo com a profundidade de uma poça d’água, a inteligência de um girino e a moralidade de um corrupto? Paula Schmitt via Poder360:
Em
28 de março, algo impensável aconteceu: Felipe Neto, o maior
influenciador digital do país, e líder informal da esquerda e da
oposição a Bolsonaro, pediu ao presidente Joe Biden e à vice-presidente
Kamala Harris que os EUA fizessem uma intervenção no Brasil. O pedido foi feito em público,
em inglês, sob os olhares do mundo. O caso em si é inacreditável por
ser potencialmente um crime contra a soberania nacional, cometido a céu
aberto. Mas o problema vai além. Em que mundo-pelo-avesso um
influenciador da esquerda pode ser tão ignorante dos crimes cometidos
pelos Estados Unidos e suas intervenções “humanitárias”? Como pode a
esquerda brasileira ter se putrefeito a ponto de permitir que seu modelo
e mensageiro seja alguém que ignore algo tão universalmente conhecido
como a política externa norte-americana e as guerras e embargos que
fingem agir em nome da democracia mas que na vida real matam em favor de
interesses econômicos de uma minoria cada vez menor? E por que, e como,
esse homem-foca possui tanto poder a ponto de ser razoável afirmar que
em poucos anos ele poderá estar na política, e provavelmente será
eleito? Em nome de quem, e do que, estão cultivando um indivíduo com a
profundidade de uma poça d’água, a inteligência de um girino e a
moralidade de um corrupto?
É
com bastante tranquilidade que uso as palavras acima para descrever
Felipe Neto, porque foi ele mesmo que mostrou ser tudo isso. O
deformador de opinião que tem mais de 40 milhões de assinantes no
YouTube já fez o suficiente para ser enviado à Elba da ignomínia há
muito tempo. Os exemplos são inúmeros, mas vou me ater a apenas 2 casos
recentes. Em um deles, depois de passar anos cativando milhões de
crianças e jovens, Felipe Neto roubou no xadrez, e se vangloriou
publicamente de ganhar o jogo que roubou. Depois ele negou
descaradamente que roubou, e depois apagou os tweets em que negava ter
roubado, deletando evidência como quem acha ser possível apagar uma
mácula moral com água sanitária. A sequência desses fatos é algo tão
surpreendente que deveria virar filme, e é importante que conheçamos
esse roteiro o mais rápido possível.
Em
25 de fevereiro, Felipe Neto se dirigiu aos seus 13 milhões de
seguidores no Twitter e informou: “Ces vão me desculpar mas eu dei um
mate num turco agora em 2 minutos e só precisei tomar 1 peão. Fiquei
orgulhoso”. Abaixo desse arroubo de autopromoção, Felipe postou a imagem do tabuleiro
onde teria conquistado aquela vitória. A verdade, contudo, é que Felipe
Neto não foi o autor daquela jogada. Ele usou um robô, ou uma terceira
pessoa, para roubar para si uma vitória que não era sua. Ele mesmo
admitiu isso depois, explicando que não fez por maldade porque “vencer
ou perder partidas não me traz nada. Absolutamente nada”. Outra mentira,
claro. A vitória inexistente lhe trouxe orgulho, o que ele próprio
admitiu antes de deletar o tweet em que brandia o produto do roubo como
ladrão de caminhão de cerveja. Eu jogo xadrez na mesma plataforma Chess
usada pelo Felipe, e aproveito para explicar: se Felipe quisesse apenas
aprender, teria usado a modalidade em que joga contra o computador. Mas
ele fez questão de subtrair de um adversário honesto a possibilidade de
vitória que lhe cabia.
Imagina
esse indivíduo na Presidência da República, ou numa Câmara de
Vereadores. Imagina uma pessoa de caráter tão fraco tendo acesso a poder
político. Que outras coisas iria roubar? Que outros direitos iria
subtrair? Mas o pior de tudo, infelizmente, ainda estava por vir. O pior
foi ver a celebrada jornalista Patricia de Campos Mello postar no dia
28 de fevereiro, quando o Brasil todo já sabia da falcatrua de Felipe
Neto, as palavras mais desavergonhadas que já vi no Twitter: “Hj, na Folha,
entrevista com o super @felipeneto, que fala sobre como combater a
desinformação, a necessidade de responsabilizar os patrocinadores de
campanhas de fake news, a perspectiva de uma frente ampla em 2022 e os
erros e acertos da esquerda”.
Não
existem palavras que possam adicionar desonra à obscenidade que
Patricia cometeu. Sabendo da canalhice de Felipe Neto, que roubou no
jogo, mentiu, mentiu de novo, desmentiu e mentiu novamente para todos os
seus milhões de seguidores, Patricia comemora,
sem o menor tom de ironia, a entrevista em que o protozoa moral vai
ensinar a todos nós sobre “desinformação” e “a necessidade de
responsabilizar os patrocinadores de campanhas de fake news”. A cereja
nesse bolo de lixo vem logo a seguir, num tweet da especialista em criminalidade Ilona Szabo:
“Excelente a conversa! Bravo, Patricia e Felipe!”
É
claro que a partir de agora vou sempre desconfiar da honestidade dessas
mulheres, uma das quais eu admirava, e a partir de agora vou sempre
suspeitar das forças que as propulsam. Como pode alguém que se manifesta
contra a corrupção e contra Bolsonaro não se sentir moralmente obrigada
a se distanciar de alguém que cometeu algo tão mesquinho, vil e
desonesto, e em vez de corrigir Felipe Neto, ostensivamente apoiá-lo num
momento como aquele, não só ignorando os fatos, mas fingindo que ele é
de fato um bastião da moralidade contra a produção de fake news? Que
interesses estão por trás desse tipo de camaradagem que se autoanula?
Por que alguém que vive da honra associada ao seu nome –a única riqueza
de um bom jornalista– comprometeria a própria reputação por alguém como
Felipe Neto?
Felipe também foi pego furando a quarentena para jogar futebol,
enquanto se passava por juiz da decência e espírito coletivo exortando a
todos que ficassem em casa. Os detalhes de tamanha hipocrisia são
nauseantes, e prefiro ir ficando por aqui. Causa-me desprazer ter que
tratar de pessoa cujo poder é tão diametralmente oposto ao seu valor
moral e intelectual. Mas deve ser por isso mesmo que Felipe Neto é
apoiado por tanta gente, até por quem defende o oposto do que ele
pratica –porque ele já vem com seguidores. É um culto que se compraria
pronto –os fiéis já estão ali, só vai ser preciso mudar os preceitos. E é
por isso que é importante falar dele –porque Felipe pode facilmente ser
um líder de aluguel, e facilmente transformar 40 milhões de seguidores
em eleitores.
Talvez
seja por isso que ele esteja sendo defendido até por gente respeitável.
A maior razão pra eu ter perdido esse tempo falando desse protozoa
humano é porque, se eu sobreviver à covid e a tudo que consumo em busca
da impermanência e tiver que presenciar outra tragédia vazio-populista
se abater sobre essa nação, ao menos quero ter a satisfação
schadenfreudiana de dizer: eu avisei. E a outra razão é porque, no jogo
de xadrez que virou a política de patrocinadores velados, tudo indica
que Felipe Neto é apenas um peão.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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