Ou existe tomate do jeito que ele é na vida real, com defensivos
agrícolas, ou não existe tomate. Coluna de J. R. Guzzo, edição impressa
de Veja:
Todo mundo sabe o que é um tomate. Ou melhor, falando uma linguagem
mais científica: grande parte dos 7 bilhões de habitantes do planeta,
talvez a maioria, sabe o que é um tomate. O que bem menos gente sabe é
que o tomate é também um dos vegetais que mais recebem defensivos
químicos em toda a agricultura mundial — ou “agrotóxicos”, como diz o
universo ecológico brasileiro. Não muitos, enfim, sabem que os melhores
tomates do mundo são cultivados na área do vulcão Vesúvio, vizinha a
Nápoles, na Itália (pelo menos na opinião praticamente unânime dos
italianos). O tomate dali é maravilhoso, mas não é mágico. Recebe
toneladas de defensivos agrícolas todos os anos, sem falar de
fertilizantes, produtos para aumentar o rendimento das culturas e
intervenções genéticas de última geração. Os napolitanos não fazem isso
porque gostam de gastar dinheiro com “agrotóxicos”, mas porque, se não o
fizerem, os seus tomates morrerão. E aí: o que seria da pizza? E do
molho al sugo? E do ketchup?
O problema não seria só com a pizza de Nápoles e do resto da Itália.
Sem tomate iria acabar, do mesmíssimo jeito, a pizza da Mooca, de São
José dos Ausentes e da Groenlândia, porque ninguém ainda descobriu como
seria possível cultivar tomates, em volume que faça algum sentido, com a
ação natural das abelhas, trato de algas marinhas e outras lendas
presentes no aparelho mental da população naturalista, orgânica, vegana,
e por aí afora. Você decide, então: ou existe tomate do jeito que ele é
na vida real, ou não existe tomate. A lógica comum diria que é melhor
deixar os tomates quietos, como eles estão — mesmo porque, ao que se
sabe, pouquíssima gente morre neste mundo por comer a macarronada da
mamma. Mas vá você dizer isso a um combatente a favor da alimentação
natural e contra “o veneno na minha comida”. Será acusado de ser um
“defensor do agronegócio”, da “indústria química”, da “ganância”, do
“lucro” e daí para baixo. Mais: vai ser carimbado como retrógrado,
fascista e inimigo da saúde humana em geral.
Não se trata de uma questão só de tomates. O trigo e a soja, o arroz e
o feijão, o milho e a batata, e todos os alimentos produzidos em massa
na face da Terra têm de receber hoje montanhas de produtos químicos para
sobreviver — ou é assim ou desaparecem. O problemão, nesse caso, é como
alimentar na prática os 7 bilhões de cidadãos citados acima. Não
apareceu até agora uma única resposta coerente para isso. O que existe
mesmo, no mundo das realidades, é a seguinte opção: ou você alimenta as
pessoas ou alimenta as pragas. Pior ainda, quem vai levar na cabeça são
os mais pobres, pois a maioria da população global é constituída de
pobres — e, por eles serem muitos, criam o incômodo de consumir mais
comida que todas as classes médias, altas ou altíssimas do mundo
somadas. São eles os que vão comer menos — até porque não têm dinheiro
para comprar sua janta nas lojas “biô”, orgânicas ou naturalistas do
Leblon.
Nunca houve tanto agronegócio no mundo. Nunca se consumiram tanta
carne, frango e outras proteínas básicas. Nunca houve tanto alimento
para o homem — e nunca se produziu e vendeu tanto produto artificial
para o campo. Ao mesmo tempo, jamais a população do planeta foi tão
grande como hoje. Nem tão bem alimentada, até por questões legais — uma
Volkswagen, por exemplo, é obrigada por lei a oferecer pelo menos dois
tipos de proteína em seus refeitórios, no almoço e no jantar, todos os
dias. Só consegue cumprir a lei se acha frango e boi em quantidade
suficiente — e para isso frangos e bois têm de engordar cada vez mais
depressa, o que é impossível sem hormônios, rações com componentes
químicos, vacinas. Milhares de outras empresas brasileiras precisam, por
lei, fazer exatamente a mesma coisa — ou os fiscais vão lhes socar em
cima uma quantidade de multas capaz de levar até o Google à falência.
Como fica, então? Se estivessem pondo “veneno” na comida, você iria
ver gente caindo morta na sua frente em cada esquina, todo dia. Em vez
disso, a população só aumenta. É óbvio que o uso da química, biogenética
e outras tecnologias na agricultura é uma questão de doses certas,
produtos de qualidade, mais segurança quanto aos seus danos potenciais à
saúde, mais competência no manejo. Mas nunca, também, houve progressos
tão espetaculares na melhoria científica dos adubos, pesticidas,
transgênicos e tudo o mais que se põe nas lavouras. São os fatos. A
alternativa é voltar à Idade da Pedra, quando a alimentação era 100%
natural — e o sujeito precisava ter uma sorte do cão para chegar vivo
aos 30 anos de idade.
Publicado em VEJA de 21 de agosto de 2019, edição nº 2648
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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