Um dos dramas da
deseducação neste país está encenado na histórica ausência de debate
sobre o tamanho — sobre o papel — do Estado. Como se não pudesse haver
outro que não este, onipresente. A alternativa sendo o medo — a velha
ameaça de alienação do patrimônio nacional já alienado por patriotas
como Dilma Rousseff.
Dessa desinformação,
ergue-se um Lula. Nessa desinformação, parasita-se um Paulo Roberto
Costa. Só nessa desinformação é possível um Sergio Machado — um Aldemir
Bendine. Foi como refém dessa desinformação que Geraldo Alckmin se
fantasiou de Banco do Brasil e Caixa — com medo de perder os votos que,
afinal, perderia.
Sob essa
desinformação, afogam-se conceitos, aterram-se detalhes, interditam-se
soluções integrais. Daí que, no Brasil, privatização nunca seja
exatamente privatização. São concessões à exploração privada, diluições
de ativos da União, aquisições subsidiadas por bancos de fomento ou
asseguradas pela adesão de fundos de pensão — operações em que o Estado
resta como sócio, geralmente com poder de veto administrativo.
É do que se trata,
mais uma vez, o pacote de intenções anunciado na semana passada pelo
governo federal, conjunto em que se destaca a pretensão de diminuir a
posse estatal sobre a Eletrobras — um dos mamutes em cujo couro a
corrupção vai longamente trepada.
Não será privatização
— esclareça-se. Mas será um avanço. O avanço possível, sem convicção, a
um país doente como este, em que se pragueja contra o capitalismo sem
que capitalismo jamais tenha havido aqui — senão aquele, desprovido de
concorrência, cujas estrelas só podem ser os empreendimentos de Eike
Batista e Joesley Batista.
Sim, capitalismo de
Estado — o dos campeões nacionais. Mais precisamente, capitalismo de
cooptação: aquele, para escolhidos, cujos mecanismos de ação conjugam as
variáveis do aliciamento e os méritos são debulhados do compadrio;
aquele em que não há sócios, mas cúmplices — padrinhos e apadrinhados.
A falta de convicção
sobre a saúde derivada do enxugamento do Estado é um problema relevante.
Porque mesmo canalhas têm dificuldade em defender aquilo em que não
acreditam. E os governos brasileiros, todos, não acreditam. Assim, só se
desfazem de nacos do gigantismo sob seu controle para garantir o
cumprimento da meta do déficit etc. Nunca como decorrência de uma visão
sobre o Estado, de um programa para o corpo da administração pública.
Há, pois, soluções circunstanciais, puxadinhas — que, claro, alimentam a
oposição de petismos e outros sanguessugas. Não escolhas racionais, em
longo prazo — que seriam também educativas.
Duas consequências
dessa falta de convicção são especialmente deseducadoras: a pressa e a
comunicação sofrível. A primeira se ilustra na forma açodada como o
governo informou seu propósito: o de conceder, por exemplo, novos
aeroportos à exploração privada — decisão excelente, para a qual já
existe experiência bem-sucedida. No entanto, como se a Infraero fosse
paixão nacional, parecia uma traição, algo clandestino, a ocorrer em
emboscada — fato a ser logo consumado, porque do qual se envergonhar. E
não há outra maneira de comunicar senão a pior quando o que se faz é
apreendido como vergonhoso.
É inacreditável que —
em 2017 — governantes ainda tenham medo de falar em privatização e,
quando obrigados pelo orçamento, façam-no tão mal. Mais um sinal de que
leem porcamente o tabuleiro político-eleitoral; porque só a um parvo
pode ter escapado que os anúncios feitos pelo governo foram, pela
primeira vez na história brasileira, bem recebidos pela sociedade — e
que mesmo os esperados protestos de petistas e outros mamadores pouco
ecoaram fora de seus currais.
Essa é a mais
importante mudança na percepção popular sobre a atividade pública havida
no Brasil desde o fim do regime militar: uma população difusamente
conservadora que — confrontada às evidências de assalto a estatais —
parece desenvolver uma compreensão liberal prática, objetiva, sobre os
riscos inerentes à dimensão do Estado. Que, em suma, quanto menor seja,
menos roubado será.
A Lava-Jato não terá
prestado serviço mais civilizador do que o de exibir, com materialidade,
aquilo, por exemplo, de que foi feita a Petrobras: uma empresa desviada
para, mais que enriquecimentos pessoais, sustentar economicamente um
projeto de poder.
Não se trata,
portanto, de súbito compromisso popular com o Estado mínimo; nem da
compreensão de que a economia funciona melhor sob gestão privada. Não.
Mas de que o tamanho do Estado é o tamanho da corrupção; de que o
problema não está na administração de estatais, que pode ser ruim ou
muito ruim a depender do governante, mas das possibilidades que
oferecem, por sua própria natureza, à corrupção.
Esse entendimento
será a novidade temática para as eleições de 2018. Faltam, contudo,
candidatos que o decodifiquem e o transformem em linguagem — algo para o
que será preciso mais inteligência do que coragem. Há votos aí. Há
também lógica a explicá-los: como defender incondicionalmente a
existência de estatais, escudadas em patrimônio nacional, se os
guerreiros que manejam esse discurso nacionalista são os senhores
feudais que as loteiam entre piratas aliados?
Há votos aí.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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