BLOG ORLANDO TAMBOSI
Para um grupo de pessoas dispostas a acreditar em algo, o que lhes parece verdade se torna a verdade. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
O
noticiário político foi inundado nos últimos dias por imagens das
câmeras de segurança do Palácio do Planalto durante os atos golpistas do
último dia 8 de janeiro. O que se vê na maioria delas é a atuação sem
impedimentos dos vândalos durante invasão da sede do Poder Executivo, na
presença de funcionários, muitos deles militares, do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI), que tem entre suas missões justamente
proteger o prédio público. As imagens, porém, não dizem tudo — e as
lacunas que elas deixam dão margem para interpretações apressadas,
distorcidas ou mesmo mal-intencionadas do que aconteceu.
Os
militares do GSI, muitos deles nomeados pelo governo anterior, de Jair
Bolsonaro, estavam ajudando os golpistas ou apenas seguindo um protocolo
de contenção de crise, para evitar a escalada da situação? Um deles,
que estava a cargo justamente da coordenação da segurança do Palácio do
Planalto naquele momento, aparece dando água para os invasores ou
cumprimentando-os. Também testemunha um dos vândalos mexendo no
computador e nas gavetas da recepção da antessala do gabinete
presidencial, e passa reto, sem nem repreendê-lo.
As
imagens são eloquentes, parecem dizer tudo. Mas tratam-se de evidências
incompletas. Isoladamente, contudo, são perfeitas para o trabalho dos
produtores de fake news, de notícias fraudulentas.
Omitindo-se
uma informação aqui, distorcendo outra ali, fica fácil apresentar a
versão, por exemplo, de que a atuação de suposta omissão do general
Gonçalves Dias, então ministro do GSI, durante os atos de vandalismo
está conectada a uma alegada conivência do governo Lula nos eventos de 8
de janeiro. E, assim, essa interpretação é encaixada na narrativa
fantasiosa mais ampla de que os lamentáveis acontecimentos daquele dia
foram incentivados ou até mesmo organizados por esquerdistas
infiltrados.
O
mesmo tipo de leitura enviesada das imagens está sendo feita em relação
à cena em que um dos invasores arromba a porta de vidro da antessala do
gabinete de Lula, mesmo sabendo que seu gesto estava sendo registrado
por um profissional da agência Reuters. Como mostram as imagens da
câmera de segurança, o vândalo depois se aproxima do fotógrafo, pede
para verificar no visor os registros feitos por ele e o cumprimenta com
um aperto de mão.
Jornalistas
e fotógrafos que já cobriram manifestações violentas sabem que a
presença deles naquele contexto é delicada e arriscada. Eles têm a
missão de observar e registrar tudo sem participar ou interferir nos
fatos. Há situações extremas em que a presença de profissionais da
imprensa até serve para inibir um ato potencialmente criminoso. Em
outras, é um incentivo para infratores que usam a violência para
transmitir uma mensagem política para o grande público.
Em
ambas situações, o jornalista, cinegrafista ou fotógrafo só consegue
fazer seu trabalho se sua presença ali for tolerada por aqueles que
estão sendo registrados. No meio de uma multidão agressiva, manter uma
atitude amistosa com os membros da massa é o mínimo que um profissional
de imprensa pode fazer para assegurar a própria segurança.
É
comum, por exemplo, que manifestantes peçam aos fotógrafos para ver a
imagens que foram feitas deles, ora por curiosidade e vaidade, ora como
ato de censura, para se certificar de que seu rosto não apareceu durante
um ato de depredação, por exemplo. Isso não significa que o
profissional de imprensa é cúmplice do que está acontecendo — ele está
apenas se equilibrando no fio da navalha entre a necessidade de
registrar os fatos e o risco de ser visto como um inimigo, e portanto um
alvo, de uma multidão volátil e cheia de gente paranóica. Prova da
fragilidade desse equilíbrio é o fato de que muitos jornalistas foram
agredidos e hostilizados no 8 de janeiro.
No
entanto, como era de se esperar, sites especializados na produção de
fake news já estão alimentando a versão estapafúrdia de que a interação
entre o manifestante e o fotógrafo comprova que a invasão ao Palácio do
Planalto é uma armação da esquerda. "Evidências" disso seriam os
retratos de Lula feitos pelo fotógrafo e postados em suas redes sociais
ou o fato de que seus registros foram publicado no G1, do grupo Globo —
como se não fosse óbvio que qualquer fotógrafo de notícias que atua em
Brasília fizesse fotos do presidente ou que praticamente todos os
veículos de comunicação se utilizem de conteúdo produzido pela Reuters.
Mas
a lógica e o apego aos fatos não servem para fazer uma boa teoria da
conspiração. Basta preencher as lacunas das evidências com informações
falsas ou distorcidas e pronto: para um grupo de pessoas dispostas a
acreditar em algo, o que lhes parece verdade se torna a verdade.
Postado há 6 days ago por Orlando Tambosi
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