Em seu "tijolão" desta semana, o cronista Carlos Ramalhete comenta, na Gazeta do Povo, os estrebuchos da "ativista ambiental" Greta Thunberg, a adolescente que quer mudar o mundo à força. A garota já foi chamada aqui,
por outro articulista, de figura "sinistra". É, de fato, uma
aborrescente, e, como observa Ramalhete, "a única coisa boa da tal
adolescência é que ela passa":
A única coisa boa da tal adolescência é que ela passa. Na verdade,
ela simplesmente não existe: inventou-se a adolescência no século
passado, quando pela primeira vez passou a ser relativamente normal – ao
menos nos países mais ricos – começar a trabalhar em tempo integral e a
se casar mais tarde. Notemos que a parte, digamos, biológica da
adolescência sempre existiu: do começo da puberdade até que os hormônios
se acalmem, as emoções sempre estiveram à flor da pele, a capacidade de
aprendizagem sempre deu um salto, o corpo sempre passou pelas mesmas
desajeitadíssimas fases. O que é novidade é tratar esse período como um
período à parte, situado a fórceps entre a infância e a idade adulta. Há
algum (pouco) sentido nisso, como há algum sentido em falar, por
exemplo, do climatério feminino. Este, contudo, não se tornou uma
máquina de dar dinheiro a corporações gigantes, ao mesmo tempo fazendo
sofrer as multidões de “afetados” pelo estranho fenômeno e suas famílias
inteiras. Já a adolescência, de sua invenção para cá, tornou-se
verdadeira chaga no mundo.
Neste texto fico com dois exemplos, convenientemente situados na
gringa, onde ninguém me lê. Assim cada um dos meus poucos leitores pode
procurar exemplos próprios. O primeiro deles é alguém que usa essa noção
de adolescência como arma. Alguém que, em qualquer momento entre o
surgimento do homo sapiens e o começo do século passado, seria
considerada simplesmente uma mulher jovem, uma moça pronta para casar:
Greta Tintin Eleonora Ernman Thunberg, de 16 anos de idade, a ativista
que quer que os demais aborrescentes do mundo matem aulas às
sextas-feiras para protestar contra as mudanças climáticas. Duas, e
apenas duas, são as suas armas: a primeira é o seu diagnóstico como
pertencente ao espectro do autismo, que a faz mais ou menos
“café-com-leite”. Afinal, falar mal dela é falar mal de alguém que “tem
um problema”. Deixo de lado a questão de se estar situado no espectro do
autismo é ou não um problema. Eu mesmo assim fui diagnosticado
molequinho ainda, e não me tirou pedaço algum. Diria eu que é um modo de
ser, um modo de estar no mundo como qualquer outro. Mas o fato é que a
moça usa e abusa de seu diagnóstico: sua autodefinição no Twitter é “16
year old climate activist with Asperger”, “ativista de dezesseis anos de
idade com [síndrome de] Asperger [hoje mais comumente chamada ‘autismo
de alto desempenho’].
Sua outra arma tem mais importância no contexto deste texto: suas
trancinhas infantis. Dei-me ao trabalho de fazer uma busca de imagens
dela, e a esmagadora maioria a apresenta com trancinhas. Das duas em que
ela está sem elas, uma a apresenta com um igualmente infantil arquinho,
e na outra a moça usa um vestidinho perfeito para uma primeira comunhão
que poderia ter sido feita aos sete anos de idade. Sua aparente
infantilidade – ou antes infantilismo – é uma arma potente. É, todavia, a
ideia de adolescência como um período entre a infância (a que
evidentemente o adolescente, plenamente capaz de se reproduzir do ponto
de vista biológico, não mais pertence) e a idade adulta (a que sempre
pertenceram as pessoas nessa faixa etária, até a invenção da
adolescência) que faz com que ela possa, sem ser ridicularizada (e quem
ridicularizaria a pobre mocinha autista, ó meu Deus?), aparecer com
trancinhas que ficariam adequadas em alguém com metade de sua idade. E,
claro, sem um pingo de maquiagem, ao contrário das meninas bem mais
novas que ela que vi tristemente bêbadas na festa da cidade sexta
passada.
