Mas a profusão de suspeitas de negligência em torno de sua morte acrescenta uma dimensão a mais na melancólica história de decadência. Vilma Gryzinski:
Nenhum ídolo morre de causas naturais na Argentina.
Aliás, em outros lugares do mundo, mortes repentinas de celebridades sempre são acompanhas de teorias conspiratórias.
Mas
em nenhum outro país é tão poderosa a confluência de ídolos ceifados
prematuramente, comoção nacional, funerais dramáticos, culto aos mortos e
suspeitas que nunca se desfazem.
De
Eva Perón, levada pelo câncer aos 33 anos e, depois de morta,
transformada em objeto de tétricas disputas, a Alberto Nisman, o
promotor que se suicidou ou foi suicidado, os mortos continuam a falar
por muito tempo.
Com esse pano de fundo, Diego Maradona ainda terá muito a dizer.
O
que já foi constatado sobre seus momentos finais é uma tristeza. O arco
de patifarias vai desde as fotos que funcionários terceirizados da
funerária tiraram ao lado do corpo até o descontrole que aconteceu
durante o velório na Casa Rosada, com troca de acusações políticas entre
o governo federal e a prefeitura de Buenos Aires, de oposição.
Sob
sigilo, fontes do governo de Alberto Fernández queixaram-se que a culpa
pelo tumulto foi da primeira mulher de Maradona, Claudia Villafañe, ao
insistir que o corpo deveria ser enterrado na tarde seguinte à morte,
sem tempo para que todos da multidão o vissem.
Culpar a viúva consegue inaugurar um capítulo novo na história das vilanias.
Piores
são as dúvida que se acumulam sobre o tratamento médico, formando um
quadro de suspeitas de negligência por ação ou omissão.
Maradona
recebeu alta prematura do hospital onde fez cirurgia para um hematoma
subdural? Não teve as intervenções médicas necessárias? Teve o
atendimento devido da equipe de enfermagem domiciliar? Levou um tombo e
bateu a cabeça do lado oposto ao da operação? Foi negligenciado em suas
últimas horas de vida?
O jogador com certeza resistia aos tratamentos e controles obrigatórios depois da cirurgia
“Diego
odiava os médicos, mas comigo era autêntico”, disse seu médico pessoal,
Leopoldo Luque, que circulava na esfera dos amigos e dos “amigos” que
cercavam o jogador, instigando-o a ceder aos muitos vícios que
destruíram sua vida ou sem capacidade de se opor a eles.
“Ele tinha autonomia e decidia o tempo todo”, garantiu o médico, agora sob investigação por suspeita de homicídio culposo.
“Era muito difícil, me expulsou um monte de vezes de sua casa. Expulsava e depois chamava de volta.”
Como obrigar um paciente rebelde a receber tratamento? Luque diz que não tem as respostas.
“Eu pedia que se levantasse para receber as filhas, mas ele não queria receber as filhas”.
Outro
amigo antigo disse que o entorno de Maradona, antes da operação, o
estimulava a beber justamente para impedir os contatos – e a possível
intervenção – das filhas mais velhas. Quando chegavam para visitar o
pai, ele já estava desabado no quarto, com o celular desligado.
“Não
restam dúvidas para elas de que o responsável pelos cuidados médicos
era Leopoldo Luque”, contrapôs uma fonte ligada às filhas sobre o
depoimento delas aos promotores que investigam o caso. Um detalhe que
chamou a atenção: elas notaram que o pai estava muito inchado,
“principalmente na barriga e nas pálpebras”.
As
filhas assinaram a alta do pai, contrariando a recomendação da Clínica
Olivos, onde ele fez a cirurgia neurológica. O hospital propunha
internação em local especializado em tratamento para dependentes de
álcool.
A
relação com Dalma e Giannina, filhas do primeiro casamento, era
tumultuada. Maradona chegou a gravar um vídeo anunciando que deserdaria
as duas.
“Maradona
não estava em condições de decidir. Estava há três dias trancado no
quarto ”, garante Rodolfo Baqué, advogado da auxiliar de enfermagem
Dahiana Madrid.
A
auxiliar conseguiu apenas uma vez fazer controles mínimos como tirar a
pressão e contar os batimentos cardíacos. Ou pelo menos é o que diz.
Segundo Dahiana, o cuidador do turno da noite chegou a registrar que Maradona estava com 115 batimentos por minuto.
“Todos
sabemos que pacientes cardíacos não podem passar de 80”, disse o
advogado dela. “O corpo de Maradona estava avisando que havia problemas
com a frequência cardíaca e não foi ajudado nem sequer com os remédios
que os pacientes cardíacos tomam para manter a frequência em 80”.
Dahiana
já mudou seu depoimento, dizendo que ter registrado que havia tirado os
parâmetros médicos habituais no dia da morte de Maradona, sem que na
realidade tivesse conseguido acesso para fazê-lo, por sugestão de seu
chefe no serviço de atendimento domiciliar.
Uma
fonte ligada aos promotores do caso já antecipou: “Depois dos primeiros
cinco dias de investigação, pelo que vimos a condução era absolutamente
negligente. Era uma internação domiciliar totalmente deficiente. Um
descontrole total e absoluto”.
É comum dizer sobre alguém que morre depois de uma trajetória de excessos que viveu a vida que quis, do jeito que quis.
Na
verdade, os dependentes vivem a vida como as substâncias de seu vício
querem. É uma trajetória destrutiva e cruel. Michael Jackson, Prince,
Amy Winehouse, Whitney Houston, entre os mais famosos, são uma triste
comprovação disso.
Ainda
no hospital onde fez a cirurgia neurológica, o jogador perguntou o que
fariam se fossem Maradona, segundo contou ao Infobae um integrante de
seu círculo íntimo.
Um deles respondeu: “Não gostaria de ser Maradona nem por um minuto”.
“Viram só?”, respondeu ele. “Isso acontece comigo todos os dias”.
“Estou cansado, gostaria de tirar umas férias de ser Maradona”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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