Artigo do professor Denis Rosenfield, publicado no Estadão, comenta a derrocada da ideologia esquerdista, que perdeu espaço para novas forças políticas:
O quadro eleitoral mudou a face do País. Novos parlamentares, novos
governantes. Os padrões que vinham orientando a conduta dos políticos
sofreu uma brusca transformação, desde a importância da televisão, que
perdeu a sua força em detrimento das redes sociais, até a afirmação do
antipetismo como ideia transformadora. A ideologia de esquerda perde a
sua aderência, abrindo espaço para a emergência de novas forças.
Até estas últimas eleições tínhamos um critério definido, articulado
em torno da oposição PT-PSDB. O esquema vigente estruturava-se a partir
de uma alternativa entre uma esquerda social-democrata e uma que
detestava essa denominação, fazendo o jogo da democracia, apesar de não
reconhecer o seu valor universal.
Os valores da esquerda funcionavam como uma espécie de terreno comum,
balizando os termos da disputa. Segundo as necessidades eleitorais, os
tucanos faziam uma leve inflexão à direita, para capturar os seus votos,
embora não se reconhecessem nesse movimento. Os petistas, por sua vez,
saíam de sua posição de esquerda ou de extrema esquerda rumo ao centro
para não afugentar cidadãos comprometidos com a democracia e os
princípios do Estado de Direito e de uma economia de mercado.
Tal forma de enfrentamento terminou sendo muito confortável para os
dois contendores, que em seus melhores momentos de relacionamento se
consideravam irmãos de uma mesma ideologia social-democrata, embora um
deles não se reconhecesse nesse espelhamento.
À direita não lhe sobrou nenhum espaço. O PSDB considerava-a um mero
lote de votos que nele desaguaria normalmente, uma vez que esse setor da
população não votaria no PT. Nos poucos momentos em que a sociedade se
pôde manifestar em função propriamente de valores foi no referendo sobre
o Estatuto do Desarmamento, em que a maioria da Nação votou pelo
direito à legítima defesa.
O voto popular foi posteriormente desconsiderado por meio de atos
administrativos, como se a vontade da maioria não devesse ser
respeitada. Não é casual que Jair Bolsonaro tenha partido precisamente
da defesa desse valor ancorado no direito de proteção da própria vida,
tendo visto aí uma brecha que terminou se mostrando uma grande avenida.
Acontece, porém, que a sociedade passou a não mais se reconhecer
nesse jogo da esquerda. Viu-se não representada. Os tucanos
desaprenderam de fazer oposição, oscilando em suas posições e não
sabendo fazer o enfrentamento com o PT. Pior ainda, muitos de seus
líderes terminaram comprometidos com a corrupção, tirando desse partido o
que era seu traço distintivo.
O PT, por sua vez, abandonou qualquer disfarce democrático e partiu
para o aparelhamento ideológico e partidário do Estado, tratando-o como
se fosse uma espécie de coisa sua, a ser negociada com empresários que
se locupletavam num capitalismo de compadrio. Para as massas de
trabalhadores e desempregados sobraram as migalhas desse enriquecimento
ilícito.
Agora, com Jair Bolsonaro e, no primeiro turno, com João Amoedo, para
não falar dos novos deputados e senadores, não apenas saímos da
oposição estéril entre esquerda e direita, como a direita passou a se
apresentar em sua diversidade. O PT ainda procura, no desespero,
caracterizá-la como fascista, pois nada mais sabe fazer do que
considerar os seus adversários como inimigos que deveriam ser
aniquilados: o “nós” contra “eles”. O partido nunca soube conviver com o
outro, apenas procura sempre consolidar a sua própria hegemonia. Nem
semelhantes consegue aceitar. Ciro Gomes e Marina Silva que o digam!
Foram, em diferentes momentos, simplesmente descartados e
desconsiderados.
A nova direita apresenta-se agora em duas correntes. Trata-se dos
conservadores e dos liberais, em sua significação inglesa, pois na
vertente americana os liberais são de esquerda, na acepção local da
social-democracia. Uma, representada por Jair Bolsonaro, tem sua ideia
reitora em posições conservadoras, outra por João Amoedo, que expressa
posições liberais.
A primeira está, principalmente, ancorada na questão dos costumes e
no direito à legítima defesa. Trata-se de valores morais que deveriam,
segundo essa formulação, fundamentar as posições públicas, dentre as
quais a luta contra o aborto, a defesa da família, o direito à posse de
armas e o combate à ideologia de gênero nas escolas. Daí nasce o apoio
maciço dos evangélicos e de setores católicos a Jair Bolsonaro.
No que toca à questão econômica, as posições são menos claras, embora
o candidato tenha passado a levar a sério posições liberais, como a
necessidade de privatização de algumas empresas estatais, a austeridade
fiscal e a urgência da reforma da Previdência, por exemplo. Em todo
caso, clara está a defesa da economia de mercado e do Estado Democrático
de Direito, o direito à propriedade privada, a defesa das seguranças
jurídica, física e patrimonial e a liberdade de imprensa e de expressão.
Aqui, posições conservadoras recortam perfeitamente as liberais.
A segunda, a liberal, parte enfaticamente da defesa da economia de
mercado, insistindo na redução substancial do peso do Estado, apregoando
um programa rápido e abrangente de privatizações. No que tange aos
costumes, diferencia-se dos conservadores por defender outros valores,
como a liberalização do aborto e das drogas e a defesa das minorias. Ou
seja, a noção de liberdade seria entendida de um modo mais amplo, vindo a
significar um distanciamento dos princípios conservadores.
Os próximos anos certamente serão a ocasião de desenvolvimento e de
contraposição entre essas posições à direita, vindo a ser propriamente
protagonistas da luta política, e não mais meras coadjuvantes de
posições de esquerda, que as instrumentalizava. Caberá, isso sim, à
esquerda reinventar-se, abandonando, no caso do PT, seus delírios
chavistas e antidemocráticos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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