Em outras palavras, ela se apresenta como “criança”. A flexibilidade
do termo anglo-americano kid, que engloba basicamente qualquer um que
ainda não tenha se casado nem já tenha desistido disso por estar velho
demais, a ajuda nisso. Já li textos em que ela se dizia kid. Ora, um kid
não tem responsabilidade, e nossa sociedade em decomposição nega
responsabilidade pessoal aos adolescentes. Daí a facilidade com que ela
pode pregar coisas que ninguém mais poderia. Se, por exemplo, a
não-mais-adolescente Alexandria Ocásio-Cortéz, a semi-kid nova deputada
americana, aparecesse com trancinhas mandando as crianças matar aula
como protesto hebdomadário, ninguém a levaria a sério. Todos,
entretanto, levam Greta a sério. Aliás, levam-na tão a sério que uma
deputada francesa foi expulsa do Twitter por ter dito que Greta
mereceria uns tapas no traseiro (apontando assim o ridículo duma moça
que se apresenta como criança).
Quem é, em termos sociais, a Greta? Nenhuma novidade, diria eu. O
nazismo e o comunismo subiram ao poder nos ombros de multidões de Gretas
e Gretos, de jovens que abraçaram alguma espécie de simplificação da
realidade e a confundiram com a própria realidade. O ambientalismo
radical de Greta comodamente faz de um processo tão absurdamente
complexo que ninguém pode entender, como é o clima, algo que depende
“apenas” de nós. Fosse assim, que se fizesse chover no Nordeste, ou que
ao menos se fizesse uma previsão de tempo decente pra daqui a uma
semana. Nisso ele não é menos nem mais simplificador que o nacionalismo
exacerbado e mesmo racista do nazifascismo, ou a luta de classes
marxista. “Todos os problemas do mundo acabarão quando” é o típico
começo de frase de ideologias simplificadoras, e não há tanta diferença
assim se a panaceia universal será o despertar da Alemanha, o fim da
propriedade particular, ou uma diminuição radical na produção de comida
de planta, ops, gás carbônico. Este é um dos problemas desta fase da
vida, aliás, e confesso que prefiro as soluções tradicionais para lidar
com ele.
Até o começo do século passado, um rapaz, ao passar da puberdade,
normalmente começaria a trabalhar como aprendiz de alguém. Em outras
palavras, seria posto sob as ordens de um homem feito, capaz de
indicar-lhe como e quando fazer o quê. Com o magnífico cérebro
recém-capaz de abstração que os adolescentes têm, ele aprenderia
depressa, e sua tendência a simplificar demais as coisas seria
controlada pelo mestre ou oficial que se encarregasse dele. Já uma moça,
no mais das vezes, iria simplesmente se casar. Minha bisavó casou-se
aos treze, por exemplo, na virada do século retrasado para o passado.
Desta forma, aquela emoção toda era mais ou menos ordenada, e seu marido
– um rapaz alguns anos mais velho, que já passara pelo período de
aprendizado – tinha por ela amor suficiente para aguentar as pontas.
Tadinho.
Já hoje, abre-se um enorme par de parênteses quando passa a
puberdade, e a pessoa passa a ser considerada “alguém que se comporta
como criança quando não é tratada como adulto” (outra definição desta
fase, tristemente verdadeira pelo fato de que é raríssimo que um
“adolescente” seja hoje tratado como adulto, o que leva multidões deles a
bancar os retardados). É alguém que não é percebido como dotado de
capacidade de tomar decisões, o que, num ciclo vicioso, o impede de
tomar decisões; logo, de aprender a tomá-las. Só as que lhe são
permitidas são as que a sociedade como um todo festeja. É o caso da
medonha decisão pela promiscuidade sexual (geralmente percebida como um
bem, desde que seja entre adolescentes, para garantir que sejam ambos
muito imaturos e se machuquem mais ainda), ou – como no caso da pobre
Greta – pela atuação política em prol daquilo que lhe foi martelado
desde pequenos na escola.
