BLOG ORLANDO TAMBOSI
Especulações de caráter pouco científico como as teorias sobre gênero e "racismo estrutural" são tratadas como verdades absolutas e embasam diversas decisões do governo. Leonardo Desideri para a Gazeta do Povo:
O
governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem deixado a porteira aberta
para o identitarismo e o radicalismo woke no começo de seu mandato. A
tendência perpassa diversos ministérios e se manifesta em audiências,
portarias, discursos de autoridades e na implementação de políticas
públicas.
Especulações de caráter pouco científico como as teorias sobre gênero e racismo estrutural
são tratadas como verdades absolutas e embasam diversas decisões do
governo. Derrotar a "machosfera", adotar "linguagem que promova
equidade" e combater o "sistema patriarcal" parecem ser necessidades
mais prementes, para a alguns setores do governo, do que resolver
problemas sociais objetivos de impacto concreto na vida dos cidadãos,
como a violência e a falta de saneamento básico.
No começo de março, em plena semana da série de ataques por uma facção criminosa no Rio Grande do Norte, o Ministério da Justiça lançou um programa de segurança pública apoiado em teses caras à cultura woke:
o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) 2,
atualização de um falido projeto cuja vigência entre 2007 e 2012 – no
segundo mandato de Lula e primeiro de Dilma Rousseff – coincidiu com o
início do aumento exorbitante da violência no país. Entre os cinco eixos
de atuação do novo programa está o "combate ao racismo estrutural".
O
sociólogo Lucas Azambuja, professor do Ibmec-BH, explica que a
expressão "racismo estrutural" é "uma importação de uma leitura das
relações raciais nos Estados Unidos por uma corrente de pensamento
pós-marxista, que se inspira na visão de mundo marxista para entender as
relações entre negros e brancos". "No contexto da sociedade americana
pós-movimentos dos direitos civis, que colocaram fim àquela situação
trágica da segregação racial, criou-se uma série de bandeiras ligadas às
tensões nas relações raciais. De uns tempos para cá, até pela
influência de fundações internacionais que financiam, entre outras
coisas, pesquisas na área de humanidades, esse termo foi importado, e
estão tentando aplicá-lo para orientar políticas públicas. O PT traz
isso ao Brasil até como forma de assegurar que determinados quadros de
militância participem do governo", comenta.
Invasão de jargões ideológicos da cultura woke tem impacto social
Assim
como "racismo estrutural", segundo Azambuja, outros conceitos
ideológicos da cultura woke têm sido usados como forma de "capturar
politicamente" problemas reais e, às vezes, graves. Com a disseminação
desses termos no debate público, é possível usá-los para orientar
regulações e, assim, moldar a sociedade de acordo com projetos
ideológicos.
"Existe
violência contra a mulher. Existem problemas nas relações raciais. Nós
vivemos em um país violento. Ou seja, há uma série de problemas reais. E
esses termos são uma forma de capturar politicamente esses problemas. É
a tentativa de criar uma espécie de monopólio político em torno da
questão. Quando eu consigo fazer com que as pessoas abordem o problema
da violência contra a mulher a partir da palavra 'feminicídio', quem se
opuser a mim será, entre aspas, 'a favor' do feminicídio. O uso da
palavra ajuda a deter o monopólio", observa.
No
Ministério das Mulheres, termos como "misoginia", "machosfera" e outros
jargões da moda do feminismo se tornaram frequentes. No dia 28 de
março, em uma audiência pública no STF sobre o Marco Civil da Internet,
uma representante da pasta disse, sem mostrar como chegou aos dados, que
há 30 milhões de seguidores de canais da "machosfera" no Brasil.
No começo de março, o Ministério da Saúde publicou uma portaria alegando que a divisão de trabalho implementada no SUS
(Sistema Único de Saúde) é "machista e racista" e defendendo
abertamente a desconstrução dos conceitos de "homem" e "mulher". O
documento também diz que o SUS deve contribuir para o enfrentamento do
"machismo cultural" e que se devem evitar termos "machistas e
patriarcais" no cotidiano institucional dos estabelecimentos de saúde do
governo
A
ideologia de gênero também tem sido defendida explicitamente em
diversas pastas da administração federal, com base em jargões
ideológicos e controversos dados que justificariam uma atenção especial ao assunto.
No dia 30 de março, por exemplo, o governo assinou uma declaração
proposta pela Argentina na Organização das Nações Unidas (ONU) em
"reconhecimento à autoidentificação de gênero".
Symmy
Larrat, secretária Nacional de Promoção de Defesa das Pessoas LGBTQIA+
do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já disse que uma das
primeiras missões de sua pasta será apagar a expressão "ideologia de
gênero" do debate público.
A
proposta é estratégica: adeptos da cultura woke buscam propagar o termo
"identidade de gênero" para conformar a opinião pública em torno da
ideia de que ninguém nasceria homem ou mulher; cada um descobriria ao
longo da vida a sua identidade em um imaginado espectro de feminilidade e
masculinidade, independente do que a realidade biológica determine.
