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Para a fauna politicamente correta, se fulano pensa diferente do que a galera dos bonzinhos considera ser o certo, precisa ser eliminado. Artigo do economista Ubiratan Jorge Iorio para a revista Oeste:
Podemos
imaginar a sociedade como um grande sistema composto de três
subsistemas: o econômico, o político e o ético-moral-cultural. Os três
subsistemas têm características específicas, mas se entrelaçam e são
interdependentes. Muitos dos fenômenos que supostamente seriam restritos
ao campo exclusivo de um deles influenciam — e também são motivados por
— eventos ocorridos nos outros dois. Os três compartimentos possuem
ritmos diferentes de evolução. Seguem normas distintas que legitimam
formas de conduta diferentes.
Cada
um desses subsistemas possui instituições especiais: métodos,
disciplinas, padrões, propósitos, limites, atrações e repulsões. Ou
seja, tem seu próprio ethos. E cada subsistema costuma, também, criar
problemas para os outros dois. É dessas tensões, desejáveis em um
sistema pluralista, das centelhas resultantes do seu contato e sua
correção interna que costuma sair a energia que alimenta o progresso, em
um processo contínuo de sedimentação de mudanças.
Eventuais
deficiências no funcionamento de um dos subsistemas podem ser
compensadas durante algum tempo, na medida em que os outros dois
componentes continuem a operar satisfatoriamente, assumindo o ônus de
levar adiante o funcionamento da sociedade. Mas quando as deficiências
em um dos subsistemas são crônicas, ou quando se espalham para os
demais, a sociedade estanca. Isso porque a economia não consegue
produzir nem muito menos distribuir, a política não desempenha seu papel
de fazer funcionar a contento a democracia e a deterioração acentuada
do tecido moral termina contaminando todo o organismo.
Um
exemplo dessa interação é o conjunto de motivações de natureza moral
sobre as atividades econômicas e políticas. Este artigo enfatiza um
aspecto dessa influência na economia. Aponta como a falsa moralidade dos
ditos “progressistas” estimula desequilíbrios orçamentários nos
governos de todos os países, além de prejudicar a produtividade da
economia.
O
progresso das sociedades depende de escolhas e providências que as
pessoas tomam, de qualidades pessoais, de instituições sociais e morais e
de acordos políticos. São fatores que, quando espontaneamente
desencadeados, estimulam o progresso. Um subsistema moral-cultural
adequado é a base e a força dinâmica da ascensão tanto de um sistema
político democrático quanto de um sistema econômico liberal.
Negligenciá-lo ou distorcê-lo significa envenenar o organismo. É uma
atitude imoral, porque, se as sociedades sabem como criar riqueza — e
não o fazem —, podemos afirmar que a pobreza é imoral. Isto é sabido
desde os tempos de Adam Smith e da Revolução Industrial
Criaturas chatas, azucrinantes e extremamente enjoadas
Existem
dois tipos de contaminação da economia provocados por visões
equivocadas a respeito dos princípios de moralidade a serem seguidos. O
primeiro rejeita a própria moralidade e foi enfatizado pelo professor
James Buchanan (1919-2013), laureado com o Nobel de Economia em 1986 e
principal nome da chamada Escola da Escolha Pública. Essa escola
costumava afirmar que uma característica da teoria econômica do século
20, por influência do relativismo moral keynesiano na economia e
coletivista na política, foi que a geração de déficits por parte do
setor público não só deixou de ser considerada uma atitude condenável
sob o ponto de vista moral como passou a ser tratada como necessária.
Ignoravam-se os seus efeitos nefastos de longo prazo sobre a economia,
e, consequentemente, sobre a vida das pessoas — especialmente as mais
pobres.
Ora,
ninguém contesta que o hábito de gastar seguidamente mais do que se
ganha configura um modo de vida errado, sob os pontos de vista moral,
econômico e financeiro. É um hábito que, quando não corrigido, cedo ou
tarde será punido pelas normas que regem a ação humana, ou seja, pela
própria vida. Mas o ponto essencial, que muitos não conseguem perceber, é
que o Estado também está subordinado às restrições de natureza moral,
econômica e financeira a que as famílias e as empresas necessariamente
estão sujeitas. O que é imprudência para chefes de família e para
empresários não pode passar, por milagre, a ser prudência quando se
trata de agentes públicos.
