Não pretendia voltar a falar do Foro de São Paulo, mas, já que boa parte
da imprensa insiste em mentir sobre o tema, sinto-me no dever de
restituir a verdade aos leitores, já adiantando que o próximo artigo
também será dedicado à tarefa. Coluna de Flávio Gordon, via Gazeta do Povo:
“Passados esses 18 anos, ou melhor, vamos pegar 14 anos atrás. Nós
fizemos uma pequena revolução democrática na América do Sul e na América
Latina. Eu, por exemplo, conheci o [Fidel] em um encontro que fizemos
em Cuba. Tinha acabado de ser preso por conta do golpe e acabado de ser
liberado. Conheci o Chávez em um encontro do Foro de São Paulo, como
conheci também o Daniel Ortega, como conheci tantos companheiros da
Argentina, do Chile, do Uruguai, do Paraguai, da Bolívia, do Equador, da
Venezuela, da Colômbia. Qual é a mudança que houve nesses 18 anos?
Olhem o mapa da América do Sul hoje. O que aconteceu na América do Sul é
um fenômeno político que, possivelmente, os sociólogos levarão um tempo
para compreender, porque aconteceu tão rápido a mudança que houve, uma
mudança extremamente importante.” (Luiz Inácio Lula da Silva, discurso
de encerramento do Encontro de Governadores da Frente Norte do Mercosul,
6 de dezembro de 2007)
Não pretendia voltar a falar do Foro de São Paulo, mas, já que boa
parte da imprensa insiste em mentir sobre o tema, sinto-me no dever de
restituir a verdade aos leitores, já adiantando que o próximo artigo
também será dedicado à tarefa. A mentira básica, mil vezes repetida, é
aquela que discuti no artigo da semana passada, a saber: que a entidade
jamais passou de um inócuo fórum de debates, e que ver nela qualquer
relevância política, ou alertar para a malignidade do seu projeto, é
coisa de teóricos da conspiração.
Esse foi, por exemplo, o teor de uma matéria recente do Estadão, que
convidou um daqueles típicos “especialistas” midiáticos, sempre tão
dedicados a proteger o consenso dos bem pensantes, para desencorajar os
leitores a se aprofundar no assunto, resumindo tudo a esta conclusão
peremptória: “O Foro de São Paulo como bloco, como um lugar de gerar
iniciativas, de definir pautas, com eficácia a atuação política, sempre
foi muito mais simbólico… Não é que ele foi esvaziado agora ou antes,
ele é justamente o que o nome diz, é um foro. Os líderes gostam de
participar, é como se fosse um congresso de pessoas que pensam mais ou
menos igual, que têm objetivos comuns, mas nunca foi nada além disso.
Muito do que se coloca para além dessas questões são teorias
conspiratórias”.
Excluindo, por ora, os setores mais corruptos da imprensa – que
trabalham ativamente com desinformação, e que têm no acobertamento do
Foro uma missão política a cumprir –, mesmo veículos e jornalistas mais
sérios tendem a concluir pela inocuidade da entidade, com base numa
atenção exclusiva aos seus encontros anuais, a sua face mais visível.
Nos tempos longínquos em que denunciava o PT, a própriaVeja produziu uma
curta videorreportagem sobre um desses encontros, ocorrido em
Montevidéu no ano de 2008. Intitulado “Foro de São Paulo: o encontro dos
dinossauros”, o material pretendia-se crítico, mas acabou se mostrando
benevolente, ao retratar uma tediosa reunião de velhos militantes de
esquerda, inofensivos em sua embolorada retórica anti-imperialista,
dignos não da indignação, mas da misericórdia do público. Afinal, os
dinossauros foram extintos, e quem teria medo de um punhado de fósseis
ideológicos, não é mesmo?
Ocorre que tentar compreender o que é o Foro de São Paulo
considerando apenas os seus encontros anuais – cujo público é
majoritariamente formado pela arraia-miúda da militância – é o mesmo que
tentar compreender o que é uma universidade olhando para a fachada de
um dos seus prédios. Definitivamente, os encontros anuais do Foro não
são o Foro. O Foro é, por assim dizer, tudo aquilo que acontece no
intervalo dos encontros, nas conversas de bastidores e acordos privados
entre os tubarões da entidade. Tubarões como Lula, Fidel, Chávez,
Maduro, Kirchner e Morales, que, ao chegarem ao poder em seus
respectivos países, começaram a pôr em prática, de maneira constante,
estratégica e sempre articulada, o seu projeto comum e continental de
poder, um projeto que, como nunca antes, fundiu a política com o crime
(corrupção, narcotráfico e terrorismo) – e é esta, no fim das contas, a
definição mais precisa do Foro de São Paulo.
