Apesar de espasmos de liberalismo no passado recente, o país nunca viu a
aplicação de um amplo programa baseado nas ideias liberais, frisa
editorial da Gazeta do Povo. Pudera, vivemos os últimos 30 anos sob hegemonia do pensamento único esquerdista:
A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República
representará um experimento inédito para o país desde a
redemocratização. Pela primeira vez, a pauta liberal em economia chega
ao poder com amplo respaldo popular. Trata-se de um feito notável, já
que alguns poucos anos atrás a plataforma da redução do Estado seria
sinônimo de suicídio eleitoral – quem não se lembra do tucano Geraldo
Alckmin, em 2006, vestindo uma jaqueta cheia de logotipos de estatais,
enquanto prometia não privatizar nada caso fosse eleito para a
Presidência da República?
O estatismo, a ideia do Estado provedor, tem uma longa história no
Brasil, que vem desde o império, mas, nas últimas décadas, atingiu seu
ápice com Getúlio Vargas, na ditadura militar e nos governos petistas.
Mais recentemente, o país viu alguns espasmos de liberalismo: na
abertura econômica de Fernando Collor, apesar de seus desastrosos
choques heterodoxos no combate à inflação; nas privatizações de Itamar
Franco e Fernando Henrique Cardoso, com sua ênfase na responsabilidade
fiscal e na criação de superávits primários; nos programas de concessão
tardiamente adotados pelo governo Dilma Rousseff, e que mesmo assim não
se libertaram da obsessão pela participação estatal na infraestrutura.
Mas nada disso representava a concretização de um amplo programa
baseado nas ideias liberais. O que mais perto chegou disso nos últimos
anos foi a “Ponte para o Futuro”, lançada pelo PMDB do então
vice-presidente Michel Temer no fim de 2015, quando o país começava a
discutir a possibilidade de impeachment de Dilma devido às pedaladas
fiscais. O documento trazia uma série de diagnósticos acertados sobre a
necessidade da austeridade fiscal, da maior inserção no comércio
internacional e de reformas estruturantes, sem medo de propor medidas
vistas como impopulares, como privatizações.
Quando Temer chegou ao poder, no entanto, a ponte não aguentou os
testes de estresse. Havia baixo respaldo popular, já que o povo, iludido
pelo estelionato eleitoral petista, havia escolhido um outro programa.
Após alguns primeiros sucessos, como a aprovação do teto de gastos, as
acusações motivadas pela delação de Joesley Batista direcionaram todo o
foco do governo para sua própria sobrevivência – chega a ser notável que
a reforma trabalhista tenha sido aprovada no meio do furacão. Por fim, o
desfecho da greve dos caminhoneiros foi a volta do intervencionismo
estatal na política de preços de combustíveis, ainda que não com o mesmo
ímpeto dos tempos de Dilma. Temer conseguiu levar adiante uma série de
concessões e implantou medidas desburocratizantes, mas o saldo final de
seu governo ficou muito aquém das expectativas que a “Ponte para o
Futuro” prometia.
Bolsonaro chega com um cenário um tanto diferente, a começar pelo
apoio de quase 58 milhões de eleitores. Ainda que, para muitos
brasileiros, a plataforma econômica elaborada pelo economista Paulo
Guedes não seja o principal fator que tenha impulsionado o voto no
candidato do PSL, não se pode dizer que Bolsonaro escondeu essas ideias:
a população sabia bem no que estava votando, mesmo que em alguns temas
não houvesse propostas muito concretas. Além disso, o presidente eleito
já está costurando sua base no Congresso Nacional e conta com o apoio de
várias bancadas temáticas; se ele não tiver de fazer concessões no
mesmo nível de Michel Temer, terá mais chance de emplacar o ideário
liberal.
Isso não significa, no entanto, que a resistência estará
enfraquecida. E nem falamos aqui da oposição política de esquerda no
Congresso, mas de outras forças, que incluem até mesmo apoiadores de
primeira hora de Bolsonaro. O funcionalismo público, que também tem uma
representação parlamentar forte, fará o que for possível para barrar
medidas que cortem ou reduzam seus privilégios. Alguns ramos do setor
produtivo lutarão contra o fim de renúncias fiscais e a abertura
comercial – antes mesmo do segundo turno, presidentes de associações
setoriais já tinham se encontrado com Bolsonaro para fazer críticas ao
plano de Paulo Guedes. Políticos que enxergam estatais como ferramentas
de barganha política, trocando apoio pelo poder de nomear e demitir à
vontade diretores e gerentes, não aceitarão a privatização do que
consideram seus feudos particulares.
O Brasil não pode continuar amarrado pela cultura estatista, pela
hiper-regulamentação, pelos privilégios que criam desigualdade e acabam
com a competição, pelo protecionismo exacerbado que faz do Brasil um dos
países mais fechados do planeta, pela irresponsabilidade fiscal. Os
países mais prósperos são aqueles em que vigora ampla liberdade
econômica e que se abrem para o mundo sem medo da concorrência. O Brasil
tem uma chance única de deixar para trás práticas que nos mantêm no
subdesenvolvimento; a batalha será feroz, mas esperamos que o novo
governo seja capaz de vencê-la.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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