BLOG ORLANDO TAMBOSI
Vemos o avanço de ditaduras plebiscitárias, como Rússia e Hungria, e o crescimento irresistível do modelo chinês. Fernando Gabeira para o jornal O Globo:
Quando
Bolsonaro foi eleito, surgiu por aqui uma fornada de livros sobre a
decadência da democracia e a ascensão do autoritarismo em várias partes
do mundo. “Como as democracias morrem”, “O povo contra a democracia”, os
novos títulos se sucediam, e havia neles alguns pontos convergentes. A
globalização deixou muita gente para trás, criando ressentimentos. A
confiança nas elites políticas se esvaiu diante de líderes preocupados
com seu próprio interesse, de costas para a sociedade.
Neste
momento, no Brasil, a democracia está próxima de receber um ataque que a
enfraquecerá ainda mais. Trata-se de um projeto que anistia as
transgressões dos partidos não só quanto ao respeito às cotas
minoritárias, mas também quanto à prestação de contas de milhões de
reais gastos: compra de avião, toneladas de carne e outras despesas
extravagantes.
Os partidos criam regras e as transgridem. O TSE
decide puni-los, e eles criam mais uma lei de anistia para suas
próprias transgressões. Eles se dotam, simultaneamente, do poder de
regular e de perdoar, incluindo no perdão gastos com o fundo eleitoral.
Só com as eleições, os partidos em 2022 consumiram R$ 4,9 bilhões. O
fundo partidário distribuiu um pouco mais de R$ 1 bilhão.
Interessante observar que a manobra da anistia envolve quase todos os partidos, deixando de fora apenas a coligação Rede-PSOL e o Partido Novo.
A mais importante consequência de uma medida como essa é o abismo que
se forma entre política e opinião pública, deixando o caminho aberto
para oportunistas que eventualmente queiram inventar uma nova política.
O
caminho econômico, além de difícil, não é o único. Não há sinais de que
as elites políticas brasileiras tenham entendido a mensagem de 2018 e
ignorem que soluções autoritárias continuam sendo atraentes à medida que
se aprofunda a desilusão com a democracia.
Bolsonaro
fez isso em 2018. A “nova política” se desmoralizou com a introdução do
orçamento secreto. Os bolsonaristas agrupados no PL
apoiam a anistia, logo não teriam condições de se diferenciar num
futuro próximo. Mas a existência do abismo é um convite à aventura, e
ela não tem de ser vivida necessariamente pelos mesmos personagens.
Num
livro recente chamado “A crise do capitalismo democrático”, o
jornalista Martin Wolf analisa não somente a globalização e suas
lacunas, mas, apesar de sua ênfase na economia, destaca também a questão
política. Assim como todos os outros autores, Wolf está longe do
otimismo com o futuro da democracia, ressaltado num célebre ensaio de
Francis Fukuyama, “O fim da História”.
Ninguém
mais acredita que a democracia é para sempre, e muitos duvidam de sua
capacidade de encarar as reformas necessárias para sobreviver. O que
vemos no mundo é o avanço de ditaduras plebiscitárias, como na Rússia ou na Hungria, e o crescimento irresistível do modelo autoritário chinês.
Como
jornalista econômico, Wolf ressalta que está na própria economia a
explicação para a fragilidade democrática. Mas não deixa de avançar
noutros pontos essenciais:
—
Nem a política nem a economia funcionarão sem um substancial nível de
honestidade, confiança, autocontenção e lealdade às instituições. Na
ausência desses fatores, um ciclo de descrédito corroerá as relações
políticas, sociais e econômicas.
Concordo
com a ideia de que nenhum sistema político consegue sobreviver sem a
prevalência de normas fundamentais de comportamento. Essa ideia,
aplicada ao Brasil, mostra que a luta pela democracia está perdida em
alguns fundamentos. Melhorar a economia é essencial. Wolf reconhece que
as pessoas querem estabilidade e prosperidade para si e para os filhos.
Na ausência disso, tornam-se ressentidas.
Há
poucos sinais de que as elites políticas tenham aprendido as lições de
2018, não aparece nelas um simples núcleo destinado a salvá-las de suas
próprias tendências à autodestruição. Digo autodestruição num contexto
democrático; os piores vão sempre se adaptar aos regimes autoritários.
Por enquanto, estamos apenas esperando o ataque que virá na forma de
anistia.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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