Como as fábricas de boatos do universo digital atraem dinheiro de publicidade e são compartilhadas sem filtros. Paula Leal para a Oeste:
As
fake news se espalham 70% mais rápido do que as informações verdadeiras
— especialmente as de conteúdo político. A constatação é do professor
da escola de negócios do Massachusetts Institute of Technology (MIT),
Sinan Aral, que conduziu um estudo em parceria com o Twitter em 2018
sobre o fenômeno das notícias falsas. A atração por mentiras e boataria
existe desde sempre. Muito antes da internet, já circulavam histórias de
que “Elvis não morreu” ou de que o homem nunca pisara na Lua. Durante a
2ª Guerra Mundial, falsas estações de rádio alemãs transmitiam no Reino
Unido comentários contra o líder nazista Adolf Hitler, produzidos por
um locutor inglês que se passava por alemão. Outro exemplo foi a
sequência de manipulação de imagens feita na União Soviética por ordem
do ditador Josef Stalin. Em uma fotografia em que o líder comunista
aparecia ao lado de três companheiros de partido, originalmente datada
de 1926, todos os membros que perdiam a simpatia pelo ditador foram
sumindo um a um, até que restou apenas uma pintura a óleo de Stalin
inspirada na imagem.
A manipulação de imagens pelos soviéticos, muito antes da era das fake news. Os “retoques” na imagem original, de 1926, foram apagando um a um os desafetos do ditador Josef Stalin. |
“Trabalhando
com a hipótese do ineditismo das notícias, percebemos que as pessoas
são atraídas por novidades. Nesse sentido, as notícias falsas têm mais
chance de parecerem realmente novas, dão a impressão às pessoas de que
elas estão tendo acesso a informações confidenciais. Percebemos que, ao
comentar notícias falsas, as pessoas expressam mais surpresa e alarme. A
notícia falsa parece mais saborosa”, observa o professor Sinan Aral em
entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
A monetização da mentira digital
Se
o apetite pelo consumo de fake news na web é voraz, já tem gente de
olho em como ganhar dinheiro com isso. Em 2016, o editor de mídia do
portal Buzzfeed, Craig Silverman, identificou uma sequência de
publicações de histórias inventadas que pareciam ter origem em uma
pequena cidade do leste europeu. “Acabamos encontrando um grupo de sites
de notícias, todos registrados na mesma cidade da Macedônia, chamada
Veles”, lembra Silverman. O editor e um colega começaram a investigar e,
pouco antes da eleição nos Estados Unidos em 2016, identificaram pelo
menos 140 sites de notícias falsas que estavam atraindo grande audiência
no Facebook. Os jovens de Veles foram seduzidos pelos ganhos por meio
da publicidade nas redes sociais — as fake news atraem cliques em
banners, gerando maior audiência e enchendo os bolsos dos criadores de
conteúdo. “Os norte-americanos adoraram nossas histórias, e nós ganhamos
dinheiro com elas”, disse um jovem macedônio, à época com 19 anos, em
entrevista ao site da BBC News. “Quem se importa se elas são verdadeiras
ou falsas?”, questionou. As eleições presidenciais de 2016 nos Estados
Unidos foram um terreno fértil para a propagação de desinformação e para
a publicação de notícias sensacionalistas. E assim não apenas os
macedônios mas também outros criadores de conteúdo deram asas à
imaginação sem filtros e, de olho no dinheiro da publicidade, passaram a
publicar histórias com manchetes como “Papa Francisco choca o mundo e
endossa Donald Trump para presidente” e “Agente do FBI suspeito de
vazamento de e-mail de Hillary foi encontrado morto em aparente
assassinato-suicídio”.
“Muitas
pessoas leem apenas o título e o começo do texto e param a leitura.
Então, desde que os primeiros dois ou três parágrafos pareçam notícias
verdadeiras, você pode fazer o que quiser no final da história e
torná-la ridícula”, explica Allen Montgomery (nome fictício), criador de
um site de notícias falsas nos EUA chamado The National Report, à BBC
News. Uma das histórias de maior repercussão do portal foi sobre uma
cidade dos Estados Unidos que teria sido isolada em razão de uma doença
mortal. Os motivos para publicar ficção em formato de notícia? “É
curioso assistir a picos de tráfego [da audiência do site] ao atrair as
pessoas para a história. Eu simplesmente acho muito divertido”, disse
Montgomery. Além, é claro, dos dividendos que sites como The National
Report ganham ao hospedar publicidade na web e captar a atenção de
leitores ávidos por conteúdos curiosos e pouco críveis.
“Hillary Clinton está morta e foi substituída por um clone”
O
festival de histórias sem pé nem cabeça ganhou ainda mais fôlego com o
aumento de buscadores alternativos de notícias na internet em que
qualquer bobagem ganha um verniz de verdade e cativa desavisados, quem
curte teorias da conspiração, ou quem quer apenas se divertir com a
criatividade alheia. Em uma rápida pesquisa é possível deparar com
pérolas como “Hillary Clinton é encontrada morta em aparente suicídio”,
diz manchete. “A ex-secretária de Estado Hillary Rodham-Clinton foi
encontrada morta em seu quarto de hotel às 18h05 por membros de sua
equipe de segurança. A causa não oficial da morte é suicídio.” A
matéria, publicada durante a campanha presidencial nos Estados Unidos em
2016 em um site norte-americano que produz sátiras e se autodenomina
para “fins de entretenimento”, informava ainda que teve acesso a uma
nota de suicídio “de fonte sigilosa”, em que Hillary confidencia que
“começou a se considerar uma ameaça à sua campanha. Ela lidou consigo
mesma como faria com qualquer outra ameaça ao seu sucesso: cometeu
suicídio. E, ao tirar a própria vida, removeu todos os obstáculos na
corrida para chegar à Casa Branca”. Outra invencionice relacionada à
ex-candidata do Partido Democrata é ainda mais bizarra: “A verdadeira
Hillary Clinton está morta desde 1998 e foi substituída por um clone”.
