Nada
como um inseto para testemunhar um assassinato. Ele é a fonte mais
confiável para dizer quando a vítima morreu, em que local o crime
aconteceu e até se drogas e algum tipo de veneno foram, eventualmente,
utilizados no ato. E tudo o que ele precisa para sanar dúvidas de quem
busca solucionar assassinatos é de uma certa maturidade, um tempo de
desenvolvimento em estufas de laboratório, com dieta restrita, até
atingir a fase adulta. Este ano de 2016 eles já testemunharam 48 casos
na Bahia.O mais recente é o caso do médico Luiz Carlos Correia Oliveira,
cujo corpo foi encontrado em estado avançado de esqueletização no
último dia 14. Em geral, os insetos são capazes de passar por um
“interrogatório” duas semanas após serem encontrados em cadáveres. E na
Bahia, quem “traduz” as respostas dadas por eles é a equipe de
Entomologia Forense do Departamento de Polícia Técnica (DPT), formada
pelos peritos criminais e entomólogos Torriceli Sousa Thé e Vanessa
Morato, além de dois estagiários do curso de Biologia: Ramon Lima e
Paulo Davi.
“Os
insetos mais comuns encontrados nas nossas perícias são insetos
urbanos, aqueles que convivem com humanos, os chamados sinantrópicos”,
explica a bióloga, perita criminal e entomóloga Vanessa Morato. Segundo
ela, os mais comuns são espécies próprias de climas tropicais, como
moscas e besouros, que compõem a chamada fauna cadavérica. O nome pode
não ser dos mais convidativos, mas o testemunho dos insetos é essencial
para solucionar crimes. “Nós somos consultados, principalmente, para
estimativa de intervalo pós-morte e, com menos frequência, para saber se
houve deslocamento de cadáver”, explica o perito criminal, biólogo,
mestre e doutor em Patologia Humana e pós-doutor em Entomologia Forense
pela Fiocruz/Ufba, Torriceli Souza Thé. O laboratório onde eles
trabalham funciona nas dependências do Departamento de Polícia Técnica
da Bahia (DPT), nos Barris, e foi inaugurado em 2007. É um dos dois
únicos no país com coordenação própria na Polícia Técnica. O outro fica
na Paraíba. O estado do Rio de Janeiro já teve uma coordenação própria.
Hoje, no entanto, busca implantar um laboratório nas dependências do
Instituto Médico-Legal. Quando o serviço é requisitado, uma das peritas
da equipe, também entomóloga, faz o que pode. Delatores - Apesar
da carência de profissionais especializados e de espaços dedicados à
Entomologia, os bichinhos costumam ser convincentes e fornecem respostas
essenciais à resolução de crimes, especialmente quando não há
testemunhas oculares do fato. O nível de decomposição de um cadáver não é
capaz de dizer, por si só, quando aquela pessoa morreu – mas os insetos
podem. Os bichos também são bons delatores quando, numa tentativa de
despistar um assassinato, o corpo é retirado do local do crime e deixado
em outro. Segundo Torriceli Thé, há insetos próprios de um tipo de
vegetação ou área. Encontrar uma espécie de mosca típica de Mata
Atlântica num cadáver localizado em uma área de vegetação de restinga,
por exemplo, é um indicativo de que o crime pode ter ocorrido num local
diferente de onde o corpo foi localizado. Essencial - Em locais
onde não há o trabalho da Entomologia Forense, quesitos como hora da
morte e possibilidade de deslocamento do corpo ficam sem resposta.
“Essas questões ficam como inconclusivas, porque os preceitos da
Medicina Legal, que levam em conta a questão da rigidez cadavérica para
determinar o horário da morte, foram feitos em países com clima
diferente do nosso, então não se aplicam aqui”, afirma Torriceli. O
trabalho também é fundamental nos casos em que o corpo está em estado
avançado de decomposição. “É possível encontrar informações genéticas no
trato intestinal dos insetos, além de vestígios de alimentos consumidos
pela vítima”, diz o entomólogo. Nesses casos, a entomotoxicologia
forense é capaz de fornecer informações sobre substâncias encontradas em
corpos em estado avançado de decomposição, enquanto a entomogenética
oferece perfil de DNA da vítima. Apesar da importância do trabalho, a
presença do entomologista forense – aquele que traduz o que diz o inseto
– ainda é pouco frequente. Faltam profissionais especializados,
inclusive na Bahia. Para Torriceli, o ideal seria que o laboratório
tivesse pelo menos quatro peritos – são dois. Mesmo assim, o laboratório
baiano serve de referência para uma série de trabalhos acadêmicos: nos
últimos nove anos, foram quatro dissertações de mestrado, uma tese de
doutorado e inúmeros trabalhos de conclusão de curso de graduação. A
parceria venceu três editais de financiamento. É a parceria com a
academia – no caso baiano, com a Universidade Federal da Bahia (Ufba) e a
Faculdade Bahiana de Medicina e Saúde Pública – que assegura o
funcionamento. Foi a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia
(Fapesb) quem investiu R$ 350 mil no laboratório, incluindo equipamentos
e pessoal. Fragmentos - Embora contribuam para a conclusão do
laudo cadavérico, os entomólogos raramente conhecem o desfecho do
trabalho. Isso porque as informações encontradas por eles são uma etapa
da perícia. Eles também não são informados sobre a identidade da vítima
onde as larvas ou insetos foram encontrados. “Principalmente para ser
imparcial, nós só recebemos a larva do animal e o número da perícia. Se
eu vejo que tem algum dado que não está batendo e está atrapalhando, eu
converso com o médico legista e pergunto”, explica Vanessa. Uma demanda
do laboratório, segundo Torriceli, é justamente conhecer um pouco mais
sobre o resultado do trabalho realizado no laboratório. Promotores criminais desconhecem técnica de investigação
- Quando recebem o inquérito policial sobre um homicídio, promotores
criminais também têm a sua disposição o laudo cadavérico, com
informações da perícia feita no Departamento de Polícia Técnica (DPT).
Mas, apesar de achar interessante o trabalho, o promotor criminal Davi
Gallo, do Ministério Público da Bahia, nunca tinha ouvido falar da
Entomologia Forense – foi informado, aliás, pelo Correio. “É realmente
interessante, mas nesse tempo todo que eu tenho na área, nunca tinha
ouvido falar, nem encontrei nos laudos nada sobre o aparecimento dessa
especialidade. Nessa parte de crimes dolosos, essa questão realmente
fica a cargo de nós, promotores criminais e nós sempre conversamos, mas
nunca sobre a respeito disso”, afirma. O delegado Adailton Adan pontua
que a questão do tempo de morte é muito importante para a investigação
de casos de homicídios. “Determinadas evidências da morte só podem ser
desvendadas por uma equipe dessa natureza. E a determinação do tempo de
morte é preponderante para a investigação”, avalia. O trabalho, destaca
Adan, torna mais técnica a investigação, a partir da coleta e
embasamento em provas científicas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário