Luiz Felipe Pondé faz
justa crítica às ridicularias do mundo contemporâneo, que são mesmo de
doer. E a esquerda adota essas pautas criativas. Saudades do Lênin?
A tipologia humana
contemporânea chama a atenção pelo ridículo. Descolados e bacanas são
pessoas que têm hábitos, afetos e disposições de alma mais avançados do
que os "colados" e os "canas".
Estes são gente que
não consegue acompanhar os progressos sociais e se perdem diante das
novas formas de economia, de sociabilidade e de direitos afetivos.
Vejamos alguns exemplos dessa tipologia dos descolados e bacanas. Se
você não se enquadrar, não chore. Ser um "colado" ou "cana" um dia
poderá ascender à condição vintage, semelhante ao vinil ou ao filtro de
barro.
A busca de uma
alimentação saudável é um traço de descolados e bacanas. Um modo rápido e
preciso de identificá-los é usar a palavra "McDonald's" perto deles. Se
a pessoa começar a gritar de horror ou demonstrar desprezo, você está
diante de um descolado e bacana. Se você não entender o horror e o
desprezo dele pelo McDonald's, você é um "colado" e um "cana".
Essa busca pela
alimentação segura bateu na porta de Jesus, coitado. A demanda dos
católicos descolados e bacanas é que o corpo de Cristo venha sem glúten.
Uma hóstia "gluten free". O papa, seguramente uma pessoa desocupada,
teve que se preocupar com o corpo de Cristo sem glúten. A commoditização
da religião, ou seja, a transformação da religião em produto, um dia
chegaria a isso: que Jesus emagreça seus fiéis.
Um segundo tipo de
descolado e bacana é aquele pai que fica lambendo o filho pra todo mundo
achar que ele é um "novo homem". Esse "novo homem" é, na verdade, um
mito pra cobrir a desarticulação crescente das relações entre homem e
mulher. Homens cuidam de filhos há décadas, mas agora pai que cuida de
filho virou homem descolado e bacana, com direito a licença-paternidade
de 40 dias, dada por empresas descoladas e bacanas.
Além de tornar o
emprego ainda mais caro (coisa que a lei trabalhista faz, inviabilizando
o emprego no país), a sorte dessas empresas é que as pessoas cada vez
mais se separam antes de ter filhos. As que não se separam, por sua vez,
ou tem um filho só ou um cachorro. Logo, fica barato posar de empresa
descolada e bacana. Queria ver se a moçada fosse corajosa como os
antigos e tivesse cinco filhos por casal. Com o crescimento da cultura
pet, logo empresas descoladas e bacanas darão licença de uma semana
quando o cachorro do casal ficar doente. E esse "direito" será uma
exigência do capitalismo consciente. Aliás, descolados e bacanas adotam
cachorros vira-latas para comprovar seu engajamento contra a
desigualdade social animal.
Um terceiro tipo de
gente descolada e bacana é o praticante de formas solidárias de
economia. Este talvez seja o tipo mais descolado e bacana dos descritos
até aqui nessa tipologia de bolso que ofereço a você, a fim de que
aprenda a se mover neste mundo contemporâneo tão avançado em que
vivemos.
Uma nova "proposta"
(expressões como "proposta" e "projeto" são essenciais se você quer ser
uma pessoa descolada e bacana) é oferecer sua casa "de graça" para
pessoas morarem com você. Calma! Se o leitor for alguém minimamente
inteligente, desconfiará dessa proposta. Algumas dessas propostas ainda
vêm temperadas com um discurso de "empoderamento" das mulheres que
colaborariam umas com as outras. Explico.
Imagine que uma mãe
single ofereça um quarto na casa dela para outra mulher em troca de ela
cuidar do maravilhoso e criativo filho pequeno dessa mãe single.
Entendeu? Sim, trabalho escravo empacotado pra presente.
Gourmetizado dentro
de um discurso de "solidariedade feminina" e economia colaborativa. Na
prática, você trabalharia em troca de casa e comida. Essa proposta é
ainda mais ridícula do que aquela em que você, jovem, recebe a "graça"
de trabalhar de graça pra um marca famosa que combate a fome na África
em troca de experiência e para enriquecer seu "book". Na China eles são
mais solidários do que isso, você ganharia pelo menos um dólar.
Sim, o mundo
contemporâneo é ridículo de doer. Com suas modinhas e terminologias
chiques. Coitada da esquerda que abraça essas pautas criativas. Saudades
do Lênin? (FSP).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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