Testes para presos em todo o país acontece nos dias 3 e 4 de dezembro.
Condenados veem exame como oportunidade de reintegração à sociedade.
Airam, André e Thiago: detentos veem oportunidades no Enem (Foto: Sílvio Túlio/G1)
Enquanto mais de 7 milhões de estudantes em todo o Brasil farão o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem) neste final de semana, detentos ainda
se preparam para o exame prisional, marcado para os dias 3 e 4 de
dezembro. Em Goiás, segundo estimativa da Secretaria da Administração
Penitenciária e Justiça (Sapejus), cerca de 500 presos devem prestar a
prova. Para muitos deles, essa é a grande chance de garantir a redução
dos dias na cadeia e buscar uma reintegração à sociedade.As inscrições para o Enem prisional vão até o dia 5 de novembro. Na Penitenciária Odenir Guimarães (POG), em Aparecida de Goiânia, três detentos relataram ao G1 como está sendo feita a preparação para o teste. Assim como os cerca de 160 reeducandos, eles têm aulas diárias na Escola Estadual Dona Lourdes Estivalete Teixeira, que fica no complexo.
Condenado a 18 anos de detenção por uma série de roubos, Airam Gonçalves da Mota, de 28 anos, vai fazer o Enem prisional pela primeira vez. Ele já cumpriu três anos da pena e sonha conseguir pontuação para cursar a disciplina de Segurança da Informação. "É uma oportunidade muito grande, uma porta para outras possibilidades. Além disso, estudar abre a mente, nos faz pensar além do mundo em que a gente vive. Podemos refletir sobre uma forma de ressocializar outra vez", pondera. Ele afirma que lê bastante e se considera pronto para fazer a prova.
Contra a injustiça
Diferente de Airam, André Fernandes, vai fazer o Enem prisional pela segunda vez.Ele passou dez dos seus 28 anos dentro de uma cela. Condenado por assalto e tráfico de drogas, ainda faltam cinco anos e sete meses para ele ser libertado. O grande sonho é uma vaga no curso de Direito.
"Na cadeia a gente sofre muita injustiça. Eu mesmo já tenho direito ao semiaberto, mas até hoje o juiz não analisou o pedido. Sendo um advogado, sei pelo que posso lutar. É difícil, mas eu não vou desistir", garante.
O envolvimento como o crime, segundo ele, estava "dentro de casa". Dos oito irmãos, três já cumpriram algum tipo de pena. As amizades erradas também são apontadas pelo preso como influências para o caminho da ilegalidade.
André é casado e com a atual mulher tem dois filhos, de 4 e 3 anos. De outros dois relacionamento, teve outros dois filhos mais velhos. Nem mesmo nos domingos de visita ele deixa de trabalhar. O intuito é mostrar para as suas crianças que o pai é hoje uma pessoa do bem.
Escola dentro do presídio tem boa estrutura e três pavilhões (Foto: Sílvio Túlio/G1)
"Quando meus filhos vêm me visitar, divido o tempo com eles e vendendo
espetinhos. Um dia na escola, um coleguinha de um deles disse que o pai
era policial e perguntou o que o dele fazia. Aí ele respondeu: 'Meu pai
vende espetinho'. Fiquei feliz porque ele não me vê como um presidiário e
sim como um homem trabalhador. Luto para que meus filhos não passem
pelo que eu estou passando", explica.'Construindo' um futuro
Desde pequeno, o grande sonho de Thiago Carlos Martins Lourenço, de 32 anos, era trabalhar na construção civil. "Sempre sonhei em ser engenheiro", conta. No entanto, o envolvimento com as drogas interrompeu o desejo. Preso por tráfico, ele foi condenado a dez anos de detenção.
Neste ano, ao fazer o Enem prisional pela segunda vez, ele espera retomar a busca pela profissão. "Estou empenhado. Um primo meu já é engenheiro e isso me incentiva."
O ramo que escolheu o ajuda também, além de erguer casas e prédios, a "construir" um novo futuro. Casado, Thiago atua como cozinheiro voluntário no presídio. Ele acredita que um bom resultado no exame pode ser o primeiro passo para uma reintegração na sociedade.
Uma das salas de aula que recebe os detentos
(Foto: Sílvio Túlio/G1)
"O Enem nos faz enxergar benfeitorias além das portas do presídio.
Também nos mostra que devemos pensar muito bem antes de tomar as
decisões na vida", afirma.(Foto: Sílvio Túlio/G1)
Redução na pena
Airam, André e Thiago concluíram o Ensino Médio na escola do presídio. Com três pavilhões, o colégio poderia receber até 300 presos, mas atende apenas pouco mais da metade. Grande parte dos 1,6 mil detentos não usufrui do benefício e abandona a possibilidade de deixar a cadeia antes do fim da pena.
De acordo com a lei, cada 12 horas de estudo representa um dia de remissão, ou seja, um dia a menos a ser cumprido na condenação. Além disso, a formação no Ensino Médio conta pontos na ficha de comportamento. Para ter acesso ao semiaberto, além de uma conduta exemplar, é necessário ter cumprido um sexto da pena para crimes comuns e dois quintos para crimes hediondos.
Para o diretor da POG, Marcos Vinícius Alves, a continuidade nos estudos até mesmo dentro de uma penitenciária pode servir de estímulo para a busca de uma nova vida. "Muitos que cometeram crimes chegam aqui e se arrependem. A educação é um dos tópicos principais para reerguer uma pessoa, não tenho dúvida disso", opina.
Caso algum dos detentos consiga pontuação necessária para fazer um curso superior, e ele estiver em regime fechado, é preciso que o Estado entre na Justiça para garantir a vaga dele.
Possibilidade de remissão de pena pelo Enem também anima os presos (Foto: Sílvio Túlio/G1)
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