Por Alexa Salomão | Folhapress
Cerca
de 70% dos países que têm regras fiscais possuem alguma lei ou norma
que obriga a adoção de medidas de correção em caso de descumprimento dos
critérios estabelecidos. De acordo com um levantamento publicado no ano
passado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) a partir de dados de
2021, eram ao menos 72 países de um total de 104.
Atualmente, o Brasil integra o grupo da maioria por causa da regra do
teto de gastos -que impede o crescimento real das despesas federais. O
país também se destaca por estar entre os poucos que colocaram a regra
na Constituição, ao lado de economias como a da Dinamarca.
O mundo passou ao longo dos últimos anos pela tendência de fortalecer
institucionalmente o controle das contas públicas, diz o FMI. Mais de
40% das regras que buscam o equilíbrio orçamentário agora são apoiadas
por leis de responsabilidade fiscal ou normas que especificam metas
numéricas e requisitos de procedimento e transparência -o dobro em
relação ao início da década de 2010.
A proposta do governo para uma nova regra fiscal no Brasil, enviada
ao Congresso neste mês, vai na contramão dessa tendência. Não exige
contrapartidas rígidas para correção da rota e flexibiliza a aplicação
da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Se os parlamentares confirmarem
a proposta, o Brasil passará a ocupar lugar no grupo de países menos
exigentes, que é menor a cada ano.
O documento do FMI, intitulado "Regras e Conselhos Fiscais -
Tendências Recentes e Desempenho durante a Pandemia de Covid-19", avalia
a flexibilização dos arcabouços fiscais durante a crise sanitária.
Identifica, por exemplo, que dois terços das regras fiscais já tinham
uma cláusula de escape para suspender as exigências em situações
extraordinárias.
A introdução do estudo, no entanto, traz um balanço global da
evolução das regras. No início dos anos 1990, destaca, apenas dez países
tinham regras fiscais. O trabalho também cita o crescimento das normas
detalhando ações para recuperar o rumo após um desvio.
Os especialistas afirmam que as sanções nem sempre precisam ser
aplicadas, mas a sua simples existência faz valer um princípio da regra
fiscal: provocar a discussão sobre o equilíbrio do Orçamento.
A regra dos Estados Unidos é um exemplo. Determina limite para a
dívida, o que fixa o valor máximo que o governo pode pegar emprestado
para cumprir obrigações. O Executivo não tem autonomia para mudar o
teto. Cabe ao Legislativo autorizar a elevação do limite, sob pena de
ocorrer shutdown (paralisação) da máquina pública.
O mecanismo obriga a negociação entre os Poderes. As tratativas já
chegaram às vésperas do limite do prazo, mas nunca ocorreu uma suspensão
que de fato parasse tudo.
Boa parte dos países segue regras fiscais supranacionais, adotadas
por blocos de integração. Esse é o caso dos países da União Europeia.
A integração incentiva o rigor fiscal no continente desde a
assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992. O acordo estabeleceu
critérios de dívida e déficit primário para países interessados em
participar na união econômica e monetária.
Em caso de descumprimento, o país membro precisa apresentar um plano
de correção de rota, para ser aplicado em um período de até 20 anos,
para o Ecofin (Conselho de Assuntos Econômicos e Financeiros). O
organismo reúne ministros da Economia e das Finanças de todos os estados
membros.
Nunca um plano foi rejeitado, mas a norma prevê que, se a proposta
não tiver aval do Ecofin, o país membro pode sofrer penalidades, como
suspensão de repasses ou até pagamento de multas.
O pacto fiscal de 2012 no bloco apertou as exigências para evitar
déficits fiscais excessivos, o que levou a um fortalecimento de
instrumentos locais. A Áustria, por exemplo, deu mais força ao seu
tribunal de contas e adotou sanções em caso de descumprimento. A Polônia
estabeleceu gatilhos preventivos, que são acionados à medida que a
dívida se aproxima do limite fixado.
A exigência de contrapartidas ainda é fraca na América Latina de maneira geral.
Isso é demonstrado em outro documento sobre o tema, a Pesquisa sobre
Práticas e Procedimentos Orçamentários. O levantamento foi realizado em
2018 pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, que concentra países mais ricos) e o BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento, que atua na região).
Foram entrevistados funcionários de alto escalão dos governos de 11
países da América Latina e Caribe e de 34 integrantes da OCDE.
Na OCDE, nove países exigiam a adoção de medidas corretivas quando a
regra fosse descumprida. Na América Latina, quatro, entre eles, o Brasil
(por causa do teto).
Entre os países destacados pelo BID por causa do esforço em buscar
contrapartidas fiscais está a Costa Rica. A Controladoria-Geral da
República não aprova o orçamento de nenhuma instituição pública se não
tiver passado pela revisão da Autoridade Orçamentária. Esse organismo
que faz parte do Ministério das Finanças tem o dever de verificar o
cumprimento da regra fiscal para cada ministério e instituição do setor
público.
Em nota técnica divulgada na quinta-feira (27), a Consultoria de
Orçamento da Câmara dos Deputados avaliou os critérios do PLP 93/23,
como se chama o projeto de lei complementar apresentado pelo governo com
o modelo da nova regra sugerida. A proposta admite resultado primário
abaixo do limite inferior de tolerância da meta do ano e apresenta uma
negação expressa de responsabilização pelo seu descumprimento.
A avaliação dos técnicos é a mesma dos analistas de mercado
financeiro: sem compromisso firme com resultados primários positivos, a
sustentabilidade da dívida não está garantida.
O proposta também desconsidera itens da Lei de Responsabilidade
Fiscal. Essa norma, vigente desde 2000, determina que as LDOs (leis de
diretrizes orçamentárias) estabeleçam metas de resultado primário ou
nominal e que, bimestralmente, sejam divulgadas avaliações das condições
para cumprimento da meta, prevendo a adoção obrigatória de limitações
orçamentárias e financeiras (contingenciamento) caso haja risco de
descumprimento.
O PLP torna o contingenciamento ao longo do ano facultativo, mesmo
caso verificado o risco de um possível descumprimento da meta ao fim do
ano.
Em caso de efetivo descumprimento, o arcabouço prevê um crescimento
menor das despesas (que continuam, no entanto, avançando em níveis
reais). Além disso, determina nesse caso que o presidente da República
encaminhe uma mensagem ao Congresso apresentando as razões do
descumprimento e as medidas de correção. Porém, a efetiva aplicação
dessas iniciativas não é obrigatória.
EXEMPLOS DE CONTRAPARTIDAS FISCAIS
UNIÃO EUROPEIA: países membros que descumprirem metas do bloco
precisam apresentar plano de recuperação ao conselho de ministros de
Economia; em caso de não aprovação, pode haver perda de repasses e
pagamento de multas
EUA: Executivo precisa negociar com Legislativo para ter limite da
dívida elevado e evitar parada da máquina pública POLÔNIA: tem sistema
de gatilhos que restringe o Orçamento em caso de não cumprimento das
metas, um modelo similar ao teto brasileiro
COSTA RICA: Autoridade Orçamentária monitora gastos de estatais e ministérios, que podem ter repasses limitados em caso de despesa excessiva
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