Sem levar em conta esse projeto, é simplesmente impossível decifrar
certas decisões e atitudes dos dirigentes dos países-membros, que só no
conjunto se esclarecem, como uma peça de um vasto quebra-cabeça
geopolítico. Sabemos hoje, por exemplo, as razões do empenho da então
presidente argentina Cristina Kirchner em interferir nas investigações
para encobrir a participação iraniana no atentado terrorista contra a
Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), que, em 1994, matou 85
pessoas e feriu outras centenas na capital argentina. Como mostra o
jornalista Leonardo Coutinho no livro indispensável que mencionei no
artigo anterior, o acobertamento fazia parte de um acordo sigiloso de
cooperação nuclear entre Kirchner e Ahmadinejad, que buscava avançar o
seu programa nuclear com fins belicistas. Com mediação e participação de
Hugo Chávez – um notório antissemita, fã declarado do regime dos
aiatolás, e a quem Ahmadinejad foi pessoalmente pedir ajuda –, o acordo
envolveu toda sorte de crimes, incluindo o trânsito ilegal (burlando o
direito internacional) de dinheiro, equipamentos, produtos químicos,
armamentos e tecnologia entre os três governos, nos moldes tradicionais
do crime organizado, via empresas de fachada e lavagem de dinheiro. Como
se sabe, as investigações sobre a participação de Kirchner na trama
culminaram no assassinato do promotor Alberto Nisman, que, justo às
vésperas de apresentar os resultados de seu inquérito no Parlamento
argentino, “suicidou-se” em seu apartamento (segundo a versão oficial).
Sem olhar para as “ações entre companheiros” tramadas no âmbito do
Foro de São Paulo – para usarmos a descrição do próprio Lula –, seria
impossível também compreender alguns fatos cujos detalhes foram
revelados pela Operação Lava Jato, a exemplo da construção do Porto de
Mariel, em Cuba. Com o objetivo declarado de fortalecer a ditadura
comunista dos irmãos Castro, o empreendimento resultou de um pedido
direto de Hugo Chávez a Emilio Odebrecht e contou, evidentemente, com o
aval e a mediação de Lula, que interveio junto ao BNDES para que fosse
liberado um generoso empréstimo de quase US$ 700 milhões. Para garantir a
concessão do dinheiro a juros muito abaixo do mercado, Lula ignorou uma
série de pareceres técnicos que afirmavam a inviabilidade do negócio,
em tudo prejudicial aos interesses do Brasil. Como prova adicional do
caráter espúrio do acerto, decretou-se sobre o empréstimo um sigilo que
deveria durar até o ano de 2027.
Também a construção da Refinaria Abreu e Lima – símbolo máximo da
interferência de Hugo Chávez nos assuntos brasileiros – é prova
inconteste de que, para as suas lideranças, os objetivos estratégicos do
Foro sempre prevaleceram sobre os interesses nacionais. Projetada com
um custo inicial de US$ 2,3 bilhões, a obra foi parcialmente concluída
com sete anos de atraso, um custo final 20 vezes maior, e processando a
metade da quantidade prevista de barris de petróleo. Tudo não passava de
um desejo pessoal de Chávez, prontamente atendido pelo companheiro
Lula, mesmo que para isso precisasse sacrificar o erário brasileiro. E,
com efeito, a parceria estimada entre a Petrobras e a petrolífera
chavista PDVSA, que deveria arcar com 40% dos custos, terminou sem que
os venezuelanos pusessem um dólar sequer no empreendimento. Coube
inteiramente ao Brasil arcar com o prejuízo da refinaria mais cara e
ineficiente do mundo.
Poderíamos citar, ainda, a trama entre Lula e Evo Morales para, em
2006, expropriar as refinarias da Petrobrás na Bolívia, causando ao
Brasil um prejuízo de R$ 1,5 bilhão. “O Evo me perguntou: ‘como vocês
ficarão se nós nacionalizarmos a Petrobras’. Respondi: ‘o gás é de
vocês’” – confessou Lula em 2015, tratando um patrimônio do Estado
brasileiro como propriedade particular a ser distribuída entre os
coleguinhas de Foro. Na época, a imprensa brasileira (hoje
obsessivamente atenta a todas as palavras ditas pelo presidente da
República) não viu nada de mais na confissão, e, desviando o olhar, deu o
assunto por encerrado. São muitos, enfim, os exemplos de alta traição à
pátria cometidos pelos cabeças do Foro de São Paulo contra os seus
países. E, por ora, ainda nem chegamos a abordar o lado mais obscuro e
sinistro da entidade, que fez do narcotráfico e do terrorismo
internacional ferramentas para a construção da hegemonia política. Será
esse o tema do artigo da semana que vem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário