BLOG ORLANDO TAMBOI
A cerimônia sempre foi instrumentalizada pelo sectarismo político mais primário. João Pereira Coutinho para a Folha de São Paulo:
Lula
da Silva discursa nesta terça (25) no Parlamento português.
Formalmente, será antes da cerimônia oficial que marca os 49 anos do
golpe militar que pôs fim à ditadura do Estado Novo. Mas, na prática,
não há diferenças: será ele o orador do dia.
As
coisas podem correr bem. Espero que sim. Mas, se não correrem e se a
direita populista resolver fazer o seu número de circo em pleno
Parlamento, haverá responsáveis por essa mancha para além dos
populistas.
Não, não é Lula, por maiores que sejam os seus defeitos. Os responsáveis são aqueles que não mediram bem a adequação do convite.
Uma coisa é receber Lula
com toda a dignidade que um chefe de Estado merece. Depois de quatro
anos de boçalidade bolsonarista, em que as relações entre os dois países
estiveram no limbo, era imperioso que Portugal e o Brasil voltassem a
conversar.
Outra
coisa, bem diferente, é convidar Lula para discursar numa cerimônia que
sempre foi instrumentalizada pelo sectarismo político mais primário.
Para entender isso, é preciso lembrar um pouco de história.
No
nascimento da democracia portuguesa, existem duas datas fundamentais. A
primeira é o 25 de Abril de 1974. A segunda é o 25 de Novembro de 1975.
A
primeira data é conhecida: depois de 48 anos de ditadura, o Exército
português queria o fim das guerras na África. Mas a "primavera
marcelista" –referência às promessas de liberalização que nasceram com o
sucessor de Salazar, Marcello Caetano– esbarrava contra uma parede:
como promover uma hipotética abertura do regime quando havia uma guerra
em curso?
Para
Caetano, não era possível. E, não sendo, o Exército, com o apoio de
generais do regime, como António de Spínola, pôs em marcha a Revolução
dos Cravos.
Mas
a segunda data é também importante. O 25 de Abril derrubou a ditadura.
Mas o 25 de Novembro derrubou as últimas fantasias revolucionárias de
comunistas e de outros radicais de esquerda.
Irmanados
com uma parte dos militares, eles pretendiam instalar em Portugal uma
"democracia popular", violando, aliás, a vontade democraticamente
expressa pelos portugueses nas primeiras eleições livres para a
Assembleia Constituinte.
Nessas
eleições, os "moderados" (o Partido Socialista de Mário Soares e o
Partido Popular Democrático do malogrado premiê Francisco Sá Carneiro)
tiveram a maioria dos votos. Os comunistas ficavam-se por uns vexatórios
12,5%.
Estava
aberto o caminho para um "processo revolucionário", que passou pela
nacionalização da economia; a ocupação de terras; a prisão e tortura de
opositores políticos; e, em Novembro de 1975, uma tentativa de golpe que
a ala moderada dos militares impediu.
Por outras palavras: um verdadeiro democrata festeja
as duas datas. Festeja o fim da ditadura (25 de Abril) e o princípio de
uma via segura para a democracia liberal e pluralista (25 de Novembro).
Fatalmente,
o folclore político lusitano rapidamente resvalou para uma guerra de
datas. O 25 de Abril foi sendo apropriado pela esquerda radical, mesmo
que o seu projeto para o país tenha sido derrotado.
A direita, ou uma parte dela, acantonou-se no 25 de Novembro, deixando o 25 de Abril para os seus autodesignados proprietários.
É
no meio dessa velha guerra que Lula vai aterrar no Parlamento. O 25 de
Abril deveria ser uma data de união para os lusos. Mas o convidado do
dia será Lula, uma figura que está longe de ser consensual.
Se
dúvidas houvesse, bastaria lembrar as simpatias do presidente por
certos regimes autoritários –Cuba, Nicarágua etc.– que trazem más
memórias aos portugueses.
Para
piorar as coisas, as declarações de Lula na China sobre a Ucrânia
atingiram diretamente o país que o recebe. Lula quer a paz?
Se
a Rússia se retirasse do território ucraniano que invadiu, haveria com
certeza essa paz. Mas Lula nunca fala disso, preferindo responsabilizar
por igual a Rússia, a Ucrânia, os Estados Unidos e a União Europeia.
Pois
bem: Portugal pertence à União Europeia, é membro fundador da Otan e
tem apoiado, diplomática e militarmente, a resistência ucraniana contra o
fascismo imperialista de Vladimir Putin.
Será preciso fazer um desenho para concluir que o convite a Lula para discursar no 25 de Abril não foi a ideia mais inteligente?
E
que a melhor forma de não transformar a data em provocação sectária
passaria por não jogar mais gasolina sobre o fogo dos radicais?
Postado há 6 days ago por Orlando Tambosi
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