POLITICA LIVRE
A previsão de imunidade parlamentar no PL das Fake News pode dificultar ainda mais o combate à desinformação nas redes sociais, avaliam especialistas.
De forma geral, eles lembram que o STF (Supremo Tribunal Federal) nos últimos anos relativizou o alcance desse direito, o que pode minimizar os danos da medida.
Parte dos estudiosos, no entanto, pondera que a previsão pode induzir a inação das plataformas em relação aos congressistas e servir de argumento no Judiciário para disseminadores de mentiras com assento no Congresso.
A imunidade está prevista no artigo 33 do projeto de lei nº 2.630/2020.
Conhecido como PL das Fake News, ele teve urgência na tramitação aprovada na Câmara dos Deputados na última terça-feira (25). Com isso, não precisará passar por comissões na Casa e, se aprovado em plenário, segue direto para o Senado.
O projeto diz que a imunidade parlamentar “estende-se aos conteúdos publicados por agentes políticos em plataformas mantidas pelos provedores de redes sociais e mensageria privada”.
O texto faz referência ao artigo 53 da Constituição, que prevê que “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
O PL elenca ainda como “contas de interesse público” as de presidente, governadores, prefeitos, parlamentares de todas as esferas, ministros, secretários estaduais e municipais, e de dirigentes de entidades da administração indireta, como autarquias.
Os titulares dessas contas não poderão restringir o alcance de suas publicações, bloqueando críticos, por exemplo. Mas poderão ajuizar ação em caso de “decisões de provedores que constituam intervenção ativa ilícita ou abusiva” e, nesses casos, o Judiciário poderá obrigar as plataformas a restabelecer as contas em até 24 horas.
“É muito perturbador porque aumenta o poder de quem está no poder e diminui o de quem é tutelado”, diz Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e colunista da Folha.
Ele lembra a decisão de plataformas como o Twitter de suspender a conta do então presidente dos Estados Unidos Donald Trump, ainda no cargo, por risco de incitação à violência, na esteira da invasão do Capitólio.
No Brasil, diz, plataformas seriam inibidas de tomar medidas similares diante do que está previsto na proposta.
“É um projeto que quer combater fake news, mas diz que tem uma classe de indivíduos que pode fazer fake news à vontade.”
A disseminação de desinformação por agentes políticos ganhou ainda mais relevância após os ataques golpistas de 8 de janeiro, quando contas de bolsonaristas como Carla Zambelli (PL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG) foram suspensas por determinação de Alexandre de Moraes, ministro do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A suspensão derivou de entendimento que vem sendo consolidado pelo Supremo segundo o qual a imunidade parlamentar não é absoluta. Valeria apenas para discursos relacionados ao mandato político —não abarcaria, portanto, ataques à integridade das eleições, por exemplo.
Bia Barbosa, integrante do coletivo DiraCom – Direito à Comunicação, avalia que, da forma como está redigido, o artigo não impede a atuação das plataformas, mas pode ser usado como argumento em ações judiciais.
Ela integra também a Coalizão Direitos na Rede, uma das cem organizações da sociedade civil que assinam documento que defende a regulação das plataformas, mas faz ressalvas a alguns pontos do projeto.
Reunidas na Sala de Articulação contra a Desinformação (SAD), as entidades se posicionam contra a suspensão de contas de detentores de mandatos por decisão das plataformas, mas defendem que as publicações deles devem ser submetidas às mesmas regras de moderação de conteúdo de todos os usuários.
Em outra nota sobre o projeto, pesquisadores do grupo de pesquisa Democracia Constitucional, Novos Autoritarismos e Constitucionalismo Digital, do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Extensão), sugerem a modificação da redação do parágrafo do PL sobre imunidade.
Eles propõem um acréscimo para que o texto passe a dizer que “a imunidade parlamentar material, quando exercida nos limites do Estado democrático de Direito, estende-se às plataformas mantidas pelos provedores de aplicação de redes sociais”.
Para um dos signatários, o advogado Ilton Norberto Robl Filho, o Judiciário deve continuar a aplicar seu entendimento independentemente da nova lei, mas a redação do jeito que está pode deixar uma lacuna.
Autora de “Liberdade de Expressão e Democracia na Era Digital” (ed. Fórum, 2022), a advogada Luna Van Brussel Barroso ressalta o entendimento do STF de que a imunidade não é absoluta.
