A oposição do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia que, além da CPI do 8 de janeiro, outro ponto de desgaste para o Executivo no Congresso será a comissão que investigará a atuação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) —e se articula para conseguir maioria no colegiado.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), leu requerimento que cria a CPI do MST na última semana, no mesmo dia em que o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), leu o que criou a CPI mista do 8 de janeiro.
A criação das comissões se dá num momento em que o governo ainda não tem uma base de apoio sólida no Congresso e tem pressa para aprovar projetos considerados prioritários, caso do arcabouço fiscal e da reforma tributária.
O deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) afirmou à Folha que a comissão do MST poderá dar mais dor de cabeça ao Executivo pela proximidade da entidade com Lula —o movimento é um aliado estratégico do petista.
“A do 8 de janeiro vai ser muito midiática, mas com pouco resultado nem a favor nem contra o governo, na minha avaliação. Agora a do MST vai trazer problemas sérios. O MST é muito entrelaçado ao governo e [a CPI] pode expor bem o governo”, diz.
Líder do governo no Senado, o senador Jacques Wagner (PT-BA) minimizou os efeitos da CPI do 8 de janeiro e afirmou que ela é “contra a barbárie, e não contra o governo”.
“Quem tem que estar com medo e quem deve estar montando estratégia são eles. Qual estratégia eu vou montar? Não tenho que ficar me defendendo, quem tem que montar estratégia é o outro lado, que tem que se defender”, disse.
“Vamos buscar a verdade, que haja investigação isenta, imparcial e que todos os envolvidos sejam investigados, que os fatos sejam colhidos e que a sociedade possa enfim conhecer o que aconteceu realmente”, afirmou o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN).
“Há aqueles que incitaram [os atos golpistas], aqueles que financiaram e aqueles que também se omitiram. Então é necessário que tenhamos também essas informações, que vamos buscar”, completou Marinho.
A CPI do MST mobiliza parlamentares da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), uma das maiores forças da Casa e que ainda apresenta resistência ao petista.
A criação da CPI se dá em meio às ações do movimento nas últimas semanas e à crescente pressão da bancada ruralista pela instalação do colegiado.
Diferentemente de como ocorrerá na CPI do 8 de janeiro, em que nem o PT de Lula nem o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro ficarão com cargos de comando, a do MST se encaminha para ter dois deputados da oposição na relatoria e presidência.
O ex-ministro do governo Jair Bolsonaro e atual deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) é o favorito para assumir a relatoria da comissão. Já o deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), autor do requerimento da CPI, deverá presidir o colegiado.
A comissão terá 27 membros titulares e 27 suplentes. Segundo cálculos seguindo a proporcionalidade partidária, dos 27 titulares, 9 serão do bloco que reúne PP, União Brasil, PSDB-Cidadania, PDT, PSB, Avante, Solidariedade e Patriota; 8 do bloco MDB, PSD, Podemos, PSC e Republicanos; 5 para o PL; 4 para a federação PT-PV-PC do B e 1 para a federação PSOL-Rede.
Deputados ouvidos pela reportagem afirmam que é possível criar uma maioria da oposição no colegiado, uma vez que mesmo em partidos considerados da base do governo Lula há parlamentares alinhados à pauta da bancada ruralista.
Já na CPI do 8 de janeiro serão 36 membros. Pelo menos por enquanto, a oposição se vê desfavorecida nas estimativas de parlamentares, que calculam que o governo deve ter de 20 e 22 nomes a seu favor no grupo.
Essa maioria vai depender, no entanto, de partidos que não são integralmente alinhados a Lula, como a União Brasil, ou de blocos como o do MDB no Senado, que é comandado pela sigla aliada, mas integrado também, por exemplo, pelo Podemos, que se declara independente.
Aliados de Lula avaliam, sob reserva, que será crucial que tais partidos indiquem nomes ao menos moderados.
Também entendem que será fundamental ter o apoio do bloco de Lira, mas que o presidente da Câmara pode cobrar um preço político alto para garantir a maioria da comissão ao governo.
Na tentativa de assegurar o controle da comissão, o governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), manobrou garantir mais uma vaga para o grupo de senadores do PT dentro da CPI —e a oposição entrou com uma questão de ordem para tentar reverter a medida.
A mesa do Congresso já publicou a distribuição de cargos dentro da CPI com a nova vaga conquistada por Randolfe. Cabe a Pacheco, porém, examinar a questão apresentada por Rogério Marinho e também pelo Novo.
Já é dada como pacificado, no entanto, que a relatoria da CPI ficará com um senador. E, portanto, a presidência será de algum deputado.
Renan Calheiros (MDB-AL) é um dos cotados e divide opiniões: há quem o veja como um bom nome para o governo, por ser combativo; outros analisam que seria um desgaste com Lira, já que os dois são rivais de longa data.
Eduardo Braga (MDB-AM) é outro dos citados como possível relator.
Um dos cotados para comandar a comissão é o deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), que, no ano passado, apoiou publicamente a reeleição de Bolsonaro contra o que ele chamava de “projeto socializante do PT, que tem trazido tanta pobreza”.
Segundo parlamentares, Maia tem apoio do presidente da Câmara, que seria o fiador final da linha de atuação do indicado.
Lira também deverá exercer influência na CPI do MST. Como mostrou a coluna Painel, da Folha, o presidente da Casa pediu a Salles que ele atue com parcimônia e equilíbrio caso seja escolhido como relator.
O pedido tem como base a relação tensa que o deputado teve com movimentos do campo nos últimos anos. A possibilidade de Salles ser o relator tem sido criticada por integrantes da base do governo.
O deputado federal Odair Cunha (PT-MG) afirmou nas redes sociais que o que deve nortear os trabalhos do colegiado é o fato determinado que deu origem à sua criação. O requerimento da CPI diz que ela busca investigar a atuação do MST “do seu real propósito”, assim como dos seus financiadores.
“Quem for para a CPI do MST deverá ter compromisso com a realidade factual e não com uma ideologia ou narrativa pré-concebida. Não vamos admitir nenhum presidente ou relator comprometidos com uma agenda que busque criminalizar os movimentos sociais”, escreveu Cunha na sexta (28).
Da oposição, o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) afirma que “politicamente e juridicamente é mais fácil atacar o governo” na CPI do MST.
“Por já haver decisões judiciais contra invasores, fica muito mais fácil para a CPI do MST quebrar sigilo, fazer busca e apreensão e, eventualmente, até pedir a prisão dessas pessoas do que na CPI do dia 8, porque em relação a omissão do governo federal irá começar do zero. A do MST já começa com decisão judicial publicada.”
João Gabriel e Victoria Azevedo/Folhapress
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