Thomas Traumann
Veja
Professor da Universidade Diego Portales, de Santiago, o cientista político chileno Cristóbal Rovira Kaltwasser é um dos principais especialistas no estudo sobre a direita radical populista. Coautor com o cientista político holandês Cas Modde do clássico “Populism – A Very Short Introduction” e um dos organizadores do “The Oxford Handbook of Populism”, Rovira acredita que o ressurgimento da direita radical desloca a economia como principal razão na decisão do voto e, no limite, é uma ameaça real à democracia em países altamente polarizados como o Brasil e os EUA.
Nesta entrevista, realizada após uma conferência no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), Rovira argumenta que as questões culturais se tornaram tão ou mais importantes que a economia no hora do eleitor votar e que é fundamental ao governo Lula mostrar aos partidos de oposição que a tentativa de golpe no 8 de janeiro foi uma fronteira que não poderia ter sido cruzada.
“A estabilidade da democracia depende que a elite política no governo e elite política na oposição compreendam que de suas atitudes dependem a continuação do regime democrático no longo prazo. A chave é o governo construir pontes com as versões mais moderadas da oposição para tentar incorporá-los”, afirma.
Quando o Brexit venceu o
plebiscito no Reino Unido em 2015 e Donald Trump foi eleito presidente
dos EUA, muitos artigos apontavam que o avanço da extrema direita era
consequência da crise econômico. O senhor publicamente discorda desta
tese. Por quê?
No caso da Europa, esse argumento se baseia na ideia de
que os eleitores dos partidos sociais-democratas mudaram de lado e
passaram a votar na extrema-direita. Só que isso não aconteceu. A
social-democracia tem culpa em muitas coisas, mas não no surgimento da
ultradireita. Dados empíricos mostram que a maioria dos atuais eleitores
da ultradireita não são pessoas que votavam antes na social-democracia,
mas aqueles que estavam com direita convencional. A extrema-direita
tomou o lugar desta direita convencional e isso explica em grande medida
a decadência dos partidos democratas cristãos europeus.
Qual é o futuro da direita?
A direita está se dividindo em dois segmentos: um que segue
respeitando as regras da democracia liberal, como a CDU de Angela Merkel
na Alemanha, e o outro, dos partidos ultrarradicais, como o também
alemão Afd (neofascista). Esta questão está empiricamente bem
demostrada. O segundo ponto é que tanto na Europa e quanto nos EUA quem
vota na extrema-direita não são os eleitores mais pobres, isso quando os
mais pobres votam. Na França, por exemplo, o voto no (populista de
esquerda) Jean-Luc Mèlechon é de pessoas bem mais pobres do que os que
votam (na populista de extrema-direita) Marine Le Pen. Os eleitores da
extrema direita estão mais bem integrados no sistema econômico.
Mas a economia segue tendo influência na política?
A crise econômica importa porque ela gera a transformação
do status socioeconômico do eleitor, na forma como ele subjetivamente se
enxerga na sociedade. Um operário que antes se achava parte da classe
média baixa, hoje se sente mais abaixo, mesmo que objetivamente não
esteja mal economicamente. A percepção desse status é uma questão mais
subjetiva do que objetiva. O eleitor segue tendo acesso à saúde,
educação, mas subjetivamente se sente como se tivesse sido deslocado
para baixo e esta sensação de “perdedor da globalização” é usada com
maestria pelos partidos de extrema-direita.
E a famosa frase do marqueteiro James Carville “é a economia, estúpido” para explicar a importância do bolso na hora do voto?
Não é só a economia. É muito mais uma transformação
cultural. Em geral, as forças de ultradireita são masculinas, seus
líderes em geral são homens machistas e seu eleitorado é formado mais
por homens do que por mulheres, o que se relaciona com essas
transformações culturais. A ultradireita quer retornar a um status quo
onde os homens tinham um lugar mais central na sociedade, um período em
que eles poderiam fazer e dizer as coisas que hoje não são mais aceitas
socialmente.
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