A
palavra "gênero" costuma ser usada em lugar de "sexo" justamente para
desconstruir as categorias estanques "homem" e "mulher" e dar a entender
que a identidade sexual pode ser criada subjetivamente, transitando
pelo espectro mencionado de acordo com o sentimento da pessoa. A
expressão "ideologia de gênero", por outro lado, busca enfatizar o
propósito anárquico dessas ideias, que, em última instância, servem para
desbancar realidades objetivas como o sexo biológico e, assim,
estabelecer o reinado das subjetividades no debate público. O propósito
do uso de "ideologia de gênero" não é menosprezar a realidade objetiva
da existência, por exemplo, de transexuais, mas resguardar a certeza da
existência objetiva de homens e mulheres.
Brasil é país com pouca coesão social, e PT se alimenta de exacerbar divisão, diz pesquisador
Lucas
Mafaldo, pesquisador em ciência política e pós-doutor em filosofia pela
Universidade de Ottawa, diz que o Brasil é, historicamente, um país com
baixa "coesão social", isto é, pouco capaz de criar um senso de
comunidade e unir a população em torno de propósitos comuns. Segundo
ele, isso se deve, em grande medida, ao alto grau de desconfiança que as
pessoas têm entre si. Fenômenos como violência urbana, assaltos, golpes
financeiros, trapaças em situações sociais, impunidade e descrença na
Justiça como instância para solução de conflitos tornam o brasileiro
propenso a desconfiar de seus conterrâneos em situações cotidianas.
O
PT, na visão dele, é um propulsor da falta de coesão social, na medida
em que se beneficia do discurso de divisão. A adesão cada vez maior do
PT à cultura woke, que é essencialmente divisiva, é uma manifestação
dessa velha propensão do partido. "O discurso do PT desde os anos 1980 e
90 sempre foi um discurso de divisão. Era o patrão contra o empregado, o
Sudeste explorando o Nordeste… A carreira toda do Lula foi apoiada
nessa ideia de grupos antagônicos. E, embora existam tensões – porque
algumas existem, de fato –, esse não é o melhor jeito de criar um
ambiente colaborativo", afirma. "O Brasil sempre teve uma cultura muito
forte de não resolver as coisas de forma colaborativa, e o PT reforça
isso, porque fica constantemente repetindo esse discurso de divisão."
O
antídoto contra essa tendência, para Mafaldo, é a busca autêntica por
um ambiente de coesão social. "Não é uma questão de indivíduo versus
sociedade, mas sim de como criar um ambiente de colaboração e de ajuda
mútua que favoreça o máximo de pessoas possível. O objetivo de coesão
social é válido independente do debate político. Não vejo com maus olhos
quando há uma política realmente inclusiva. Se é uma política que
realmente promove coesão social, ela é válida e não deveria ser vista
como um princípio de esquerda", comenta.
A
tendência do PT, no entanto, é a contrária, diz Mafaldo: promover a
desconfiança entre os cidadãos e impedir a coesão social, como reflexo
de seu espírito revolucionário. "O PT é, a meu ver, um dos ramos
institucionais do movimento revolucionário. Ele age por meio da divisão
da sociedade, de jogar um grupo contra o outro. Essa é uma ideia que
está bem teorizada mesmo na literatura marxista: a de que você tem que
ter uma revolução, e não uma reforma. Há até a ideia de que quem resolve
problema social diminui a energia que poderia ser usada para a
revolução. Não é nunca do interesse deles resolver os problemas. O
interesse deles é alimentar o grau de tensão e de revolta para gerar
essa energia revolucionária."
Outro
elemento que explica a adesão do PT à cultura woke é a mudança
geracional, diz Mafaldo. "As gerações mais antigas da esquerda não se
interessavam tanto por essas pautas. E as gerações mais jovens estão
realmente interessadas nisso. Acho que há um cálculo de como manter a
militância jovem engajada. Eleitoralmente, em termos da maioria da
população brasileira, eu chutaria que não são pautas que trazem muito
voto. Mas eu acho que os militantes jovens gostam muito dessas pautas. E
isso está acontecendo no mundo todo. Na eleição geral, não sei se isso
dá muito voto, mas, na capacidade de atrair militantes, acho que faz
diferença."
Um
último fator que explica o interesse do PT pela onda woke, de acordo
com Mafaldo, é a americanização da cultura brasileira, tanto na esquerda
como na direita – no caso desta última, em pautas como o homeschooling e
o armamento civil. "Há pautas bem americanas até na direita. Por mais
que eu até possa concordar com algumas delas, eu vejo que elas chegam ao
Brasil importadas de forma errada. A explicação para isso é
simplesmente o fato de que a cultura americana produz muita coisa. Tem
tanta coisa na internet, tantos vídeos… E, hoje em dia, o inglês é
praticamente a segunda língua de muitos brasileiros. A gente erra ao
importar o debate sem fazer a tradução para a nossa dinâmica social
específica, que é totalmente diferente. Nem a direita nem a esquerda
estão fazendo as adaptações necessárias para entender a dinâmica social
típica do Brasil", observa.
Postado há 6 days ago por Orlando Tambosi
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