No
entanto, parece que muitos economistas não acolhem essa norma
rudimentar de filosofia moral, o que os tem levado (desde os anos 1930) a
procurar argumentos para justificar o seu não cumprimento. Por isso, a
teoria econômica que prevaleceu durante esse período se caracterizou
pela negligência para com os importantes elementos éticos que devem
reger o comportamento de todos os agentes econômicos, inclusive o do
Estado. O que explica os regimes fiscais contínua e crescentemente
deficitários e, consequentemente, os regimes monetários expansionistas,
bem como as políticas de endividamento. Essa desconsideração dos
princípios morais — consagrados pela tradição, baseados na valorização
do esforço de poupança, da parcimônia, da honestidade, do trabalho duro e
da prudência — é a causa primeira de muitos problemas econômicos
sérios, como inflação, desemprego e pobreza.
O
segundo tipo de contaminação é de natureza diferente. Nega a moralidade
anterior para nos empurrar goela adentro outro código, substituindo os
velhos princípios e valores morais por uma nova moralidade inteiramente
falsa. Essa tem sido uma preocupação constante na obra do economista
Thomas Sowell, que vem clamando há décadas contra o processo de
apropriação da ética por parte da corrente dos “politicamente corretos”.
Com efeito, essas criaturas chatas, azucrinantes e extremamente
enjoadas são useiras e vezeiras em utilizar um estereótipo de moralismo
como pretexto para impor sua visão de mundo coletivista.
Esse
grupo, que atualmente vem desfilando em todas as passarelas do mundo
sob os aplausos da velha imprensa e dos partidos de esquerda, com o
apoio milionário dos líderes do globalismo totalitário, recusa-se a
encarar a política como deve ser: como um confronto entre opiniões e
visões de mundo, preferindo tratá-la como uma guerra entre cavaleiros
progressistas, sempre justos e repletos de altruísmo, e bárbaros
conservadores e liberais, sempre opressivos e egoístas.
A Idade da Lacração
Sowell
critica duramente o ar de superioridade moral dos ideólogos e papagaios
da esquerda progressista. Desdenhando dos valores morais tradicionais,
chamam ruidosamente para si um hipotético monopólio de defesa dos pobres
e das minorias, enquanto acusam os que têm opiniões diferentes de
defenderem o capital, os ricos, os brancos, os heterossexuais, o
patriarcado, o machismo e tudo que puder ser considerado “privilégio”.
É
um método premeditadamente desenhado por gramscistas, frankfurtianos e
assemelhados, debatido durante décadas nos cafés de Paris por
intelectuais de esquerda que adoram vinhos franceses e em centros
acadêmicos por estudantes que detestam estudar. O método consiste em
carimbar como mal-intencionado quem quer que divirja de suas opiniões.
Ignoram que a economia é uma ciência de meios e não de fins. Procura
identificar os meios mais adequados para atingir determinados fins. No
carimbo, está implícito o veredicto de que todos os liberais e
conservadores só pensam “naquilo”: prejudicar os pobres em benefício
próprio.
Para
a fauna politicamente correta, se fulano pensa diferente do que a
galera dos bonzinhos considera ser o certo, deve ser tratado como alguém
cruel, que se compraz em aumentar desigualdades e perseguir minorias e,
portanto, precisa ser eliminado. O exemplo mais recente dessa
esquizofrenia foi o “cancelamento” absurdo cometido contra o atleta
Maurício Souza. Felizmente, o ato teve péssima repercussão na sociedade.
É
preciso deixar claro: boas intenções não são monopólio de ninguém,
embora progressistas e desenvolvimentistas façam de conta que não sabem
disso. Devemos buscar inspiração nos dois maiores economistas austríacos
do século 20, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. Além de todos os seus
ensinamentos econômicos, sempre reconheceram boas intenções em seus
adversários socialistas, criticando tão somente as suas concepções.
Tratava-os como adversários no campo das ideias e jamais como inimigos
mortais.
