Os doze minutos excruciantes de ontem serviram apenas para isolar ainda mais o país neste momento distópico, numa prova de que o divórcio da maioria dos brasileiros com seu presidente está cada vez mais próximo. Alexandre Borges para a Gazeta do Povo:
"Vexame"
foi o termo do dia ontem (21/9). Esteve entre os mais falados no
Twitter, e é um bom resumo do festival lisérgico de meias-verdades,
mentiras e delírios autorreferentes expelidos na profanação do principal
pódio da ONU que lamentavelmente protagonizamos ontem. Poucas vezes a
tradição da deferência que o mundo presta ao Brasil, premiando o país
com a abertura da Assembleia Geral, gerou tantos constrangimentos.
O
púlpito utilizado pelo presidente brasileiro foi desinfetado antes de
seu uso por Joe Biden, que estava hospedado no mesmo hotel que
Bolsonaro, o luxuosíssimo e centenário InterContinental New York
Barclay, e evitou como pode sequer cruzar com ele. Passamos de vassalos a
tóxicos para a Casa Branca num voo direto, sem escalas.
O
discurso do presidente já foi suficientemente escrutinado pelos
exageros, falácias e imprecisões, mas pouco se falou de outro aspecto
igualmente deletério: o provincianismo, a estreiteza paroquial, a
mesquinhez de usar aquela oportunidade tão nobre para ignorar
completamente o palco mundial e focar na produção de conteúdo para o zap
de convertidos.
É
como se já tivesse jogado a toalha em relação a eleição do ano que vem e
estivesse tentando desesperadamente manter ao menos a base de 10, 15%
do eleitorado, para reeleger os filhos no legislativo, mantendo o foro
privilegiado para eles, enquanto negocia com os companheiros Dias
Toffoli, Fux, Lira e Aras algum tipo de anistia ou salvo conduto para o
momento de descer do planalto para a planície. O presidente sequer
tentou apelar para eleitores fora do cercadinho, que são insuficientes
para dar um novo mandato a ele.
O
Brasil, até abril deste ano, tinha o "4chanceler" Ernesto Araújo como
titular do MRE, ele que se orgulhava do país "ser um pária" e que
pilotava o Itamaraty para a ala ideológica do governo. Um fiel escudeiro
de uma luta templária imaginária de meninos aloprados que gritavam
"Deus Vult!" enquanto tiravam selfies com Donald Trump e curtiam o dolce
far niente do jeito que só o dinheiro do contribuinte pode
proporcionar. A troca pelo discreto Carlos França criou uma falsa
esperança, totalmente superada ontem, de um novo tempo para a imagem do
país no exterior.
Ninguém
sinceramente esperava um pronunciamento de estadista, ou sequer uma
venda convincente do país a investidores estrangeiros, o que combina com
a falta de encontros na agenda com empresários e banqueiros, mas que ao
menos falasse com alguma altivez aos brasileiros, acossados por 600 mil
mortos por Covid, alguns escândalos revelados pela CPI que são dignos
de contos de terror e uma crise econômica devastadora. Que nada.
Os
doze minutos excruciantes de ontem serviram apenas para isolar ainda
mais o país neste momento distópico, numa prova de que o divórcio da
maioria dos brasileiros com seu presidente está cada vez mais próximo.
Que seja, ao menos, não litigioso.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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