Ela diz que aprendeu que os seres humanos somos culpados pela mudança
climática, que em breve tornará o mundo inabitável, e patati e patatá,
mas se chocou ao perceber que as pessoas não se dedicam em tempo
integral a reverter esse processo apavorante. O que parece não ter lhe
passado pela cabeça (como não passa pela de um jovem comunista que
talvez não haja luta de classes) é que as pessoas não passam as 24 horas
do dia, sei lá, arrolhando escapamentos de carro, pela simples razão de
que percebem que aquilo é história para boi dormir. Ela é jovem demais
para se lembrar da [in]Verdade Inconveniente do Al Gore, por exemplo, e
de todas as previsões escalafobéticas segundo as quais hoje em dia
estaríamos vivendo num imenso deserto sem calotas polares. Ela é jovem
demais para perceber – na sua busca incessante de simplificações
extremas – que há uma diferença enorme entre poluição causada pelo homem
e mudanças climáticas, coisa esta que sempre houve e sempre haverá. A
relação entre elas não chega sequer a ser uma causalidade humana.
Dizem alguns que agora, na pós-modernidade (ou hipermodernidade:
escolha, caro leitor), acabaram-se as grandes narrativas. Em língua de
gente, isto significa que não haveria mais ideologias capazes de
levantar multidões de aborrescentes, levando-os a tomar o poder na marra
e colocá-lo nas mãos de algum espertalhão de meia-idade, como tanto
ocorreu no século passado, levando a genocídios e guerras. Mas Greta não
sabe disso; é jovem demais. O que ela está tentando fazer, por entre
suas trancinhas de kid e sua carteirinha de autista, é justamente dar
força, dar vida, a uma “grande narrativa” tão destrutiva quanto as
ideologias do século 20: o ambientalismo radical.
Veja bem o pobre leitor que até este ponto tenha aventurado que eu
mesmo sou certamente um ecochato, e que minha “pegada de carbono”
dificilmente será maior que a sua. Moro na roça, uso energia solar, faço
compostagem, planto sem defensivos agrícolas, não compro coisas que vêm
em caixinhas no mercado, reciclo o que dá pra reciclar e mais um
pouquinho, etc. Detesto poluição, e só entro em megalópoles arrastado.
Mas daí a não entender que o modelo de civilização atual, por mais que
seja uma porcaria, é baseado no uso intensivo de energia, e que ou bem
essa energia vem de algum lugar ou se tem que mudar a sociedade toda,
começando por esvaziar as cidades, a distância é grande demais. Greta
parece incapaz de perceber isto, talvez meramente por ser uma pessoa
jovem demais para ser colocada num palco ou pedestal. Não adianta que os
adolescentes matem aula, ainda que eles gostem muito de fazê-lo. As
mudanças necessárias para alcançar os objetivos ultra-ambientalistas
dela seriam coisa muito mais próxima das barbaridades em escala
industrial da Revolução Chinesa, só que em esfera planetária. Não dá.
Não há como apoiar uma coisa dessas.
Nossa sociedade – entre outras coisas pela invenção absurda da
adolescência – está condenada. Não dou mais 100 anos para que tenham
desaparecido a maior parte das instituições formais que a definem, e até
espero que a próxima seja menos agressiva para com o meio ambiente e
use muito menos energia. Mas isso virá dum desmanche civilizacional, que
já é uma coisa demasiadamente feia e dolorosa demais para que se queira
fazê-lo na marra.
E daqui passamos para o outro exemplo do pior da tal adolescência. Li
numa revista de música uma reportagem que me deixou pasmo, sobre uma
compositora e cantora de pop fuleiro chamada Billie Eilish, de quem eu
jamais havia ouvido falar. Parece que seu fã-clube é composto de meninas
entrando na puberdade, pelo que li na reportagem. Ela, contudo, já
passou por esse período faz tempo: é, como se dizia antigamente, maior e
vacinada (bom, não sei se vacinada; hoje em dia, sacumé). A moça tem 18
anos de idade, e realizou o que costuma ser o sonho das aborrescentes
de hoje: é belíssima, uma estrela do rock (tá bom, do pop), seus pais a
amam, foi educada em casa e passou no supletivo do ensino médio aos 15
anos de idade, seus pais a amam e fazem-lhe as vontades, ganha tanto
dinheiro que emprega os próprios pais como gerentes de excursão, ganhou
um carrão potentíssimo da gravadora, manda na própria carreira ao ponto
de gravar os discos em casa sozinha com o irmão, etc. Até vegetariana
ela é. Só falta casar com um ator de Hollywood pra ter o kit completo.