O
“moralismo do Leblon”, politicamente correto, parece onipresente em
nossos dias, está em toda e qualquer discussão: sobre meio ambiente,
reciclagem de lixo, criminalidade, mercado de trabalho, sexo (rebatizado
como “gênero”), cor da pele, criação de filhos, educação, segurança
alimentar, saúde… Estamos vivendo uma verdadeira Idade da Lacração. Ela é
caracterizada, de um lado, pela absoluta ausência de discussão de
ideias e, de outro, pelo ar insuportavelmente arrogante de superioridade
moral que caracteriza seus militantes. Podemos defini-los com duas
palavras: ignorância e soberba.
Comendo hoje o bolo de amanhã
Pois
esses arrogantes substituíram a antiga lei por novos mandamentos: 1)
emitirás moeda; 2) gastarás sem piedade o dinheiro dos pagadores de
impostos; 3) tributarás sem compaixão; 4) comunicar-te-ás por meio de
linguagem neutra; 5) ajoelhar-te-ás diante de árvores ou quaisquer
coisas verdes; 6) não comerás carne, terás hábitos alimentares de
lagarta; 7) sentirás vergonha de ser branco e descender de europeus; 8)
sentirás vergonha de ser heterossexual; 9) sentirás vergonha de não ser
de esquerda; 10) sentirás vergonha de gastar muita água no banho, etc.
É
a nova religião do moralismo social, descrita por Sowell em seu livro
de 1995, com título que é autoexplicativo, A Visão dos Ungidos:
Autocongratulação Como Base para a Política Social. No livro, Sowell
discute a “visão trágica” que os escolhidos e eleitos da seita associam
aos liberais e conservadores e a “visão dos ungidos”, que — para nenhuma
surpresa — dizem ser a deles.
Os
efeitos dessa subversão da moral consagrada pela tradição e sua
substituição pela moral agendada para a revolução são desastrosos para
os três subsistemas da sociedade, e em especial para o econômico.
Primeiro, porque o intervencionismo econômico que caracteriza a economia
política do déficit público tem o efeito de destruir o estoque de
capital dos países. Seu financiamento nada mais é do que o consumo do
capital “nacional”, em decorrência dos saques permanentes que o Estado —
sempre em nome dos mandamentos dos ungidos — realiza contra os fluxos
futuros das rendas a serem futuramente geradas pelos agentes privados,
as quais, obviamente, serão menores do que seriam na ausência dos
padrões morais relativistas que governam os moralistas do Leblon. É como
se tentássemos comer hoje fatias de um bolo que só seria levado ao
forno amanhã…
Segundo,
a erosão dos princípios de moralidade fiscal e monetária influenciou
negativamente o comportamento de famílias, empresas e cidadãos em geral,
com a diferença de que a vulnerabilidade desses grupos é bem maior do
que a do setor público, que tem à sua mão a faculdade de emitir papéis
pintados como se fossem moeda boa e o poder de tributar. Trata-se da
velha máxima de que os exemplos, em termos de padrões de conduta, tanto
os bons como os maus, vêm de cima.
Normas
de prudência pessoal, empresarial e pública seriam indesejáveis, uma
vez que cada real gasto — e, portanto, não poupado — beneficiaria a
sociedade, mediante a magia de um pretenso “efeito multiplicador”. Essa
construção, aplicada no campo das finanças públicas, minou os esforços
de defender regimes fiscais equilibrados, que passaram a ser tratados
como coisas do passado e, assim, a serem menosprezados. O professor
Buchanan estava certíssimo quando escreveu que, com Keynes, “nascia a
era moderna de libertinagem fiscal, pública e privada”. Infelizmente, a
depravação ainda não teve fim, haja vista a política fiscal que vem
sendo executada por Joe Biden nos Estados Unidos.
Por
fim, a imposição crescente de cotas de todos os tipos em universidades e
órgãos públicos já chegou ao setor privado. Empresas “lacradoras” já
aderiram aos ungidos e passaram a controlar quantos de seus funcionários
não são brancos, quantos deles são homossexuais, transexuais, binários,
quantos tomaram vacina, etc. O efeito dessa troca do mérito por
critérios alheios à eficiência obviamente é um atentado à produtividade.
É
mais do que tempo de dar um basta à tirania do dialeto politicamente
correto. Ele tenta fantasiar de poesia heroica o que não passa de uma
prosa vagabunda e da pior qualidade.
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