Ela avalia que o único cenário em que o artigo do projeto de lei garantiria maior proteção aos congressistas do que aos demais usuários seria se o discurso fosse protegido pela imunidade parlamentar, mas violasse os termos de uso das plataformas.
Ainda assim, pondera, dificilmente algo protegido pela imunidade parlamentar violaria os termos de uso. Mesmo que isso ocorresse, avalia que “a escolha pela imunidade parlamentar também tem um componente democrático importante”, então não seria tão problemático que ela prevalecesse sobre as regras das plataformas.
Em entrevista recente à GloboNews, o relator do PL das Fake News, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), defendeu o dispositivo, afirmando que a imunidade parlamentar é uma conquista democrática e que, em caso de crime, o Judiciário pode ser acionado.
Professor da USP especialista em direito digital e sócio do escritório Opice Blum, Juliano Maranhão ressalta que a previsão do tema na lei é reveladora do contexto da desinformação no Brasil.
“O que os países desenvolvidos assumem como premissa é que fonte da desinformação não é a autoridade”, diz.
Não é só a imunidade parlamentar que causa controvérsia no projeto. Em concessão à bancada evangélica, o relator incluiu no texto o aval à “exposição plena” dos dogmas e livros sagrados, bem como a livre expressão dos cultos.
Outro ponto que causa divergências é a remuneração das plataformas por conteúdo jornalístico em um sistema de negociação similar ao previsto na Austrália.
As plataformas se opõem à ideia, e entre os veículos há dissenso. Entidades como Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) e ANJ (Associação Nacional de Jornais), que reúne os principais veículos de mídia, entre eles a Folha, defendem o PL; veículos menores temem perder financiamento por terem menor poder de barganha.
ENTENDA O PL DAS FAKE NEWS
Qual o projeto de combate às fake news deve ser votado?
O PL foi proposto originalmente pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE)
e agora deve incorporar sugestões do governo Lula, do relator Orlando
Silva (PC do B-SP) e do grupo de trabalho instituído pelo presidente do
TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Alexandre de Moraes
Quais são os principais pontos do projeto original?
Estão no projeto o dever das plataformas de vetar contas inautênticas, a
obrigatoriedade de divulgação de relatórios de transparência sobre
moderação de conteúdos e multa de até 10% do faturamento do grupo
econômico no Brasil em caso de descumprimento da lei
Que pontos devem ser incluídos na votação na Câmara?
Devem entrar no projeto a punição às big techs por conteúdos com
violações à Lei do Estado Democrático, a responsabilidade das
plataformas por conteúdo impulsionado, a transparência dos algoritmos de
conteúdo e a remuneração de conteúdos jornalísticos pelas plataformas
Qual deve ser o trâmite do PL?
Orlando Silva protocolou relatório final da proposta na quinta-feira
(27). A expectativa é que o mérito seja votado em plenário na próxima
terça-feira (2), já que o projeto tramita em regime de urgência, sem
passar em comissões. Depois, deve ser novamente avaliado pelo Senado,
que havia aprovado o texto original em 2020, para depois seguir à sanção
presidencial
O que dizem as plataformas?
Meta, Twitter, Google e TikTok pedem a criação de uma comissão especial
para tratar do tema. Criticam a responsabilização das plataformas por
conteúdos de terceiros, o que poderia induzir a “censura privada”
Como funcionaria a remuneração de conteúdos jornalísticos?
As empresas jornalísticas negociariam diretamente com as big techs o
pagamento pelo conteúdo e, caso não cheguem a acordo, haveria
arbitragem. O modelo segue o News Media Bargaining Code, adotado na
Austrália em 2021
Essa proposta de remuneração é consensual?
As plataformas se opõem à ideia, e entre os veículos há dissenso.
Entidades como Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão), Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) e ANJ
(Associação Nacional de Jornais), que reúnem os principais veículos de
mídia, entre eles a Folha, defendem o PL; veículos menores temem perder
financiamento por terem menor poder de barganha
Quais são as outras controvérsias em torno da proposta?
Para vencer a resistência na Câmara dos Deputados, o relator Orlando
Silva retirou do texto a criação de uma agência reguladora de supervisão
das plataformas e deixou explícito o livre exercício de cultos
religiosos e a “exposição plena” de seus dogmas e livros sagrados
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