Com a greve a decorrer, o dr. Costa imaginou que ficaria bem no papel de
Churchill, a decidir os destinos da Terra a partir dos “war rooms”.
Imaginou mal. A implacável coluna semanal de Alberto Gonçalves no Observador:
1. Não tenho grande simpatia pelo acto da greve, nem grande
compreensão pelo respectivo princípio. Se uma pessoa não se sente
devidamente recompensada no “seu” emprego, é livre de procurar outro.
Até porque, delírios marxistas e legislativos à parte, o “seu” emprego
depende do interesse do empregador, seja este público (valha a verdade, o
empregador público está sempre interessadíssimo) ou privado. Dito isto
(também não tenho grande estima pela expressão “dito isto”), não comento
as razões dos motoristas de camiões com combustível, dos sindicatos dos
motoristas e dos patrões dos motoristas. Apenas informo que detesto
gengibre, e que nem por isso sonho em prender as criaturas que o
produzem (aquilo produz-se ou nasce feito?).
2. Com semanas de avanço, um secretário de Estado qualquer já apelava
ao abastecimento dos carros e ao pânico geral. Ao antecipar a
possibilidade de greve, o governo conseguiu antecipar os efeitos da
dita: dois ou três dias antes da data marcada já havia postos sem
combustível. O socialismo não é só má-fé, saque, corrupção, dissimulação
e demagogia: em situações sérias, também exibe uma considerável dose de
incompetência. Para o ano, desculpem a analogia e o agouro, o PS vai
prevenir os fogos através da terraplanagem das florestas.
3. Com a greve a decorrer, o dr. Costa imaginou que ficaria bem no
papel de Churchill, a decidir os destinos da Terra a partir dos “war
rooms”. Imaginou mal. Mesmo com o auxílio dos “media” subservientes e da
população apática, o dr. Costa acabou a representar a personagem do
régulo tropical que de facto é. Num ápice, estava a decretar serviços
mínimos e requisições civis, a ameaçar desobedientes com prisão e a
concluir – de modo extraordinário para um país tecnicamente europeu,
admito – que “em democracia não há direitos absolutos”. O que não
costuma haver em democracia é governantes como o dr. Costa, que além de
prepotente é limitado. A rábula do “chefe implacável” apenas serviu para
motivar os motoristas e agravar o conflito, com eventuais custos para
todos nós. Dado o discernimento do eleitor médio, é igualmente possível
que a rábula tenha angariado uns votos, incluindo entre os que vão pagar
a despesa.
4. Cada uma no seu estilo próprio, as reacções dos partidos à crise
dos combustíveis foram um mimo. A extrema-esquerda provou pela enésima
vez na História o gigantesco embuste do seu “humanismo”. O PCP, aflito
com a perda de protagonismo a que a aliança parlamentar o forçou (hoje a
CGTP é um gatinho amestrado, e não tarda o sr. Arménio tem de procurar –
o diabo seja cego, surdo e mudo – trabalho), já aparece a condenar
greves de forma explícita. O BE, com a vasta hipocrisia a que nos
habituou, finge levemente discordar da requisição civil para concordar
com o PS e apelar à concórdia universal – ou, como disse a dona Catarina
durante os incêndios de 2017, “que venha a chuva”, para o BE escapar
entre os pingos. O CDS, coerente com o CDS remoto (o actual não se sabe o
que é), aproveitou para recomendar uma revisão da lei da greve que
ninguém aprovaria. E o PSD aproveitou para não dizer nada, ou quase
nada. Parece que o dr. Rio, ou alguém por ele, avisou que o PSD não se
mete em polémicas. Este PSD, acrescento, não se mete sequer em
políticas. Talvez a nova direcção tenha decidido transformar o partido
num centro de reflexão, onde se pensa o sentido da existência e as
melancias sem sementes. Não sei. Sei que, a continuar a pairar acima da
suja realidade, o PSD arrisca-se, a partir de Outubro, a deixar de ser
visto sem ajuda de um telescópio.
5. O prof. Marcelo falou em três ocasiões sobre a greve. Da primeira,
esclareceu que atesta o depósito após cada viagem. Da segunda, ameaçou
os motoristas com a ira popular. Da terceira, tipicamente de cuecas na
praia, garantiu que não faria comentários. Eu tinha alguns comentários a
fazer. Infelizmente, o artigo 328º do Código Penal promete cadeia para
quem injuriar o presidente da República. Dado que o prof. Marcelo é o
presidente desta república, opto pelo silêncio.
6. Os “media” serventuários do poder procederam à glorificação do
governo, à condenação dos grevistas e à destruição de carácter do
porta-voz do sindicato (“é de desconfiar muito de quem confia na
liderança do advogado Pardal Henriques”, escreveu o director de um
falecido diário, conhecido por confiar na liderança do eng. Sócrates e,
hoje, na do dr. Costa). O Observador descobriu que o porta-voz dos
patrões dos motoristas é um moço de recados de PS, que lhe retribui com
nomeações e “fundos” públicos.
7. O caminho para a Venezuela, anunciado em finais de 2015, não se
faz de um dia para o outro. Conforme reza um cliché “poético”, tão
repulsivo que quem o repete devia ser flagelado com um varapau, o
caminho faz-se caminhando. E as longas caminhadas de socialistas e
comunistas já mostram avanços notáveis. Para já, dois motoristas foram
notificados (ou detidos?) pelo crime de desobediência, e a tropa viu-se
convocada a tomar partido e auxiliar empresas privadas. É uma amostra do
que acontece quando o socialismo do dr. Costa pressente sarilhos e
passeia autoridade. É natural que nos estados democráticos o Estado
tenha o monopólio da violência. Não é natural nem democrático que o PS
tenha o monopólio do Estado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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