“Obama admite: ‘Eu sou gay!’”
Outros
personagens na mira dos roteiristas de boatos são o ex-presidente
Barack Obama e sua esposa, Michelle Obama. “Michelle Obama pede o
divórcio após revelação chocante; Barack Obama admite: ‘Eu sou gay!’”.
Outra manchete ainda mais curiosa garante: “Michelle Obama é homem” —
pipocam matérias tentando “provar” que Michelle não nasceu mulher e seu
nome de batismo seria Michael, ou, para os íntimos, “Big Mike”. Os
músculos ressaltados do trapézio e a arcada dentária provariam por A
mais B que a esposa do ex-presidente norte-americano é um transgênero.
“As armadilhas de Big Mike são muito mais desenvolvidas do que seu
modelo masculino musculoso. No entanto, são os dentes que apresentam a
evidência irrefutável de que Michelle Obama é realmente Big Mike.” Mais
surpreendente ainda é a alegação estapafúrdia de que Barack Obama teria
assumido a Casa Branca para pressionar a Suprema Corte dos EUA a
legalizar o casamento gay em todo o país e, assim, “legitimar o seu
próprio”. Afora o campo da política, há também maluquices inventadas
sobre diversos assuntos: “5 provas reais de que Michael Jackson está
vivo! Existem provas que mostram que a morte de Jackson foi uma farsa
coreografada por algum motivo.” O ator Robert De Niro teria se envolvido
numa tentativa de assassinato contra a ganhadora do Nobel da Paz Malala
Yousafzai. A aids e o ebola teriam sido inventados pela CIA. Há até
quem jure de pés juntos que a China construiu uma base secreta na Lua
para espionar o resto do mundo. E por aí vai.
A perda de credibilidade da imprensa e o papel das big techs
Com
a massificação das redes sociais, circulam cada vez mais informações
que não são apenas incompletas ou imprecisas, mas totalmente inventadas.
Mesmo sites como The National Report, que expressamente avisa seus
leitores de que se trata de uma publicação de sátiras, que “podem ou não
usar nomes reais e fazer ficção”, não impede que muitas vezes o
conteúdo seja compartilhado como se verdade fosse, atraindo leitores
mais propensos a aceitar relatos com base em suas emoções do que em
fatos. Essa realidade paralela de conteúdos absurdos ganha ainda mais
força com a perda de credibilidade e o declínio da imprensa tradicional.
“Está difícil confiar até no horóscopo que sai publicado em alguns dos
maiores jornais e revistas do Brasil. Tudo foi politizado ao extremo”,
alerta Dagomir Marquezi, colunista da Revista Oeste. Curiosamente, o
trabalho jornalístico, que poderia ser uma poderosa arma contra notícias
falsas, está na berlinda, com seu prestígio em queda livre há algum
tempo. A nova “era da informação” é marcada por um modelo “todos para
todos”, no qual qualquer pessoa pode produzir e compartilhar conteúdo em
qualquer lugar do mundo. Se por um lado a democratização da comunicação
propicia o surgimento de uma mídia mais plural, por outro é muito mais
difícil de ser controlada.
No
que diz respeito a controle, o Google e as demais big techs são alvo de
críticas justas e bem fundamentadas em razão do viés de esquerda que
impregna o buscador e as mídias sociais. Agora, somam-se a essas
plataformas as agências de checagem, que ganharam o poder de escolher o
que pode circular nas redes. Recentemente, a Revista Oeste foi alvo do
tribunal de fact checkers: depois de ter duas reportagens classificadas
como fake news pelas chamadas “agências de checagem de fatos”, a Oeste
ingressou com ação judicial para exigir as devidas reparações. Trata-se
da primeira ação do tipo no Brasil. Inicialmente, é difícil compreender
por que, com todo o arsenal de baboseiras disponíveis a um clique, as
agências foram selecionar logo um conteúdo verdadeiro produzido por um
veículo jornalístico profissional. Mas, quando se explica que agências
de checagem como Aos Fatos e Lupa são abastecidas com verbas do Facebook
e do Google, fica mais fácil entender que os “verificadores de
notícias” estão muitas vezes mais preocupados em atender aos interesses
de quem os financia do que na veracidade dos fatos.
Enquanto
isso, somos bombardeados com uma avalanche de informações diariamente.
Mesmo que as big techs se esforcem para reduzir a propagação de notas
com origem em fabriquetas de boatos, é impossível mediar todo o conteúdo
despejado na internet. Além disso, como vimos, muito conteúdo falso é
promovido porque atrai audiência e, em consequência, dinheiro de
publicidade. Será preciso alterar a lógica dos algoritmos gerenciados
pelas redes sociais que servem a seus usuários com desinformação, e
evitar anúncios em páginas que repercutem mentiras. Tudo fica ainda mais
difícil quando se sabe que esses gigantes da tecnologia optaram por
oferecer mais exposição a conteúdos ditos progressistas, que 98% de suas
doações destinadas a campanhas políticas nos Estados Unidos vão para o
Partido Democrata, e que a censura escancarada tem freado o avanço do
pensamento conservador. Sim, são fatos, não são fake news. Uma boa dose
de ceticismo para mergulhar no universo digital é mais do que
recomendável, é obrigatória.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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