Mas mesmo assim ela parece querer – não sei se com fitos comerciais,
por problemas mentais reais ou o quê – epitomar o pior da aborrescência.
Em todas as fotos da reportagem ela mais parece um zumbi que uma mulher
saudável, colando o queixo no peito para aparecer mais o branco que o
azul dos olhos. Veste-se como se comprasse as roupas num brechó
exclusivamente masculino e depois as soltasse nas patas de macacos
armados com tesouras não muito afiadas. Fala mais palavrões que um
marinheiro gripado. Revira os olhos como se isso fosse um esporte
olímpico. Fala, como se fosse normal, de comportamentos autodestrutivos
sérios (como cortar-se talhos nos braços, essas barbaridades). Sua
música mais famosa diz que ela é um “bad guy”, um “mau sujeito” (tentei
ouvir, mas não consegui e voltei para música boa no meio), do tipo que
“pode seduzir o seu pai”. E por aí vai.
O prazer da contestação pela contestação, do ser chato e irritante
porque sim, o vagar pela vida num permanente estado de insatisfação
rancorosa e ruidosa: é isso que a adolescência seria. E, com efeito, é
exatamente esse o efeito que, deliberadamente ou não, Billie escolhe. E,
dado o seu público, divulga. As menininhas púberes que a ouvem estão se
preparando para ser aborrescentes insuportáveis. E o pior é que é isso
que, de uma certa forma, a sociedade espera delas; está aí a própria
Billie, sendo proposta como modelo, que não me deixa mentir.
A cada parágrafo da reportagem eu me entristecia mais. Por todos os
afetados, claro, mas principalmente pela pobre moça, perdida de si
mesma, fazendo-se de monstro quando na verdade é uma mulher pronta para
assumir as responsabilidades da vida – quando me casei, no século
passado, minha esposa tinha a mesma idade dela. E não era, de modo
algum, uma criança; aliás, era mais madura que muitas mulheres bem mais
velhas. Já Billie é, quer ser e ensina a ser esse monstro adolescente,
que revira os olhos quando a própria mãe fala com ela (minha filha fez
isso uma única vez, para testar as águas com a mãe. Não deu certo), que
se machuca por querer, que sofre por nada – quando toda emoção já é tão
forte nessa fase! –, que mesmo tendo tudo o que poderia querer, e mesmo
tudo com que sonham suas amigas, faz-se de infeliz e de pobre sofredora.
Essa figura da adolescência é uma praga jogada pela sociedade sobre as
pessoas nessa fase da vida, como se elas já não tivessem problemas
suficientes navegando suas marés hormonais e aprendendo como funciona o
mundo. Ai delas!
Trata-se de uma fase difícil, mas não de uma fase monstruosa. Greta
deveria, a esta altura do campeonato, estar namorando um escandinavinho
lá da terra dela e preparando-se para torná-lo o homem mais feliz do
mundo, que é o que todo recém-casado tem certeza de ser. Billie deveria
se permitir ser a mulher e a artista que ela é, e dedicar-se a viver a
sua arte, não uma fantasia de aborrescência que, se já não faz muito
sentido nas demais pessoas nessa idade, menos ainda faria numa mulher
extremamente bem-sucedida tão cedo numa profissão tão concorrida.
Deixo aqui, então, minha dica aos pais e àqueles que passaram pela
puberdade há poucos anos: adolescência não existe. O que existe é o
começo da idade adulta, a juventude, que deve ser a mais bela das
idades. Para que ela o seja, só é necessário que a essas pessoas seja
facultado assumir responsabilidades: responsabilidades de trabalho,
responsabilidades domésticas, etc. “Adolescentes” são simplesmente
adultos jovens, não monstros, e é assim que eles devem ser tratados. Se
não se o faz, criam-se monstros.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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