Éric Zemmour não tem papas na língua quando trata, muito habilmente, de imigração muçulmana ou feminismo - e por isso tem 11% das intenções de voto. Vilma Gryzinski:
Ele
já foi chamado de “Trump francês” e mal comparado a Nigel Farage, o
nada intelectual líder do Brexit, e ao guru bolsonarista Olavo de
Carvalho. São comparações erradas. Éric Zemmour é muito melhor do que
isso.
Melhor
no sentido de explicitar e criar um pensamento coerente que abarca e dá
sentido intelectual, sem apelações grosseiras, a todo o novo populismo
de direita.
A
palavra “intelectual”, principalmente associada a um francês, pode dar a
impressão de que ele fala difícil e usa uma linguagem inacessível.
Zemmour, ao contrário, é o tipo de intelectual que não exige PhD para
ser entendido.
“Populismo
para mim é o grito de um povo que não quer morrer. O povo não quer ser
dissolvido na globalização. Não quer ser controlado em sua casa por
estrangeiros, quer decidir o seu destino. Quer defender sua identidade,
seu modo de vida, ameaçados pela universalização do modo de vida
americano e pela imigração”, definiu ele, com perfeita clareza, numa
excelente entrevista feita por Juremir Machado da Silva, do Correio do
Povo de Porto Alegre.
Por
causa do estilo contundente de Zemmour e da clareza com que enuncia
ideias “proibidas”, tem gente que vai dormir mal de hoje para amanhã,
esperando o debate que fará com Jean Luc Mélenchon, o líder do partido
esquerdista A França Insubmissa, mais ou menos parecido com o PSOL
brasileiro.
Zemmour
provoca tanto desconforto que a própria existência do debate vem sendo
contestada, como se o jornalista e escritor fosse um ser inominável que
merecesse ser proscrito da sociedade civilizada.
Até
esquerdistas tradicionais estão criticando Mélenchon por ter concordado
com o debate, um golpe de grande efeito meditático cujo valor o líder
da França Insubmissa entende perfeitamente.
O curioso é o furor que está causando um debate entre dois candidatos a presidente sem nenhuma chance na eleição do ano que vem.
Zemmour
ainda não assumiu a candidatura, mas está claramente adorando aparecer
nas pesquisas com até 11% das preferências. O avanço, obviamente, é
sobre o eleitorado de Marine Le Pen, a herdeira da direita pura e dura,
que tem mais cancha política, mas não o peso intelectual de Zemmour.
Ter
a direita devorando a direita deveria deixar todo o espectro político
oposto saltitando de alegria, mas Éric Zemmour é impalatável demais.
Filho
de judeus argelinos que foram para a França com a independência da
Argélia, ele prega que os imigrantes, principalmente de países
muçulmanos, devem abraçar integralmente a civilização francesa ou então
voltar para seus países.
É,
obviamente, uma impossibilidade – quem julgaria o grau de assimilação?
Um novo tribunal da inquisição? Mas Zemmour sabe que muitos franceses
ficam incomodados com imigrantes que usam trajes tradicionais mesmo
depois de duas ou três gerações na França, rezam a Alá prostrados no
meio da rua ou, muito mais gravemente, não condenam os neoislamistas que
praticam atentados terroristas.
“Três
milhões de italianos entraram na França entre 1870 e 1940. Um milhão
ficou. Dois milhões retornaram. Eles queriam continuar italianos”,
argumenta.
“A
partir de 1980, com o multiculturalismo, temos uma colonização
invertida. O estrangeiro quer impor seu modo de vida. Viver como se
estivesse no seu país, estando no estrangeiro, isso se chama
colonização, Era o que faziam os franceses na Argélia ou os ingleses na
Índia”.
Por
causa de argumentos assim, altamente estilizados – ou manipulados -,
Zemmour foi chamado de “apóstolo do racismo elegante” por John Lichfield
no Politico europeu. O jornalista britânico reconhece que seus livros
são “belamente escritos, em sentenças que dançam elegantemente” em torno
de argumentos distorcidos.
Zemmour,
que com suas grandes orelhas e olhos arregalados lembra o Golum de O
Senhor dos Anéis,é sistematicamente processado por incitação ao racismo e
já teve três condenações.
Seu
histórico de polemista pode ser resumido pelos títulos de seus livros. O
Primeiro Sexo trata do que chama de desmasculinização dos homens
franceses pelo feminismo. O Suicídio da França foca na imigração e, de
modo geral, no declínio civilizacional – um tema cuja grandiosidade
histórica não o intimida. O último traz um raio de esperança: A França
Ainda não Teve a Última Palavra.
Seria, como especulam os inimigos, uma plataforma eleitoral?
Zemmour
diz que vai decidir sobre a candidatura presidencial no prazo de um
mês. Ou talvez o debate de amanhã traga uma surpresinha?
Não
vão faltar espectadores – inclusive os envergonhados. Nem tiradas
ferinas como as que diz envolvendo o presidente Emmanuel Macron e seus
antecessores.
“Durante
muito tempo achei que Macron era uma versão menos vulgar de Sarkozy.
Finalmente entendi que ele é Hollande, só que mais bem vestido”.
Como
ele perdeu seu lugar num programa do canal por assinatura CNews, por
decisão do órgão regulador Conselho Superior de Audiovisual, sob o
argumento de que poderia estar fazendo propaganda política em causa
própria, aumentou a curiosidade sobre qual vai ser “a última do
Zemmour”. Ou penúltima.
Éric Zemmour ainda não teve a última palavra.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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