BLOG ORLANDO TAMBOSI
Não vivemos tempos normais, e prova disso é que as redes sociais se apressaram a ensinar ao Banco Inter que recomendar asseio e bom senso aos funcionários que ele emprega é... fascismo. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
Sim, chegamos neste ponto. Ontem viralizou nas redes sociais uma cartilha endereçada pelo Banco Inter aos seus funcionários.
Chamada de “Guia de estilo”, a cartilha traz uma série de recomendações
que, em tempos normais, deveriam ser até desnecessárias, por óbvias,
para quem lida com o público, como: evitar mau hálito e chulé, usar
caneta com a tampa mastigada ou deixar a lingérie à mostra.
Antigamente
isso se chamava regras de etiqueta, asseio e até bom senso –
características que eram consideradas indispensáveis para conseguir
qualquer emprego, mesmo o mais humilde (já que pobreza nunca foi
sinônimo de falta de higiene, nem de falta de noção).
Mas
imagino que, se o banco julgou necessária a elaboração da cartilha, é
porque asseio e bom senso devem estar em falta entre alguns funcionários
– o que evidentemente prejudica o banco.
Mas
não vivemos tempos normais, e prova disso é que as redes sociais se
apressaram a ensinar ao Banco Inter que recomendar asseio e bom senso
dos funcionários que ele emprega é... fascismo. Só faltou falarem que a
cartilha representa uma ameaça à democracia. Primeiramente, fora
higiene! Vai ter chulé sim!
Um
cliente em potencial entra em uma agência do Banco Inter pensando em
abrir uma conta corrente. Ele é recebido por um funcionário ou
funcionária com a lingérie aparecendo, a maquiagem borrada e a roupa
desgrenhada, furada, com manchas suspeitas e cheia de pelos de gato ou
cachorro. De repente, ele sente subir aquele cheirinho inconfundível de
meias usadas por três dias seguidos. Esse cliente se sentirá motivado a
abrir uma conta naquele banco? Ou vai dar meia-volta e procurar o
concorrente?
Ou:
Um
cliente em potencial está pensando em aplicar todas as suas economias
em um fundo de investimento gerido pelo Banco Inter. Ele é recebido por
um consultor ou consultora de investimentos sujo(a), malcheiroso(a), com
mau hálito e as unhas encardidas, usando calçados estragados e roupas
podres e rasgadas. Na mesa, um celular com a capinha imunda e a película
rachada. O cliente se sentirá motivado a investir ali o seu dinheiro?
Ou vai dar meia-volta e procurar o concorrente?
Fico imaginando o que passa pela cabeça de alguém que não entende:
1) que um banco depende de seus clientes para continuar existindo;
2) que um funcionário que lida com os clientes representa a imagem do banco;
3) que um cliente não é obrigado a abrir conta ou usar qualquer outro serviço naquele banco;
4) que o banco não é obrigado a empregar um funcionário que afugenta clientes.
Mas
não é que a turma da lacração se sentiu ofendida? O Banco Inter foi
exposto, achincalhado e ridicularizado nas redes sociais por causa da
cartilha, classificada como “elitista”. E todos os jornais deram
destaque a um procedimento de rotina que, até pouco tempo atrás, sequer
renderia uma nota.
Seguem alguns exemplos de comentários de internautas:
"Bem
elitista o banco Inter divulgar um ebook assim, mas seguir essas coisas
te destacam (sic) muito no mundo corporativo, infelizmente. Até em
empresas pseudo-moderninhas";
"Gente, não pode nem ter capinha de celular suja!".
Etc.
Pois
é. No mundo mágico da lacração, quem está certo é o funcionário sujo,
fedorento e porcalhão, que atende os clientes com mau hálito, roupas
manchadas e unhas encardidas.
Se
um superior tiver a ousadia de chamar esse funcionário para conversar e
recomendar mais asseio, ele responderá: “Você está me ofendendo. Está
sendo fascista, preconceituoso e elitista. Respeite a minha
individualidade! Eu tenho direito a trabalhar com chulé!”. Se bobear, o
funcionário ainda processará o chefe por assédio – e ganhará a ação
(dependendo de em quem ele votou, é claro).
Não
é exagero. Uma advogada ouvida por um portal noticioso afirmou que esse
tipo de exigência no ambiente de trabalho configura uma “prática
abusiva” e reforça a ideia de um ambiente “corporativista e machista,
baseado em regras e concepções patriarcais”.
Aspas:
“É um abuso de poder diretivo do empregador decidir que o empregado
observe determinados tipos de vestimenta, ou formas de se aparentar no
trabalho. Existem limites do que é sensato cobrar ou não, e essas
demandas extrapolam esse poder”.
Acreditem,
a indignação com a cartilha foi tamanha que a direção do Banco Inter se
sentiu constrangida a soltar uma nota praticamente pedindo desculpas
por recomendar a seus funcionários que não trabalhem com chulé.
A
cartilha foi recolhida, após a enxurrada de críticas recebidas. "O
Inter reforça que respeita a individualidade de cada um de seus
colaboradores. O material em questão foi revisado e passou por
alterações", informa a nota.
Ou seja, aparentemente, o banco passou a respeitar o chulé. Já sei em que banco eu não vou abrir conta.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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