POLTICA LIVRE
Cerca de 70% dos países que têm regras fiscais possuem alguma lei ou norma que obriga a adoção de medidas de correção em caso de descumprimento dos critérios estabelecidos. De acordo com um levantamento publicado no ano passado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) a partir de dados de 2021, eram ao menos 72 países de um total de 104.
Atualmente, o Brasil integra o grupo da maioria por causa da regra do teto de gastos -que impede o crescimento real das despesas federais. O país também se destaca por estar entre os poucos que colocaram a regra na Constituição, ao lado de economias como a da Dinamarca.
O mundo passou ao longo dos últimos anos pela tendência de fortalecer institucionalmente o controle das contas públicas, diz o FMI. Mais de 40% das regras que buscam o equilíbrio orçamentário agora são apoiadas por leis de responsabilidade fiscal ou normas que especificam metas numéricas e requisitos de procedimento e transparência -o dobro em relação ao início da década de 2010.
A proposta do governo para uma nova regra fiscal no Brasil, enviada ao Congresso neste mês, vai na contramão dessa tendência. Não exige contrapartidas rígidas para correção da rota e flexibiliza a aplicação da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Se os parlamentares confirmarem a proposta, o Brasil passará a ocupar lugar no grupo de países menos exigentes, que é menor a cada ano.
O documento do FMI, intitulado “Regras e Conselhos Fiscais – Tendências Recentes e Desempenho durante a Pandemia de Covid-19”, avalia a flexibilização dos arcabouços fiscais durante a crise sanitária. Identifica, por exemplo, que dois terços das regras fiscais já tinham uma cláusula de escape para suspender as exigências em situações extraordinárias.
A introdução do estudo, no entanto, traz um balanço global da evolução das regras. No início dos anos 1990, destaca, apenas dez países tinham regras fiscais. O trabalho também cita o crescimento das normas detalhando ações para recuperar o rumo após um desvio.
Os especialistas afirmam que as sanções nem sempre precisam ser aplicadas, mas a sua simples existência faz valer um princípio da regra fiscal: provocar a discussão sobre o equilíbrio do Orçamento.
A regra dos Estados Unidos é um exemplo. Determina limite para a dívida, o que fixa o valor máximo que o governo pode pegar emprestado para cumprir obrigações. O Executivo não tem autonomia para mudar o teto. Cabe ao Legislativo autorizar a elevação do limite, sob pena de ocorrer shutdown (paralisação) da máquina pública.
O mecanismo obriga a negociação entre os Poderes. As tratativas já chegaram às vésperas do limite do prazo, mas nunca ocorreu uma suspensão que de fato parasse tudo.
Boa parte dos países segue regras fiscais supranacionais, adotadas por blocos de integração. Esse é o caso dos países da União Europeia.
A integração incentiva o rigor fiscal no continente desde a
assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992. O acordo estabeleceu
critérios de
dívida e déficit primário para países interessados em participar na união econômica e monetária.
Em caso de descumprimento, o país membro precisa apresentar um plano de correção de rota, para ser aplicado em um período de até 20 anos, para o Ecofin (Conselho de Assuntos Econômicos e Financeiros). O organismo reúne ministros da Economia e das Finanças de todos os estados membros.
Nunca um plano foi rejeitado, mas a norma prevê que, se a proposta não tiver aval do Ecofin, o país membro pode sofrer penalidades, como suspensão de repasses ou até pagamento de multas.
O pacto fiscal de 2012 no bloco apertou as exigências para evitar déficits fiscais excessivos, o que levou a um fortalecimento de instrumentos locais. A Áustria, por exemplo, deu mais força ao seu tribunal de contas e adotou sanções em caso de descumprimento. A Polônia estabeleceu gatilhos preventivos, que são acionados à medida que a dívida se aproxima do limite fixado.
A exigência de contrapartidas ainda é fraca na América Latina de maneira geral.
Isso é demonstrado em outro documento sobre o tema, a Pesquisa sobre Práticas e Procedimentos Orçamentários. O levantamento foi realizado em 2018 pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que concentra países mais ricos) e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento, que atua na região).
Foram entrevistados funcionários de alto escalão dos governos de 11 países da América Latina e Caribe e de 34 integrantes da OCDE.
Na OCDE, nove países exigiam a adoção de medidas corretivas quando a regra fosse descumprida. Na América Latina, quatro, entre eles, o Brasil (por causa do teto).
Entre os países destacados pelo BID por causa do esforço em buscar contrapartidas fiscais está a Costa Rica. A Controladoria-Geral da República não aprova o orçamento de nenhuma instituição pública se não tiver passado pela revisão da Autoridade Orçamentária. Esse organismo que faz parte do Ministério das Finanças tem o dever de verificar o cumprimento da regra fiscal para cada ministério e instituição do setor público.
Em nota técnica divulgada na quinta-feira (27), a Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados avaliou os critérios do PLP 93/23, como se chama o projeto de lei complementar apresentado pelo governo com o modelo da nova regra sugerida. A proposta admite resultado primário abaixo do limite inferior de tolerância da meta do ano e apresenta uma negação expressa de responsabilização pelo seu descumprimento.
A avaliação dos técnicos é a mesma dos analistas de mercado financeiro: sem compromisso firme com resultados primários positivos, a sustentabilidade da dívida não está garantida.
O proposta também desconsidera itens da Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa norma, vigente desde 2000, determina que as LDOs (leis de diretrizes orçamentárias) estabeleçam metas de resultado primário ou nominal e que, bimestralmente, sejam divulgadas avaliações das condições para cumprimento da meta, prevendo a adoção obrigatória de limitações orçamentárias e financeiras (contingenciamento) caso haja risco de descumprimento.
O PLP torna o contingenciamento ao longo do ano facultativo, mesmo caso verificado o risco de um possível descumprimento da meta ao fim do ano.
Em caso de efetivo descumprimento, o arcabouço prevê um crescimento menor das despesas (que continuam, no entanto, avançando em níveis reais). Além disso, determina nesse caso que o presidente da República encaminhe uma mensagem ao Congresso apresentando as razões do descumprimento e as medidas de correção. Porém, a efetiva aplicação dessas iniciativas não é obrigatória.
EXEMPLOS DE CONTRAPARTIDAS FISCAIS
UNIÃO EUROPEIA: países membros que descumprirem metas do bloco precisam apresentar plano de recuperação ao conselho de ministros de Economia; em caso de não aprovação, pode haver perda de repasses e pagamento de multas
EUA: Executivo precisa negociar com Legislativo para ter limite da dívida elevado e evitar parada da máquina pública POLÔNIA: tem sistema de gatilhos que restringe o Orçamento em caso de não cumprimento das metas, um modelo similar ao teto brasileiro
COSTA RICA: Autoridade Orçamentária monitora gastos de estatais e ministérios, que podem ter repasses limitados em caso de despesa excessiva
Alexa Salomão/Folhapress
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