Estão soltando os condenados. Não por terem sido considerados inocentes, mas por cuidadosa manipulação de regras formais. Carlos Alberto Sardenberg para o jornal O Globo:
Lula
comete muitos equívocos. Na maior parte, são opiniões rasteiras sobre
assuntos complexos que ele não conhece. Entram nessa categoria os
comentários sobre os games — vistos como formadores de crianças
violentas — e transtornos mentais — ou “desequilíbrio de parafuso” que
afeta 30 milhões de brasileiros, potenciais causadores de “desgraça”.
Tratava dos assaltos a escolas, tema sensível, mas essas falas não geram
políticas públicas. Ao contrário. Nos ministérios da Saúde e da
Educação, ficaram perplexos com os comentários do presidente. Calaram.
Ainda bem.
É
diferente quando se trata das incursões de Lula em política
internacional. As declarações de apoio à China e à Rússia revelam um
antiamericanismo que, antes de mais nada, é visceral. Lula acha — e diz —
que sua prisão foi resultado de uma conspiração armada pelo
Departamento de Justiça dos EUA. Tem muita gente importante no PT que
racionaliza essa ideia, tornando-a base da diplomacia “Sul-Sul”. Se os
americanos são capazes de destruir uma economia emergente, então o
negócio é buscar outros parceiros.
En
passant, fica dito que a corrupção no mensalão e, sobretudo, no
petrolão foi coisa pequena, limitada a algumas pessoas, sem participação
do PT, muito menos de Lula. Os grandes acordos de delação? Empresas,
executivos e empresários chantageados. E os réus confessos que
devolveram dinheiro? Também chantagem e mixaria. Assim mesmo, tudo
duvidoso, porque a diretoria da Petrobras na época era formada por
cúmplices da conspiração.
Para
eles, a Petrobras quebrou, nas gestões petistas, não por má gestão e
roubalheira, mas por ter sido saqueada por agentes do imperialismo. E
por que saqueada? Porque a estatal e as empreiteiras associadas,
Odebrecht à frente, se espalhavam pelo mundo ameaçando as companhias
americanas. (Leiam artigos e livros de José Sérgio Gabrielli e
Alessandro Octaviani, este agora indicado para a Superintendência da Susep.
Ele, aliás, sustenta que a corrupção foi fator de crescimento em muitos
países.) Dizem que, contra essa expansão brasileira, o Departamento de
Justiça dos Estados Unidos inventou o programa de combate à corrupção,
com o propósito explícito de tirar do caminho as concorrentes das
empresas americanas.
Como chegaram a isso? Partindo de um fato real: o governo americano, com a OCDE,
liderou um programa de combate à corrupção que apanhou empresários,
empresas e governos pelo mundo todo, inclusive entre os aliados
europeus. Não foi, pois, uma ação contra o Brasil de Lula. Foi na
sequência de investigações sobre terrorismo e tráfico de drogas, quando
se adotou a linha follow the money. Quem financiava o crime? Como se
dava a troca de dinheiro sujo por respeitáveis recursos no sistema
financeiro global? No meio do caminho, com a colaboração de diversos
governos, se topou com a corrupção dos Estados.
O
programa desenvolveu métodos de rastreamento de dinheiro, praticamente
quebrando o sigilo bancário e estabelecendo troca de informação entre os
fiscos e os bancos centrais. A Lava-Jato fez parte desse programa. Foi
assim, aliás, que achou dinheiro desviado em bancos suíços. Sim, Deltan Dallagnol e Sergio Moro estudaram nos EUA. Exatamente como juízes, promotores e policiais de diversos países. Obtiveram condenações notáveis.
Foi tudo uma farsa global?
No
mundo, muita gente grande continua em cana. Aqui, estão soltando todos
os condenados. Não por terem sido considerados inocentes, mas por uma
cuidadosa manipulação de regras formais que vai anulando processo por
processo. Em cima disso, o discurso petista vai ganhando espaço: o
combate à corrupção, uma farsa americana, só serviu para destruir
empresas brasileiras, gerar desemprego e recessão. A inversão está
feita: não é a corrupção que corrói a economia, mas o combate a ela.
Pode?
Não pode. Leiam o livro de Malu Gaspar “A organização” e os escritos de Maria Cristina Pinotti.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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