Para Guterres a única forma de garantir que nenhum comportamento ofende ninguém é, a cada momento, todos partilharmos o estado de espírito do ser humano mais miserável do planeta. Equidade na desgraça. Tiago Dores para o Observador:
“Guterres?
Mas faz algum sentido principiar a crónica desta semana referindo
António Guterres, tendo havido Eleições Autárquicas no passado domingo?”
Solicito calma ao leitor, compreensível mas precipitadamente exaltado.
Lá chegaremos às Autárquicas. E verá que a menção ao secretário-geral da
ONU vem a propósito. Desde logo porque falar em Autárquicas e não
recordar que foi após estas eleições, em 2001, que Guterres fugiu do
pântano, seria como falar em Autárquicas e não recordar que foi após
estas eleições, em 2001, que Guterres fugiu do pântano.
Ora,
o que é que sucedeu, então, em termos de António Guterres? Sucedeu que o
nosso ex-Primeiro-Ministro arrasou Jeff Bezos e Richard Branson. Na
Assembleia Geral da ONU, e perante outros líderes mundiais, disse
Guterres destes dois multimilionários: “Divertem-se no espaço enquanto
milhões passam fome na Terra”. E sobre esta declaração, um tríptico de
itens.
Primeiro
item, até muito bem visto, mas algo rebuscado. Guterres denota falta de
visão nesta sua crítica. Imaginem que há, não apenas vida, mas vida
semelhante à vida humana, e com imensa larica, noutros planetas. Nesse
cenário, estes multimilionários são, em verdade, não troçadores da
miséria alheia, mas antes a melhor hipótese que estes eventuais
extra-terrestres humanóides famélicos têm de ingerir uma alheira.
Liofilizada, claro. Mas já bem bom. Nestas circunstâncias, as naves de
Bezos e Branson seriam uma versão espacial daquelas furgonetas que andam
pela cidade a distribuir alimentos aos sem-abrigo.
Segundo
item, assaz pertinente, mas bastante óbvio. Admitindo que a diversão
destes multimilionários tem potencial para provocar indignações, há que
ver a coisa pelo lado positivo. É que, pelo menos, estes ricaços vão
divertir-se para bem longe. Sim, porque acabam por levar a cabo as suas
pândegas já para lá da estratosfera. Onde, além do mais, deve ser
péssimo uma pessoa divertir-se. Por exemplo, não me parece que a
gravidade zero permita bons moves quando toca a Macarena lá nos veículos
espaciais do Bezos e do Branson. Imagino eu que toque a Macarena no
auto-rádio daquelas naves. Que acho que deve ser a ideia de música
entretida para o típico semi-velhinho-choninhas com posses para
despender numa passeata daquelas.
Terceiro
item, parco em comicidade, mas incontornável. Então e porque é que,
havendo milhões que passam fome na Terra, apenas a diversão espacial
merece reparo? Trata-se de clara discriminação de entretenimentos. Onde
estava António Guterres quando, por exemplo, há escassos meses, um
rapper, de seu nome Kodak Black, atirou, num vídeo que se tornou
merecidamente viral, cem mil dólares ao mar? Não escutei o
secretário-geral da ONU manifestar-se sobre tão divertida actividade. A
não ser que Guterres tenha informação de que o Homem da Atlântida esteja
a atravessar um momento difícil do ponto de vista financeiro. Nesse
caso, aquela verba veio mesmo a calhar. Bom, mas o que interessa é que,
levando a lógica guterrista às suas últimas consequências, perante os
milhões que passam fome na Terra qualquer diversão é reprovável. E a
única forma de garantir que nenhum comportamento ofende ninguém é, a
cada momento, todos partilharmos o estado de espírito do ser humano mais
miserável do planeta. “Equidade na desgraça”, eis o lema do
secretário-geral da ONU. O PCP pode estar a desaparecer do panorama
autárquico nacional, mas a utopia comunista, essa, terá sempre maioria
absoluta na liderança das Nações Unidas.
E
pronto, cá está a minha referência às Eleições Autárquicas. Mentira,
não era só isto. É evidente que não ia olvidar o essencial deste acto
eleitoral. Que é, como é óbvio, saber o que achou dos resultados destas
eleições o Paddy. “Quem é o Paddy?” Como assim? Então, o Paddy que
organiza a Web Summit, naturalmente. Aquele evento onde
Primeiro-Ministro e Presidente da República do país que demora mais
tempo a arranjar computadores aos alunos do que levou a inventar o
computador, garantem que Portugal está tão na vanguarda da tecnologia
que, embora dê mesmo a ideia de estarmos a fechar o pelotão, na verdade
estamos é quase a dar uma volta de avanço aos outros. Por algum motivo,
todos os jornais quiseram saber o que o Paddy achou do resultado das
eleições em Lisboa. E disse o Paddy: “Fernando Medina (…) foi um
excelente presidente da câmara”, e com Carlos Moedas “Lisboa (…) ficará
bem servida no futuro”. O que foi refrescante. O Paddy dizer, de Medina e
Moedas, que “é tudo a mesma maravilha”, quando o português típico diria
que “é tudo a mesma m&%@#”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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