terça-feira, 30 de setembro de 2014
As quatro turbinas que explicam o sucesso petista
Coluna Rodrigo Constantino
Análises de um liberal sem medo da polêmica
Tenho repetido ad nauseam em artigos e palestras: o Brasil do PT é como uma cigarra que ganhou na loteria e achou que o verão fosse durar para sempre. Irresponsável, não fez o dever de casa, não se preparou para o inverno, gastou por conta como se não houvesse amanhã. O fenômeno político Lula é análogo ao fenômeno econômico Eike Batista: fatores exógenos explicam cada um deles.
Mas há muitos analistas que fazem concessões indevidas ao PT ainda, reconhecendo um mérito inexistente. Foi o caso de Miriam Leitão em sua coluna hoje, ao falar do Bolsa Família:
“Os projetos de Bolsa Escola foram importantes como testes de políticas públicas, mas a amplitude que ele assumiu através do Bolsa Família foi uma política implantada pelo PT. Há correções a fazer, nenhuma política pode ficar estagnada, mas ela criou a grande rede de resgate dos pobres e extremamente pobres do Brasil. O PT ouviu o clamor da sociedade – que começou com Betinho, como bem lembrou Flávia Oliveira – de ter vergonha de ser um país com tantas riquezas e tantos pobres. O Bolsa Família nem sempre foi entendido pela elite, mas essa política pública nos levou a novo patamar de respeito ao cidadão. A queda dos pobres e miseráveis começou após o real, mas ganhou velocidade com as novas políticas sociais. Só a educação pública de qualidade, no entanto, nos levará ao futuro almejado de sólido desenvolvimento social.”
A jornalista ignora que a universalização e concentração em Brasília dos programas sociais anteriores é mais um problema do que uma qualidade, e hoje ficou evidente o uso político que o PT faz dessas esmolas. É voto de cabresto, não dá para negar. Não é política de estado, mas de governo, que sabe fazer terrorismo eleitoral assustando os mais pobres que dependem dessas esmolas.
A queda da pobreza não tem a ver com o Bolsa Família, e não há respeito ao cidadão nem dignidade quando se depende de esmolas estatais para sobreviver. O melhor programa social não é esmola, mas emprego decente, trabalho. E esse depende não só de melhor educação, como diz Miriam, como de um ambiente mais favorável aos negócios, possível somente com reformas liberais.
Bem mais certeiro que a jornalista foi o economista Gustavo Franco em sua coluna de hoje, sem rodeios ou falsas concessões. Franco reconhece que a bonança dos últimos anos foi possível por quatro turbinas ligadas, todas alheias ao controle do PT.
A primeira seria a reforma bancária que saneou os bancos, a segunda o ajuste das contas fiscais feito pelo governo anterior, a terceira (que dou mais peso) foi externa, a combinação do crescimento chinês com a política monetária expansionista dos bancos centrais desenvolvidos, e a quarta (que o autor dá mais peso) foi o bônus demográfico. Resume Franco:
“Os efeitos sobre a desigualdade podem ser vistos da seguinte forma: nos anos 1990, um domicílio com um casal, cada qual ganhando dois salários mínimos, e cinco filhos em idade escolar pertencia à classe D ou pior. Na segunda metade dos anos 2000 essa mesma família tinha sete pessoas trabalhando, e uma renda combinada que a colocava firmemente na classe C. Bastou as crianças crescerem. Se o avô viesse morar com a família, traria sua renda de aposentado e a opção de fazer um crédito consignado, elevando as possibilidades de consumo da família para níveis impensáveis dez anos antes. Eis a mágica da classe média: demografia e crédito, com alguma ajuda do salário mínimo. Nada disso tem a ver com o Bolsa Família, que tem sua utilidade para o que se passa dois extratos mais para baixo, na região da pobreza.“
A sensação de prosperidade, portanto, deveu-se bem mais a fatores fora do controle do governo do que de suas próprias decisões. Até mesmo para poder distribuir esmolas foi preciso um ambiente econômico favorável, com recursos sobrando. Distribuir dinheiro é fácil quando ele está disponível, e até a Venezuela de Chávez fez isso em abundância, graças aos petrodólares.
Mas se o governo não teve mérito pelos acertos, teve responsabilidade por desligar cada uma dessas turbinas, ao menos aquelas internas. Desarrumou as contas públicas, adotou um protecionismo comercial que prejudicou nossa produtividade, destruiu as estatais com seu intervencionismo tosco, despertou novamente a inflação, etc. Conclui Franco:
“A ideia de que há uma crise externa culpada de tudo é uma fraude grosseira. O Brasil não carrega as feridas de 2008 que o mundo desenvolvido ainda está curando, e estamos nos beneficiando da política monetária deles. O investimento direto estrangeiro está acima de US$ 60 bilhões anuais desde 2009, por que será? Será este o impacto da crise sobre o país?
Diante das turbinas acima descritas, e dos erros cometidos, deve ser claro que o governo Dilma Rousseff meteu os pés pelas mãos na economia de forma inteiramente soberana e voluntária.“
Rodrigo Constantino
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