O Brasil está perfeitamente virado do avesso: os ladrões condenados na banca dos juízes e os juízes no banco dos réus. Fernão Lara Mesquita:
Antigamente,
quando se aprendia na escola os teoremas básicos da matemática e da
trigonometria, essas verdades fundamentais eram batizadas com o nome do
sábio que, pela primeira vez, as tinha demonstrado como tal e, ao fim
dessa demonstração, fechava-se a lição com a sigla “c.q.d.” (“como
queríamos demonstrar”), tradução do “quod erat demonstrandum”
(greco)latino dos tempos de escolas mais cultas.
Com
a revogação, quarta-feira, da prisão de Eduardo Cunha e a confirmação
de Renan Calheiros como juiz supremo do “estado democrático de direito”
do STF fecha-se o círculo. O Brasil está perfeitamente virado do avesso:
os ladrões condenados na banca dos juízes e os juízes no banco dos
réus.
Ha
quem estranhe a volubilidade dessa imprensa que hoje abraça o ladrão da
Transpetro depois de tê-lo apedrejado. Eu não. Se Átila, O Huno, se
alistasse amanhã para o linchamento de Jair Bolsonaro também ele se
converteria imediatamente em herói do “estado democrático de direito”
que o STF não eleito, a esquerda derrotada na eleição e os jornalistas
que se alinham automaticamente a eles prescrevem para o Brasil. E nem
isso faria os herdeiros da imprensa brasileira entenderem que estão
fabricando a corda com que serão enforcados…
É
verdade que Bolsonaro fornece todas as inestimáveis desculpas para o
comportamento dessa imprensa na questão da pandemia. Mas isso não vem ao
caso pois se não fornecesse dava no mesmo, como prova a questão do meio
ambiente. Nenhum fato pode convencer os lobos que juraram esse cordeiro
de morte a não destroçá-lo a dentadas levando junto o Brasil, nem que
sejam fatos bastantes para convencer Joe Biden.
As
represálias do patrulhamento ideológico, uma vez contadas como certas,
têm o efeito de uma bomba de nêutrons: passam a matar a verdade e a
dignidade humana antes mesmo de serem disparadas de novo. E se isso é
verdade em qualquer lugar, muito mais ainda no Brasil onde a política é
uma espécie de abcesso fechado em si mesmo, que encerra na mesma bola de
pús, dos monocratas do STF até o limite inferior da privilegiatura onde
se aloja diretamente ou por interposto nepote grande parte da
militância que as redações abrigam.
Pendurado
no corpo do favelão nacional, o abcesso é cada vez mais independente
dele. O Brasil ainda elege o presidente da República, os deputados e os
senadores que o abcesso engendra em função dos seus processos
inflamatórios internos inacessíveis ao comum dos mortais, mas eles estão
reduzidos estritamente ao direito de mamar. Os 11 monocratas não
eleitos anulam os seus atos e fazem deles e dos eleitores deles gato e
sapato sem que ninguém retruque com um gemido sequer.
Se
conseguiram isso com o que restava da classe média meritocrática
desfilando sua indignação nas ruas do país inteiro – coitada! – e com
quase 58 milhões de votos expressamente dados CONTRA o maior assaltante
de todos os tempos, segundo a descrição do Banco Mundial, imagine do que
não serão capazes se, conforme a encomenda, o STF conseguir enfia-lo de
novo na Presidência com a eleição sem recibo!
O
mundo já entendeu, e não quer pagar pra ver. É isso que explica a
debandada das multinacionais que apostaram no Brasil nos últimos 100
anos, e não, obviamente, a estupidez – por monumental que seja – de um
governo que tem só mais um ano e meio de mandato.
A
parada que se joga no Brasil pretende durar bem mais que isso. Desde
que desistiu de tomar o poder a tiro, como tomou em todos os lugares
onde ainda permanece nele sozinha, e decidiu-se a agarrá-lo pelo voto, a
esquerda antidemocrática, no seu pragmatismo amoral e no profundo
conhecimento que tem do que há de pior na natureza humana, logo se deu
conta de que é a imprensa que pauta a política e não o contrário. Depois
de confirmar, por ensaio e erro, que o político chinfrim como são
99,999% dos que vivem de seduzir multidões, faria e diria sempre aquilo
que sabe que rende manchetes, concluiu que tomar os postos que
determinam o que vira e o que não vira manchete é que é o “Abre-te
Sésamo” da Caverna do Poder.
O
ser humano comum, desprevenido das regras do jogo do poder, na sua
ingenuidade, é que confunde as coisas devaneando sobre a moral e o livre
arbítrio, sem se dar conta de que essas expressões não tratam do que
existe, tratam do que deveria existir, estando portanto no território da
ética e não no da realidade. Quer dizer, moral e livre arbítrio não
mandam no jogo, servem apenas para inspirar uma engenharia institucional
que favoreça que assim seja, exatamente porque sem esse tipo de
empurrão, mantida a lei da selva, não chegarão sequer a influencia-lo
jamais.
Era
disso que falava Joseph Pulitzer (1847-1911), o primeiro a entender
completamente a função institucional da imprensa num sistema
republicano. Foi só quando, graças a ele, o foco da americana desviou-se
da luta suja das facções pelo poder para alinhar-se ao interesse do
povo de governar o governo que foi possível induzir as reformas da
virada do século 19 para o 20 (viés antitruste + ferramentas de
democracia direta) que empurram a democracia deles para o estado de
plenitude em que viveu até meados dos anos 80 de que a humanidade começa
a sentir dolorosas saudades.
Pulitzer
dizia que “É impossível matar mesmo uma democracia muito imperfeita se
sua imprensa estiver minimamente saudável”, e que, assim, “se uma
democracia estiver dando sinais irreversíveis de que está caminhando
para a morte é porque sua imprensa já tinha morrido antes dela” e
afirmava que “nossa Republica e sua imprensa vão se consolidar ou
desaparecer juntas” e que, portanto, “o poder de moldar o futuro da
democracia estará nas mãos dos jornalistas das próximas gerações”. Mas
advertia que “uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta
formaria, com o tempo, um público tão vil como ela mesma”.
Pois aí está, c.q.d….
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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